sábado, 1 de abril de 2017

140.UM MÚTUO E SENTIDO AGRADECIMENTO


Palavras-chave: acompanhamento, fratrimónio, gratidão, memória, sociomuseologia, plenitude, solidão

001.Taninha cinzenta e de olhos verdes na parede do seu quintal

    Hoje venho falar de gratidão. Pode-se / deve-se ser grato em situações diversas. Agradecer nunca é demais, mesmo que tenhamos dado mais do que recebido. Ser grato é reconhecer na outra parte a bondade. Assim procedendo com este espírito, não haverá espaço para guerras, violências, misérias e desigualdades gritantes.

002.No hall de entrada da casa de campo

    Em sexta-feira 31.03.2017 chega o dia da plenitude. Taninha fica, oficialmente, registada com este nome no dia da sua entrega total. O registo foi o da única e última consulta que teve na vida, seguida imediatamente do processo de adormecimento perpétuo. É certo que a batizei com este nome Taninha e assim a chamei durante 11 anos (a primeira capicua numérica que conheço). Taninha partiu com cerca de 16 anos de vida.

    Até aos cerca dos seis, os protetores não lhe deram um nome. Era apenas a gata. Por motivos da partida do seu primeiro protetor resolvi acompanhá-la mais de perto e dar-lhe um nome - Taninha, diminuitivo afetivo derivado de Antoninho, em memória do seu primeiro protetor.



003.No combarro, junto a um teto de cabanal
    É certo que fiz centenas de fotos à Taninha: na rua, na casa de campo, no quintal, nas árvores, para onde subia quando jovem, sobre os muros, em cima da estrutura elevatória duma bomba de tirar água, na terra, entre as flores; a descansar, a dormir, etc. e cada uma dessas fotos tem o nome digitalizado de Taninha; mas a única e, simultaneamente, última vez que alguém, de forma burocrática escreveu o seu nome foi no Hospital veterinário de Fernão Ferro, onde imediatamente entraria em dormição ab eterno.
004.Com o filho aos quinze dias de vida
    A médica assistente decidiu que era justo pormos a guerreira (no bom sentido de luta na vida) desligada do padecimento.

    A guerreira sofreu muito no último ano de vida. Primeiro, pelo relativo abandono, após o seu segundo protetor ter ficado impossibilitado de a acompanhar, por motivos de saúde. Porém, nunca faltou alimento a Taninha; no entanto aprendi aqui que a solidão dói e mata. Juntou-se a esta solidão os anos de vida e a não assistência médica. Mal informados e não suficientemente sensibilizados de que os gatos intermitentemente de quintal, de rua e de casa, também precisam de assistência.

005.sobre um monte de cavacos

    Taninha não era da minha responsabilidade, nem “propriedade”, apenas no campo moral; contudo, além de a acompanhar durante anos, mesmo morando à distância de 50 km, não pude deixá-la entregue à agonia até ao fim. No sentido que aprendi e reforcei com o estudo e formação em sociomuseologia, não descarto o conceito de fratrimónio(a) da relação natureza-homem ; natureza-animal, isto é da mútua entrega entre o homem e as espécies: bichos/aves/animais, ou mesmo espécimes do reino vegetal.
    Aprendi que bichos/aves/animais não agem apenas por puro interesse pela sobrevivência alimentar. Poderia referir aqui vários exemplos. Apenas aponto um caso referente à Taninha. Comparecia sempre quando ia vê-la, entre intervalos de cerca de duas semanas. Ouvia o carro, reconhecia o trabalhar e aparecia sempre: vinha do seu descanso, de qualquer sítio em que se encontrasse: na rua, casa, quintais. Sei que não comparecia exclusivamente pelo comer porque não lhe faltava boa alimentação prestada por um vizinho.

006.em cima duma mesa de quintal

    Taninha partiu sexta-feira, dia 31.03.2017. A jovem médica veterinária que a assistiu foi de uma humanidade inultrapassável.

    Pergunta-me se quero assistir ao processo de “dormição”. Ou se quero passar para a sala de espera, até que o facto esteja consumado. Digo-lhe que quero assistir a tudo, não por sentimento mórbido. Passa-me pela ideia de que a Taninha prefere que não a abandone no momento culminante.

007.em cima da bomba do poço

    Assim foi. Resolvi partilhar a agonia e a despedida até ao último segundo. Imediatamente antes da dormição Taninha mia 3 vezes. Não é habitual miar e não é um miar aflitivo é, em meu entender, uma mensagem de que está a comunicar o carinho e agradecimento naquele momento; que não é de pura finitude. É um momento de culminação da plenitude, entre o que Taninha deu e sofreu.

    Analisado à luz da filosofia cristã, lembro um mestre que tive nos anos 80, o Prof. Doutor de História das Mentalidades da Idade Clássica e Média - Luís Ribeiro Soares. Num determinado dia o mestre profere o seguinte pensamento que me marca: “o neo-platonismo é um cristianismo, ou vice-versa".  Aprofundando o pensamento cheguei à conclusão de que é no sinal mais (+) do Cristianismo que se baseia o sentido pleno do sofrimento, aquele que não está em nossa vontade contrair ou evitar mas que é redentor.


008.em cima duma estrutura elevatória de água

    Acredito na fé.,passe o pleonasmo, não só por motivos práticos e úteis de vida. Em conclusão, sem fé, provavelmente, não teria acompanhado a Taninha até ao último degrau do seu calvário. OBRIGADO também Taninha por tudo o que me deste. Repousa agora as tuas cinzas no lugar que te preparei.

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(a)Fratrimónio é a “partilha do aqui e agora”, como sintetiza, e muito bem, o museólogo, presidente do MINOM – Movimento Internacional para uma Nova Museologia - Mário de Sousa Chagas. É fratrimónio, em meu entender, a doação daquilo que cada parte presta ou comuta com a outra. Não importa se a outra parte é nosso semelhante ou se é uma entidade, sensível e sensitiva, como é o caso dum felino.

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