001 Porto
Pin e Baía da Horta
HORTA-FAIAL-AÇORES
DOS CABOS SUBMARINOS
PATRIMÓNIOS
D`OUTRORA – ATIVOS ECONÓMICOS E CULTURAIS D`AGORA
002 Baleeiras
Palavras-chave: Açores,
cabografia, clippers, hidroaviões, Horta, Pedro Laureano de Mendonça da
Silveira, revolução dos transportes e comunicações, sociomuseologia
Pedro Laureano de Mendonça da Silveira, natural da
Fajã Grande, Ilha das Flores, 1922.
Passa a maior parte da sua vida na grande Lisboa, onde a sua alma se liberta
aos 91 anos da Era de 2003. Poeta,
investigador, tradutor, crítico literário, vendedor de produtos médicos e
farmacêuticos; colaborador da imprensa jornalística, bibliotecário e gestor de
serviços na Biblioteca Nacional. Politicamente anarco-sindicalista e vigiado
pela Pide. Em 1951 já se encontra na Grande Lisboa.
003 Rua do Peter
No dizer do seu conterrâneo açoriano Luís Fagundes
Duarte (1), Pedro Laureano era «[…] um
cidadão sem pátria fixa, porque filho de todas as pátrias […]. Todos
aqueles que conheceram Pedro da Silveira e com ele privaram recordá-lo-ão como
“um tanto duro, como Pedro é pedra; picante agudo assomo [indício, sinal] de
silva dos silvedos […]». Como conterrâneo, Fagundes sente de modo particular, o
perfil psicológico de Pedro da Silveira: «É-me difícil escrever sobre este
homem que militou no anarco-sindicalismo, foi apoiante ativo das candidaturas
de Norton de Matos [2] e Arlindo Vicente [3] colaborador da “Seara Nova” […] mas no fundo desenganado da política ativa
ainda que nem por isso dela desligado … (sic). É-me difícil escrever sobre este homem que conheci em permanente estado
de vigília […]. É-me, enfim, difícil escrever sobre este poeta que […] no dia 13 de Abril de 2003 partiu de Lisboa – para a sua derradeira viagem em
demanda do “livre Espaço” … (sic)».
004 Legenda de "O Telégrafo" numa das principais ruas da Horta
Pedro Laureano integra o conselho de redação da Seara
Nova (4) e colabora no Mundo Literário. Em 1953 publica a Ilha
e o Mundo, coopera com o jornal A Ilha, faz crítica literária
e, passo a citar: “Foi uma voz incómoda,
em geral mal amada pelos poderes instituídos” (5). Produz temas de história
e etnografia das ilhas, contribui de forma ativa na Encliclopédia
Açoriana. Consta que a sua obra começa com o título a Ilha e o
Mundo em 1953. Cito, porém, um extrato de edição Fui ao Mar
Buscar Laranjas, também conhecida pelo subtítulo de Primeira Voz; poema
este que terá sido escrito entre 1942 e
1946 quando o autor tem entre os 20 e os 24 anos.
005 Placa toponímica da "Rua de Telegrapho", ainda com a antiga grafia
Já então tece uma análise saudosista do Faial, um corpo “quase requiem”, mas com esperança de o ver “renascer”, com a
universalidade de outrora, quando a cabografia fazia da Horta -Açores um centro
cosmopolita, a nível mundial, antes da concorrência das telecomunicações
radioelétricas e da capacidade dos cabos submarinos para transmitirem
diretamente as mensagens entre a Europa, as Américas, a África e outras geografias
(6).
006 Disfile etnográfico com os técnicos da Trinity House
Os versos do
poema Fui ao Mar Buscar Laranjas, referentes ao porto da Horta são, em meu entender, um monumento à Horta – Faial, à
centralidade de Portugal como uma charneira entre a Eurásia, a África e a
América. Pedro Laureano resume a
grandiosidade e a universalidade da Baía e do Porto, enquanto as crises do
Faial provocadas pelas alterações tecnológicas se vão instalando.
007 Cabografistas em operação na Trinity House
O mundo está em transformação através dos transportes aéreos diretos, de
continente a continente, e das telecomunicações
ponto a ponto e o poeta pressente que o Mundo se abrevia, tornando-se
global; sendo que o acréscimo de globalização traz algo de contraditório ao mudar os paradigmas comunicacionais,
nomeadamente: os transportes aéreos
rápidos e diretos; a telegrafia tipo telex, funcionando de escritório a
escritório; a telefonia automática, sem intermediação das meninas dos
telefones; e a televisão analógica, com prejuízo para as
comunicações-face-a-face.
008 Desfile etnográfico de técnico radioamador.
O excesso de globalização traz a instabilidade das
permanências, porque ao podermos estar em todo o mundo de forma virtual, não
estamos de forma consistente em lado algum.
Manuel Urbano Betencourt Machado refere-se a Pedro
Laureano da Silveira nos seguintes termos: «Em Pedro da Silveira, a fidelidade
à ilha, a resposta poética ao seu apelo insistente, deu-nos a conhecer o pequeno mundo insular (…) os
seus acontecimentos à escala reduzida, nem por isso menos importantes do ponto
de vista da afectividade e da relação humana. Mas isso não anulou o sentido de
viagem, a abertura a novos espaços e escritas, numa salutar dinâmica entre o
interior e o exterior, sinal de um espírito naturalmente inquieto e ávido de
saber, sempre pronto a agarrar o mais pequeno acaso que lhe permitisse entrar
em contacto com o outro lado […]» (fim de citação) (7).
009 Vitrais de iconografia alemã no bairro residencial da comunidade cabográfica
Uma das razões que me leva a trazer aqui Pedro
Laureano é a série de poemas intitulados Fui ao Mar Buscar Laranjas.
Selecionei uma parte onde Pedro Laureano consegue por meio da sua poesia uma síntese bonita, fantástica, informativa,
fazendo jus à sua especialidade profissional, no mundo da documentação e
comunicação, tecendo uma descrição clara e concisa, para lá de eminentemente
poética.
Antes da leitura da poesia de Pedro Laureano, deixo
aqui uma descrição em prosa, procurando também, nós próprios e, em síntese
refletir o movimento da Baía habitualmente conhecida como a mais bonita do Mundo, onde se
desenvolvem atividades históricas, tais como:
010 Um dos edifícios do bairro alemão da DAT - Deutsche Atlantische Telegraphen
a)Abastecimento aos navios que circulavam entre a
Europa e as Américas, antes da força dos combustíveis petrolíferos;
b)Atividades de transformação, aquisição e
encaminhamento dos produtos baleeiros, trocados por outros ou por divisas. Do
Porto da Horta exportava-se energia para
iluminação dos Estados Unidos, extraída da gordura dos cetáceos;
c)Porto de
amaragem dos hidroaviões – os célebres clippers da altura
heroica da aviação internacional e intercontinental. Na Horta chegaram a ser
editados números de jornais, apenas com artigos escritos pelos passageiros que,
para manutenção ou arranjo das aeronaves permaneciam alguns dias na Horta.
011 Pormenor de edifício da DAT
d)Na Horta
amarravam cabos telegráficos submarinos nacionais e intercontinentais. Aqui
faziam comutação, reforçavam os sinais e a retransmissão para várias partes do
mundo. A Estação Cabográfica, junto à baía funcionou entre (1893 e 1969),
quando as tecnologias modernas já não deixavam qualquer margem para competir.
e)Na Horta viveram
comunidades, especialmente da Alemanha, Inglaterra e América, mas também
franceses, italianos, cabo-verdianos, e outros países e localidades. Na Horta construíram
e deixaram bairros. Desenvolvem arte, economia, a cultura desportiva e
associativa. Na Horta surgem amizades, namoros e casamentos entre técnicos de
várias partes do mundo e população local.
012 Iconografia dos CTT anos 40/50 num largo da Horta. Destaca-se um feixe elétrico de telecomunicações junto ao escudo com as cinco quinas
f)Na Horta criou-se
e desenvolveu-se o Café Internacional e o Peter`s Café
Sport que funcionam como entrepostos de correio, animação
e comunicação. Os aventureiros do mar (incluindo os solitários vinham (e alguns
ainda vêm) atracar ao Porto da Horta, talvez com base na tradição e no bem
receber deste quinhão geográfico, social e estratégico da lusofonia,
historicamente habituado a lidar com todos os povos. Alguns viajantes e
visitantes do mundo perguntam no Peter`s Café (nome de batismo
José Azevedo) se têm cartas ou recados para eles, como se a Casa do Peter José
Azevedo fosse uma central de comunicação à escala global.
013 Desfile etnográfico com um operador junto a uma central de comutação e uma bobina de cabo de telecomunicações
g) Na Horta
labora uma das melhores Estações Radionavais instalada no Monte das Moças,
sobranceiro à Cidade. Funcionou desde 1928 a 2013 (85 anos) servindo a
população local, inclusivé com cuidados de enfermaria às comunidades naval e
locais.
Ainda na envolvência do Monte das Moças foi instalado
o Observatório Príncipe Alberto do
Mónaco que muito contribuiu para a observação das condições meteorológicas e da
astronomia.
014 Desfile etnográfico com uma maqueta de hidroavião
h)De tempos
recentes e atuais são as aventuras do picoense/faialense Genuíno (sic)
Madruga que continua a surpreender-nos e a deliciar-nos com viagens e
investigações à volta do Mundo. Muitos são os que se dirigem ao
restaurante/museu de Genuíno Madruga, na baixa da Horta, à procura de
saberes, de inspiração e aconchego para o corpo e a alma. À Horta chegam
novamente navegadores, onde deixam as suas marcas e lembranças. Muitos
aventureiros e turistas deixam as suas impressões em enquadramentos de pinturas
nos murais que circundam a Baía.
015 Antiga Estação Radionaval da Marinha na Horta. Aguarda, possivelmente, pela musealização in situ.
i)O interesse na
observação dos cetáceos substitui alguma
animação de outrora. Esta atividade lúdica e turística faz uso frequente das
comunicações, desde os vigias em postos de observação que utilizam: os
telescópios, os sinais de bandeiras, os foguetes, o equipamento radioelétrico e
outros terminais mais modernos. O folclore das Festas da Semana do Mar retrata
o povo da Ilha, as atividades dos tempos áureos e as comunidades de outras
nações, fazendo, em especial, destaque à Horta Cabográfica.
016 Farol dos Capelinhos. Encontra-se musealizado e com um novo espaço interpretativo onde se apresenta, sobretudo, o fenómeno do vulcanismo
j)A célebre Trinity
House ou a Casa de reforço, trânsito e
operações telegráficas da Alemanha, Estados Unidos da América e Inglaterra está
a ser transformada em Museu das actividades de transmissão por cabos que
atravessavam picos, planaltos e vales submarinos para levarem as comunicações e
informações até aos confins do mundo.
Receber e comunicar era e é uma tradição que está na
alma e no sopro do espírito faialense.
017 Estão móvel de Rádio "Voz dos Açores"
As atividades e importância do Porto da Horta, não podem
ser melhor, nem mais sinteticamente caraterizadas em nenhum outro estilo
literário do que através da poesia de Pedro Laureano da Silveira.
Dado que as condições de movimentação e turismo se
alteraram para melhor, nos últimos anos, eu próprio tomei a ousadia de adaptar
o título do poema de Pedro Laureano para ir (espero) ao encontro dos desejos do
autor, aliás, expressos no final dos seus versos. A adaptação que eu lhe
introduzi, como peça de citação, está indicada com os devidos parêntesis retos.
Vejamos então um extrato do poema de Pedro Laureano,
em que mui resumidamente dá conta de
toda a azáfama do porto/baía da Horta, refletindo a saudade ao tempo das
escalas dos navios que atravessam o Atlântico; escalas da aviação (os
hidroaviões clippers) comutação / escala da telegrafia morse via submarina,
transmitida e retransmitida de e para várias partes do mundo.
O poema de Pedro da Silveira é um Hino à Horta e à
Baía.
Decidi colher um extrato para enquadramento, o que não
dispensa a leitura do poema por inteiro para quem deseje aprofundar o
conhecimento da Horta / Açores e seus autores.
Título do poema:
«[DA] HORTA QUASE RÉQUIEM [ATÉ À FÉNIX RENASCIDA]
Como isto foi grande, dinâmico,
mercantil, aventureiro!
Homens de todas as raças no porto
da Horta,
todas as línguas, bandeiras
[…],
e navios à carga, vozes, gritos,
o gemer dos guindastes […].
Era a mais alegre, a maior cidade
pequena do Mundo!
Era riqueza de Londres
e de Nova York!
Era o requinte de Paris, o luxo
de Sanpetersburgo!
Todos mercavam, vendiam.
Embarcavam.
Tornavam.
[Desejada Horta]
[…] O passado que esperas
em futuro renasça […].»
Notas:
(1)Luiz
Fagundes Duarte - Memória de Pedro da Silveira, ob cit.
(2)Norton de Matos (Ponte
de Lima, 1867 +1955). Figura destacada da administração pública. Esteve
na India Portuguesa organizando e chefiando serviços de Agrimensura.
Em Macau e na China exerceu missões diplomáticas. No Exército foi chefe de
estado-maior e general. Alto comissário da República em Angola. No seguimento
da I Guerra Mundial foi delegado português à Conferência de Paz. Na maçonaria
chegou a Príncipe Rosa Cruz, o último grau do rito francês. Embaixador de
Portugal em Londres, cargo de que viria a ser afastado pelo Governo da Ditadura
Militar. Não é bem aceite pelo Presidente do Conselho António de Oliveira
Salazar e é forçado a deixar de exercer funções públicas interferindo também
com a vida das associações secretas. Nas eleições de 1949 reivindica liberdades
e fiscalização da eleição, o que não é aceite pelo regime do Estado Novo.
Norton de Matos também discordava da política do Estado Novo em relação às
Colónias. Escreve um livro África
Nossa em que propõe “[…] povoar essas terras, intensa e
rapidamente, com famílias brancas portuguesas e continuar a assimilar os
habitantes de cor que lá encontramos. Assimilação completa, material e
espiritual”. Não foi essa a política seguida e só muito mais tarde a História
vem demonstrar quão erradas foram as opções do Regime.
(3)Arlindo Augusto Pires Vicente (1906 Troviscal – Oliveira do Bairro; +1977
Lisboa). Advogado e pintor modernista, militante opositor do Regime do Estado
Novo, interessado pela cultura e pela cidadania. Participa em listas da
Oposição para os concursos à Assembleia Nacional, de modo especial apoia a o
General Humberto Delgado para a Presidência da República. Foi preso político e
cumpriu pena.
(4)Duarte, Luís
Fagundes, op. cit. 9.12.2013
(5)Seara Nova.
Revista portuguesa. Data desde o ano 1921, tendo como fins “pedagógicos e
políticos” através da ação “doutrinária e crítica”, especialmente ao tempo da
Ditadura Nacional e do Estado Novo, mormente do salazarismo.
(6)Wiki … et al. - Pedro Laureano de Mendonça da Silveira https://pt.wikipedia.org/wiki/Pedro_Laureano_Mendon%C3%A7a_da_Silveira
(7)Esta
indução/reforço dos sinais também se costuma resumir por pupinização,
conceito que vem de Michael Idvorski Pupin (1858-1935). Pupin trabalhou para o
reforço dos sinais telegráficos e telefónicos através de indutores, espécies de
bobinas de incitação.
(8)Machado, Manuel
Urbano Bettencourt; Wiki et al. - Pedro Laureano de Mendonça da Silveira https://pt.wikipedia.org/wiki/Pedro_Laureano_Mendon%C3%A7a_da_Silveira
Outras fontes:
--Anciães,
Alfredo Ramos – Patrimónios de Comunicações de Portugal: Em destaque a Horta
Faial Açores. Turiscon Editora, 2016
(contacto do editor: www.liduinoborba.com geral@liduinoborba.com; facebook https://www.facebook.com/liduino.borba, tel. 295 642 344 )
--ASSOCIAÇÃO dos
Antigos Alunos do Liceu da Horta; Museu da Horta, et al – O Porto da Horta na História do Atlântico: O Tempo
dos Cabos Submarinos. Horta: Gráfica O Telegrapho, s.d.
Em linha:
-ANCIÃES, Alfredo Ramos - “Inspirações dos e nos Açores” http://cumpriraterra.blogspot.pt/2016/06/72inspiracoes-dos-acores.html
---------------
-”Um Mar de Comunicações”; Do Mar que Separa ao Mar que Une http://cumpriraterra.blogspot.pt/2014/10/05-museu-nacional-de-comunicacoes-para.html
---------------- “Patrimónios de Comunicações de Portugal Transmissões Telegráficas Submarinas e a Relação
com o Desporto Cultura e Recreio em Carcavelos e Horta-Faial, Triplov, pp
31-33 https://www.google.pt/?gws_rd=ssl#q=07.TRANSMISS%C3%95ES+TELEGR%C3%81FICAS+SUBMARINAS+E+A+RELA%C3%87%C3%83O+COM+O+DESPORTO+CULTURA+E+RECREIO+EM+CARCAVELOS+E+HORTA-FAIAL
----------------- “Faial das Comunicações e do Santo Espírito” http://cumpriraterra.blogspot.pt/2014/10/16-faial-das-comunicacoes-e-do-santo.html
-DUARTE, Luiz Fagundes – “Memória de Pedro da Silveira” http://www.acorianooriental.pt/artigo/memoria-de-pedro-da-silveira, 9.12.2013
-MACHADO, Manuel Urbano Bettencourt ; Centro
de Investigação em Estudos Regionais e Locais – Universidade da Madeira http://www4.uma.pt/cierl/?page_id=1110
-OLIVEIRA, Álamo
– “Pedro da Silveira (1922-2003) – Um Breve Perfil” Boletim do Núcleo Cultural da Horta, 13:
75-80; também disponível http://triplov.com/boletimnch/boletimnch_2004/alamo_oliveira.htm
-SILVEIRA, Pedro
da - Sobre Autores Açorianos Cujas Obras Devem Merecer Edição, As
Inéditas, ou Serem Reeditadas Condignamente - Boletim do
Núcleo Cultural da Horta, 15: 13-20; também disponívelin http://triplov.com/boletimnch/boletimnch_2004/alamo_oliveira.htm
-WIKI … et al. - Arlindo Vicente in https://pt.wikipedia.org/wiki/Arlindo_Vicente ; Norton de
Matos https://www.google.pt/?gws_rd=ssl#q=Norton+de+matos ; https://pt.wikipedia.org/wiki/Jos%C3%A9_Norton_de_Mato
.........................................................................
--»»RT 72
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