sábado, 28 de março de 2020

A ARTE E OS TERRAÇOS DA PONTE


Com a luta, a indignação e até com alguma desordem, no entremeio do processo de instalação, adaptação e afirmação, o Bairro torna-se famoso. Da desordem de outrora nasce um sentimento novo.

Quem diria que este território, da ex Quinta do Mocho, na nova versão "Terraços da Ponte", é atualmente visitado por gente de várias geografias.

A população é colaboradora e, em comutação, é presenteada pela arte, as visitas, o investimento e os festivais, como o exemplo de “O Bairro i o Mundo”.  


A turma de Bens Culturais da Universidade Sénior de Massamá e Monte Abraão (USMMA) – foi recebida pela técnica autárquica Andreia Patrícia Santiago. Além deste quadro técnico, há moradores que fazem visitas guiadas e, se solicitados, fazem animação e gastronomia originária das várias pessoas e geografias que habitam o Bairro.

O Kali e a Ema (Emanuela) têm um projeto turístico-empresarial designado Kallema. Também os populares Kedy, Giovani e o Deydey exercem a função de guias. 


A toponímia na urbanização resume-se, ou resumia-se, até há pouco tempo, a quatro nomes, embora existam mais arruamentos e largos não denominados.  


Os 4 nomes característicos resumem as preferências do contexto histórico do Bairro:


---»Rua dos Combatentes (sem distinção do lado em que combateram);


---»Rua Agostinho Neto (médico, político, lutador pela independência, escritor e primeiro Presidente de Angola);


---»Rua Pero Escobar (navegador e co-descobridor português das Ilhas de São Tomé, Príncipe e Ano-Bom);


---»Avenida Amílcar Cabral (político, agrónomo, lutador pela independência e democracia de Cabo Verde e Guiné-Bissau; anticolonialista e escritor).  


Os Terraços da Ponte são hoje uma mais-valia para a Junta de Freguesia e a Casa da Cultura de Sacavém e vice-versa.


Os moradores sentem-se apoiados pela autarquia, pelas políticas sociais e pelos artistas, o que tem dado especial contributo para a cidadania e a paz.  


Em Fevereiro de 2020 fomos guiados pelos moradores/colaboradores da Câmara Municipal de Loures: A Elsa e o Kedi. Em nome da turma e da Universidade, o nosso obrigado. 


O Kali e a Ema (Emanuela), como autores do projeto empresarial familiar, recebem os visitantes com estimado esmero.

 

 O presente desdobrável informativo, que aqui plasmamos, muito bem elaborado e francamente útil, foi-me gentilmente oferecido pelo Kali quando realizávamos uma visita.

O Kali abordou-me, educada e simpaticamente, interrompendo momentaneamente o percurso guiado que fazia a alguns turistas. Mantivemos ali, no palco da rua, uma ligeira conversa; elucidou-me com informação e respondeu às questões que lhe coloquei. Aqui renovo o meu obrigado ao Kali.


O Giovani e o Deydey também são ótimos guias. 


Por sua vez, a Tamara Alves, o Moami, o Slap, o Vhils, o Sérgio Odeith, o Adres, o Bordalo II (bisneto de Rafael Bordalo Pinheiro), o Miguel Brum, o Marcelo Gomes e o Pantónio são artistas de nacionalidade portuguesa com destaque nas técnicas da arte ao ar livre.  


Parabéns a todos os colaboradores que têm contribuído para um novo espírito de vivência com sentimento bairrista de cidadania e pertença.
A arte é, sem dúvida, um dos veículos que contribui para o desenvolvimento e a cimentação social na Quinta do Mocho, hoje harmonizada e integrada na nova versão "Terraços da Ponte" .
Palavras-chave: cidadania, galeria ao ar livre, grafite, Loures, Sacavém, Terraços da Ponte.

quarta-feira, 25 de março de 2020

RESCALDOS DE UMA VISITA. PERSPECTIVA SOCIOMUSEOLÓGICA


Retrato de Miguel de Cervantes. Gentileza in httpspt.wikipedia.orgwikiMiguel_de_Cervantes.

Como uma galeria de arte ao ar livre serve para aprendizagem, inspiração, conhecimento, saber e integração.

Pormenor da obra de Slap na Quinta do Mocho. FT AA julho 2019

A ave que dá o nome à Quinta do Mocho. Autoria? FT AA julho 2019

Composição de Miguel Brum na Quinta do Mocho. FT AA, julho 2019

D. Quixote investe contra monstros, ou obstáculos opositores, confundidos com moinhos de vento;

Em princípio uma luta contra moinhos de vento deixaria o idealista tardo-medieval em desvantagem;

Mas Cervantes é também um moderno analista social, um precursor do realismo que critica a sociedade e, para isso, faz-se de louco na personagem do D. Quixote até que chega à imaginária Ilha da Barataria. Nesta Ilha, Cervantes dá a volta ao personagem Sancho Pança, fazendo-o transitar da tradicional condição de mero e rude labrego, para o estatuto de sábio, governador.

Para isso Cervantes muda as condições do habitat: terra relativamente pouco fértil, da região espanhola de La Mancha, em que vivem, longe do mar; transitando para uma Ilha pródiga.

O camponês, visto primeiramente como labrego vai brilhar acompanhando fielmente D. Quixote que carece de pragmatismo e modernidade para se inserir no Mundo do Renascimento.

Assim também os habitantes da Quinta do Mocho não desistem de lutar. Estas populações têm um ideal, batalham por melhores condições de dignidade social e económica. A obra de D. Quixote é moderna, embora, em primeira análise, pareça um quadro romanesco da antiga cavalaria.


O aparente medievalismo da obra D. Quixote de La Mancha surge sob um véu satírico.


Também na Quinta do Mocho, a obra de grafitação que parecia uma improvável escolha vai ao Renascimento buscar inspiração. A razão, em nosso entender, é que D. Quixote e Sancho Pança representam três vertentes: 

 -Sonho, realidade e esperança.


O quadro realizado pelo artista Slap cujo nome vem do inglês e significa palmada é, em nossa opinião, uma escolha excelente, uma palmada com luva que desperta do sonho e convida à ação.

A população ganha esperança num mundo generoso: de trabalho, habitação, alimentação e cultura.

Estamos perante uma arte e museografia social de intervenção: Parecendo, aos mais distraídos uma escolha indiferente; D. Quixote é, ao invés, uma obra significativa – uma galeria de arte, de aprendizagem, inspiração e saber.

A grafitação é arte e veículo por excelência que chama visitantes. Permite o despontar de bom orgulho na população, sentimento de integração, interesse pelo trabalho e pela relação social com o mundo exterior à Quinta.

Parabéns aos artistas da grafitação; à população, aos órgãos autárquicos / senhorios dos prédios, às empresas de materiais e equipamentos: tintas e meios elevatórios que têm apoiado esta galeria de arte ao ar livre.

Alguém disse algures que “paredes brancas significam povo ausente”. Para lá disso há as paredes velhas que sugerem derrocada ou estão mesmo em perigo real.

Como museólogos, reconhecemos que a grafitação é uma arte e disciplina de aprendizagem: do desenho, da pintura, do belo, do informativo, do desvio das drogas e do mau ócio/preguiça; do conhecimento do mundo, como se estivéssemos na aurora dum novo Renascimento, à semelhança do tempo de Camões e Cervantes.

A grafitação estranha-se primeiro e entranha-se depois, arrastando a esfera legislativa para aprovar, regular e integrar, permitindo a Democracia funcionar.

As paisagens urbanas carecem de ser livres de excessos de autoritarismos e da sensação de que as cidades são, predominantemente, malhas de propriedades privadas, onde não nos reconhecemos como usufrutuários, como visitantes ou como turistas.

A grafitação (a ; b) é uma arte ao serviço dos cidadãos. Daí uma crescente integração nos bens culturais e nos roteiros turísticos, apoiados pelas autarquias para o desiderato de um mundo plural, mais igualitário nas oportunidades e mais multicolor.

Aproveitar as crises e mudar é sage e preciso. A museologia social como ciência, inspiração, organização e divulgação dos bens culturais e naturais não pode ficar indiferente às novas formas de arte e organização. 

Palavras-chave: grafite, sociomuseologia, pichação, Quinta do Mocho

(a)Não confundir com “pichação” individualista e irresponsável.

Cf. https://pt.wikipedia.org/wiki/Pichação ; https://www.significados.com.br/pichacao/ ; https://www.youtube.com/watch?v=zfFma2342nY ; https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/pichar ; https://duvidas.dicio.com.br/pichar-ou-pixar/ ; https://www.dicio.com.br/pichacao/ ; https://educalingo.com/pt/dic-pt/pichacao ; https://www.dicionarioinformal.com.br/pichação/ ; https://wp.ufpel.edu.br/empauta/pichacao-desabafo-social-ou-problema-social/ ; https://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/16.187/5881

(b)Grafitação / grafite. Cf. https://dicionario.priberam.org/grafite ; https://www.significados.com.br/grafite/ ;  https://pt.wikipedia.org/wiki/Grafito ; https://www.significadosbr.com.br/grafite ; http://www.grafite-ciencia.cbpf.br/ ; https://brasilescola.uol.com.br/artes/grafite.htm ; https://www.google.pt/search?sxsrf=ALeKk02pMHHTr5Rr6MQIcHaT_0WfJwGo2w:1585174663289&q=grafite&tbm=isch&source=univ&sa=X&ved=2ahUKEwiZ9Njl07boAhWHHhQKHeXaAXIQsAR6BAgJEAE&biw=960&bih=687#imgrc=gilvQ0FJv4oSqM

sábado, 21 de março de 2020

Da arte urbana ao ar livre - à expressão impressa: diferenças e analogias da história do humor na Península Ibérica

       A arte pública urbana pode resultar de um trabalho pago ou em regime de gracioso voluntariado;

Pode ser uma arte encomendada pelos poderes públicos, ou executada de forma clandestina.

Quando autorizada, a arte pública em graffiti apresenta, geralmente, grandes dimensões.
 
Faz parte de projetos de informação, educação e/ou decoração de superfícies urbanas.
Esta tela ao ar livre na Quinta do Mocho - Sacavém, concelho de Loures evoca D. Quixote de la Mancha e Sancho Pança.

D. Quixote é-nos apresentado como um alter-ego de Miguel de Cervantes; enquanto Sancho Pança representa um “camponês, labrego”.

Isto em primeiras leituras, porque:

- no decurso do romance, Sancho Pança é conduzido a uma Ilha chamada Barataria onde se torna sábio e governador.
(Mapa de Espanha. Destaque da região da Mancha a encarnado. Gentileza da imagem in https://pt.wikipedia.org/wiki/Mancha_(Espanha) 

Sancho Pança caracteriza a massa popular de Castela – la Mancha.
A imagem executada por Slap (foto AA 09.07.2019) permite estabelecer uma certa analogia com o estereótipo do “Zé Povinho” português, realizado pelo ceramista / artista plástico, desenhador e jornalista - Rafael Bordalo Pinheiro que edita, em 1875, e pela primeira vez, a figura no jornal “A Lanterna Mágica”.

Daí em diante a representação do povo português, em relação a outros estratos sociais é uma realidade, presente na arte e na imprensa humorística. 

Imagens de Rafael Bordalo Pinheiro (gentileza in pt.wikipedia.org; wikimedia.org) expressam diferentes situações de humor, só possíveis com a mudança dos tempos, após a Revolução Liberal.
Palavras-chave: arte urbana ao ar livre, graffiti, história, humor, Imprensa, Península Ibérica,  Quinta do Mocho, Zé Povinho

quinta-feira, 19 de março de 2020

HÁ 101 ANOS ERA A PNEUMÓNICA. QUE LIÇÃO PARA A ACTUALIDADE E O COVID19?


Faz agora uma capicua de 101 anos em que a pneumónica surgiu como limitador da saúde pública e do desenvolvimento social.

Comparando com a situação actual, não é para ficarmos em pânico mas para termos respeito e cuidados; também uma assinalada esperança, pois as condições da ciência; a evolução técnica, económica, política e social são diferentes, entre o que se passou há um século e o presente.

Peça de contexto: Telégrafo da época. Impressão alfanumérica em fita de papel nas linhas de maior tráfego; contudo os telégrafos morse ainda eram a realidade maior da comunicação à distância, em todo o território nacional. Peça da Fundação Portuguesa das Comunicações / Museu.

Não cura e é sandice olvidar diretivas e informação, inclusivamente a lição histórica. A falta de conhecimentos das pestes, ou a sua desvalorização prejudica a prevenção. Repare-se nos resumos que a seguir deixamos, sobre a pneumónica de há 101 anos. Estes documentos foram apenas publicados em 2001 e 2015 e a promoção da sua divulgação foi notadamente escassa.

Peça de contexto: Telefone da época com manivela de gerador eléctrico para chamar o destinatário ou a estação intermédia. Este meio de telecomunicação funcionava apenas entre uma certa burguesia. Peça gentileza da Fundação Portuguesa das Comunicações / Museu.

Contudo, deixamos aqui o nosso muito obrigado aos Srs. Álvaro Sequeira, Luís Trindade e ao professor de História Contemporânea Fernando Rosas.


“Os maiores protagonistas deste drama acabaram silenciosamente. Talvez por isso a historiografia decida homenageá-los de forma igualmente silenciosa, ignorando a maior mortalidade portuguesa ao longo do século XX”.».


Esta frase de Luís Trindade, citada por Álvaro Sequeira (os sublinhados são nossos) é reveladora de quanto silêncio e desvalorização do conhecimento das epidemias, tendo deixado a noção de que as grandes pestes eram coisas do passado e sem preocupação de maior. Logo, nasceu daqui, uma certa arrogância e despreocupação quanto a possíveis e novas infestações.


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«A pneumónica, ou gripe espanhola, matou dezenas de milhares de pessoas nos anos de 1918 e 1919. Foi a maior pandemia mundial conhecida até hoje causando mais mortes que a Peste Negra ao longo de vários séculos ou a I Guerra Mundial.


Os estudos mais recentes apontam para a morte de cinquenta a cem milhões de pessoas em todo o mundo, como resultado da pandemia de gripe que durante dois anos lavrou pelos diversos continentes.

Em Portugal a Pneumónica ou Gripe Espanhola, chegou a meados de 1918 e, em cerca de dois anos, dizimou dezenas de milhares de pessoas. Algumas zonas do país perderam 10 por cento da sua população.

O combate à doença, liderado por Ricardo Jorge, então diretor geral da saúde, passou pelo encerramento de escolas, a proibição de feiras e romarias. Para assistir os doentes foram requisitados dezenas de espaços públicos que passaram a funcionar com enfermarias, mas o número de vítimas era tão grande que ao longo de várias semanas se viveu uma situação de caos.»

·  Título deste documento: História - Gripe pneumónica, a pandemia de 1918-1919

·  Tipo: Documentário

·  Autoria: Fernando Rosas

·  Produção: RTP/ Garden Filmes

·  Ano da edição: 2015


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«No resto do mundo a pandemia causa perturbações semelhantes. Os relatos parecem cópias uns dos outros. Sabe-se pouco do que se passou na China e na Índia, onde parece que morreram mais de 20.000.000 de pessoas. Nos Estados Unidos são referidos 500.000 mortos. O Comando do Corpo Expedicionário Americano em França tinha pedido reforços e o governo americano convoca milhares de jovens de todo o país que, para serem inspecionados, se mobilizam de uns lugares para outros, em plena segunda onda, contribuindo assim para a disseminação da epidemia e para uma maior mortalidade, que como é sabido afetava particularmente os jovens.

No Brasil o jornal a Razão do Rio de Janeiro (que ataca ferozmente o governo) contabiliza 11.373 óbitos entre os dias 15 e 31 de Outubro, o Presidente da República eleito, Rodrigues Alves morre, é anulado o Campeonato de Futebol Sul-Americano e o Congresso Médico Internacional foi interrompido.

Este país, que tinha entrado na guerra ao lado dos aliados, mobilizou uma esquadra para combater os submarinos alemães. Esta atravessa o Atlântico e aporta em Dakar nos fins de Julho, onde as tripulações são dizimadas pela gripe. São treinadas novas tripulações e a esquadra só chega à sua base em Gibraltar no dia do armistício (11 Novembro de 1918).

Calcula-se que mais de 40.000.000 de pessoas morreram com a epidemia de 1918. Portugal, com uma pequena população de 5.500.000, que desde os fins do século XIX até 1910 tinha visto a sua população aumentar a um ritmo razoável, a partir desse ano viu o seu crescimento diminuir, devido não só ao número elevado de emigrantes, mas também às múltiplas epidemias de tifo, febre tifóide e de varíola, culminando com a mortalidade de 1918.

Seguindo a Estatística do Movimento Fisiológico da População Portuguesa de 1918, verifica-se que foram classificados 55.780 casos de óbitos com o diagnóstico de gripe, sendo de 54.394 o número de casos dos últimos seis meses, longe portanto dos cerca de 100.000 óbitos habitualmente referidos.

Contudo se analisarmos os números das doenças ignoradas ou mal definidas verificamos que estes sobem dos 4.500 casos de média mensal para 18.801 em Outubro e 13.713 em Novembro, num total de 42.505 nos últimos seis meses, o que dá um total de 97.627. Se somarmos a estes números 3.039 casos da terceira onda em 1919 e um número proporcional de doenças mal definidas, facilmente se ultrapassa os 100.000 mortos.

Note-se que na altura, muitas vezes a certidão de óbito era passado pela autoridade administrativa por falta de médicos limitando-se esta a certificar que a morte era de “causa natural”. Olhando ainda o Movimento Fisiológico de 1918 verifica-se que 55% dos óbitos tanto com o diagnóstico de gripe ou de doença desconhecida correspondem a indivíduos com idade entre os quinze e os trinta e nove anos.

Algumas personalidades com relevo na sociedade portuguesa, como os pintores Amadeu de Sousa Cardoso e Guilherme Santa Rita, o maestro David de Sousa, o músico António Fragoso e o vidente de Fátima, Francisco, foram vítimas da epidemia. Por todo o mundo jovens esperanças em todos os ramos do saber foram ceifados. Apolinaire, o poeta francês, gravemente ferido em combate acabou por morrer vitimado pela gripe.

Em Portugal a pneumónica levou a uma crise demográfica grave: um saldo fisiológico negativo em 1918 (menos 70.291) e um saldo fisiológico mínimo de 13.000 em 1919. Só a partir de 1920 o país reencontra o ritmo de crescimento adequado. No aspecto político o país continuava a viver intensamente. O Presidente da República, Sidónio Pais, odiado por alguns e idolatrado por outros, visitava os hospitais e os orfanatos deixando esmolas.

Entretanto o país vivia o desfecho da guerra, a crise económica e as movimentações operárias. A situação difícil no Parlamento (cenas de pugilato no hemiciclo) culminam com o assassinato do Presidente a 14 de Dezembro. Pela leitura da imprensa fica a ideia de que a nação se preocupava mais com os acontecimentos descritos do que com um mero vírus que em poucos meses tinha ceifado “só” cerca de cem mil portugueses...

A primeira conclusão é a de que a gripe 1918 (para os portugueses a “pneumónica”) foi, em termos de mortalidade, a maior tragédia do século XX e possivelmente de toda a nossa história, e uma das pandemias mais mortíferas na história da humanidade. A virulência extrema do agente, a sua disseminação facilitada pela mobilização de grandes massas de população devido à guerra e a maior mortalidade entre os jovens adultos, são evidentes na evolução do processo.

O défice demográfico, as famílias desfeitas, as perturbações sociais, e até os conflitos políticos, foram fortemente influenciados pela “pneumónica”. A tecnologia moderna, que permitiu o estudo de algumas proteínas do vírus e as suas origens filogenéticas, trouxe à ribalta a “spanish lady” e veio somar aos novos medos causados pelos novos vírus, pelas doenças dos priões e outras emergentes, o fantasma duma possível epidemia com as características de 1918 contra a qual, apesar do progresso alucinante da medicina no século XX, os serviços de saúde encontrariam ainda grandes dificuldades de resposta.

A vacinação é impossível de fazer em massa, e as epidemias [… bem como] o triunfalismo da medicina, mostraram bem como a humanidade ainda está mal preparada contra a gripe.»

Encerramos com as palavras de Luís Trindade (artigo citado):
«Os maiores protagonistas deste drama acabaram silenciosamente. Talvez por isso a historiografia decida homenageá-los de forma igualmente silenciosa, ignorando a maior mortalidade portuguesa ao longo do século XX”

A divulgação da informação é, pois, fundamental para a mitigação dos danos provocados por um inimigo invisível. Porque é preciso combater com cuidados, saberes e reconhecimento dos promotores das ações profiláticas e de quantos, de alguma forma, convergem para a saúde pública.

(Cf. SEQUEIRA, Álvaro - Chefe de Serviço dos HCL, aposentado) - História da Medicina. A Pneumónica. Lisboa, 2001 (Medicina Interna Vol. 8, N. 1). Também disponível IN https://www.spmi.pt/revista/vol08/ch7_v8n1jan2001.pdf )

Outra Bibliografia consultada, nomeadamente pelo autor Álvaro Sequeira:

Amaral Marques R. A bordagem Clínica da Gripe, Pathos, N º 9 Out. 1996. Andrade M. Helena Rebelo de, História das Grandes Pandemias de Gripe, Pathos 9 Out. 1996. Ann H. Reid and Jeffery K. Taubenberger. Origin and evoluition of the 1918 “Spanish influenza” virus hemagglutinin gene. Proc Natl Sci USA. Feb.16, 1999. Ann H. Reid and Jeffery K. Taubenberger. Characterization of the “Spanish influenza” virus neuraminidase gene. Proc Natl Sci USA. Feb 6, 2000. Arquivos  do Instituto Central de Higiene. Estatística do Movimento Fisiológico da População de Portugal. Ano de 1917. Arquivos  do Instituto Central de Higiene. Estatística do Movimento Fisiológico da População de Portugal. Ano de 1918. Arquivos  do Instituto Central de Higiene. Estatística do Movimento Fisiológico da População de Portugal. Ano de 1919. Cecil, Texbook of Medicine Crosby A. America’s Forgotten Pandemic. Cambridge Univ. Press, Damião Peres. História de Portugal, edição de Barcelos. (Suplemento). Instituto Nacional de Estatística. Anuário Demográfico. Ano de 1939. Kolata G. Flu: the story of the great influenza pandemic of 1918 and search of for the virus that caused it. Touchtone, Rockfeller Center. New York. 1999. Luís Trindade. A Morte Anunciada, revista “História”, Nov. 1998. Mário Marques. Patologia da Ilíada. Oxford JS. Influenza A pandemics of the 20th with especial reference to 1918: virology, pathology and epidemiology. Rev. Med. Virol. 2000 Mar-Apr. Pirenne J. Les Grands Courants de L’Histoire Universalle. vol. VI (1904-1939). Rodrigues AS (coordenador). História de Portugal em Datas, Círculo de Leitores. Veloso AJB, Medicina a Arte e o Oficio. Edit. Gradiva 2000. »

Palavras-chave: Covid19, História da Medicina, Pneumónica, Saúde pública.
Introdução, adaptação e resumos de Alfredo Ramos Anciães, Março de 2020

terça-feira, 17 de março de 2020

SOBRE A VIDA DE MIGUEL DE CERVANTES.- NÓS E A QUINTA DO MOCHO

       Tal como a obra de Cervantes passa entre muitos leitores, de modo acrítico, lida apenas como obra medieval, de um lunático visionário;
(pormenores da imagem de Slop na Quinta do Mocho; Fts AA 2019) 

sem se aperceberem do valor real subjacente; também muitos visitantes passam pela Quinta do Mocho sem a noção do significado da rotura e transformação social que a obra encerra.    

Em nossa opinião, são aqui (na obra de Slap da Quinta do Mocho) invocados subliminarmente;

ideais de renascimento, de assunção de novas responsabilidades, de integração, de educação, de resiliência e de constância na luta. 

(cópia  rosto  livro, gentileza in - httpsarchive.orgdetailselingeniosohidal00cerguatpagen4mode2up; & pormenor imagem Slap, Ft AA, 2019).

Por estas razões é a obra de arte que nós selecionámos, entre várias outras, também de referência.

        É a vida significante de Cervantes que vamos analisar, sob o ponto de vista social e museal.
       Miguel de Cervantes, filho de um barbeiro, que à época também exercia as funções de cirurgião e dentista.

Nasce no ano de 1547 em Alcalá de Henares, Espanha. Morre em Madrid em abril de 1616, onde é enterrado em lugar comum.

1569. Encontra-se em Roma, onde trabalha como ajudante de câmara do monsenhor Giulio Acquaviva (1546-1574), mais tarde cardeal.

1571. Participa na Batalha de Lepanto (na Grécia), onde os Turcos / Otomanos / Muçulmanos lutam contra forças da Europa.

A vitória naval de Lepanto é classificada por Cervantes como “o maior acontecimento de todos os tempos”.

Nesta Batalha participam do lado europeu forças da Santa Liga, comandadas por D. João d’Áustria, irmão de Filipe II de Espanha (1527-1598); e a esquadra muçulmana comandada pelo Almirante otomano Ali Paxá (1515?-1571).

Durante a batalha Cervantes fica sem ação na mão esquerda.

No tempo que permanece na Península Itálica Cervantes, como um bom aluno, reúne importantes saberes de literatura e ideais do Renascimento. Estes conhecimentos eram praticamente inexistentes na Espanha de então, fidelíssima que era ao catolicismo contrarreformista,

1575. Regressa a Espanha mas o navio em que viajava é acometido por uma embarcação turca. Nesta sequência é preso em Argel. Suspeitam que Cervantes é possuidor de riquezas e ligado à Corte, por isso reivindicam um bom resgate.

Acaba por ser vendido a Dali Mamí, um corsário de origem grega, ligado aos turcos.

Na prisão é torturado. Um tal Fray Juan Gil consegue coletar uma verba para a sua libertação.

1580. Data da presença de Filipe II de Espanha. Após onze anos fora da sua Terra e sem ação na mão esquerda, Cervantes consegue voltar à Ibéria.

1584. Vem a Portugal, onde está a Corte Filipina. Aqui espera obter um trabalho, mesmo que fosse em Além-mar. Neste ano consegue uma ocupação na recolha e gestão de géneros para a “Armada Invencible” de Felipe II. A função que lhe é dada, é controlar e recolher bens para as forças navais; mas em -

1592. É acusado de desviar trigo e preso. Exigem-lhe uma fiança para ser libertado. Contudo, em -

1602. Volta para a prisão, por outras acusações; crê-se que motivadas por invejas, questões de egoísmos e mentalidades alheias.

1604. “O maneta de Lepanto” dá à estampa “O engenhoso fidalgo Don Quixote de la Mancha” (primeira parte).

1606. A corte muda-se de Valhadolid para Madrid. Para lá vai também Cervantes e a família.

1616. Ingressa na Ordem dos Escravos do Santíssimo Sacramento. Falece de seguida e é amortalhado com o hábito desta Ordem.

É sepultado no convento das Trinitárias Descalças como pessoa humilde. Mas a sua Obra é reconhecida e começa a tornar-se num “Génio da literatura mundial”.

“Nós não rimos mais dele. Sua defesa é a pena […]. Representa tudo que é gentil, altruísta e galante” (Comenta o grande escritor russo Vladimir Nabokov).

&

Cervantes é do tipo de personalidade que aprende a ter paciência nas diversas adversidades. “Um mesquinho e invejoso inimigo diz que o escritor não deve empreender obra alguma, porque está ‘velho`”.

Cervantes não se deixa abater: Como resposta à maldade:

“afirma que o facto de estar velho, ao invés de prejudicá-lo, conta a seu favor;‘porque não se age e pensa com os cabelos brancos e sim com o entendimento`”.

Dá, assim ao invejoso, “a melhor das respostas, concluindo o seu Dom Quixote; obra nacional e popular”. O romance mais universal que já apareceu na história da literatura. 

Palavras-Chave: cidadania, D. Quixote de La Mancha, grafite, Miguel de Cervantes, Quinta do Mocho, Nova Museologia; Slap  

Fontes:  

--ANCIÃES, Alfredo Ramos - “Galerias e museus ao ar livre: Caso de estudo – Quinta do Mocho - http://cumpriraterra.blogspot.com/2020/03/galerias-e-museus-ao-ar-livre-caso-de.html

--BARSASABER – et al. “Cervantes, O Quixote das Letras” - http://brasil.planetasaber.com/theworld/biographies/seccions/cards2/default.asp?pk=2098&art=46

--CERVANTES SAAVEDRA, Miguel - El ingenioso hidalgo Don Quixote de la Mancha. Madrid: Iuan de la Cuesta,1605.- Também disponível in https://archive.org/details/elingeniosohidal00cerguat/page/121/mode/2up

--INSTITUTO Cervantes de Lisboa et al. - “Bem-vindo ao Instituto Cervantes de Lisboa” https://lisboa.cervantes.es/pt/default.shtm

--SUSPIRO, Ana – “ A misteriosa passagem de Cervantes pela Lisboa do rei Filipe II” https://observador.pt/2015/01/27/misteriosa-passagem-de-cervantes-pela-lisboa-rei-filipe-ii/

--WIKIPÉDIA et al – “Batalha de Lepanto” - https://pt.wikipedia.org/wiki/Batalha_de_Lepanto

-- WIKIPÉDIA et al - “Dom Quixote” - https://pt.wikipedia.org/wiki/Dom_Quixote