terça-feira, 30 de dezembro de 2014

28. CARTA DE VIAGEM



À TERRA DOS SULTÕES
 

“Comendo alegremente, perguntavam,

Pela Arábica língua, donde vinham,

Quem eram, de que terra, que buscavam,

Ou que partes do mar corrido tinham?

Os fortes Lusitanos lhes tornavam

As discretas respostas que convinham:

«Os Portugueses somos do Ocidente,

Imos buscando as terras do Oriente” (1)

 
O Estado da Turquia tem cerca de nove vezes a superfície de Portugal e a sua população ultrapassa os 75 milhões de vidas humanas. Herdeiro dos restos do Império Otomano, o território apresenta-se, grosso-modo, numa grande península entre os Mares do Norte, Mediterrâneo e Egeu, pertencendo a maior parte ao continente asiático e uma pequena parte ao europeu. Não obstante esta situação geográfica e a distância que separa a Turquia de Portugal, a sua população é fisionómica e culturalmente parecida com a nossa.  

Devo dizer que nesta minha viagem, entre Istambul e a costa do Egeu, nomeadamente na cidade arqueológica grego-romana de Éfeso (2), Bodrum (3) e em algumas zonas rurais adjacentes, a população com quem entro em contacto diz-me que o povo turco é parecido com o português.

Depois de uma pequena conversa com as pessoas confesso que fico  com pena de não falar abertamente sobre as antigas relações dos portugueses com o povo turco mas o bom senso diz-me que devo ter alguma contenção na linguagem. Com efeito, desde a I viagem de Vasco da Gama à Índia e durante muitos anos tivemos que combater o poderio turco no Oriente. O estereótipo que muitas vezes fazemos deste povo como sendo de pele escura, com bigode e no que consta à indumentária muito diferente da nossa, não corresponde à realidade. Não vejo muita diferença.

Em Istambul questionei um Guia e um Gerente de Hotel sobre o modo de vestir ligado ao Islamismo e eles me confirmaram que são poucos os homens que se apresentam com os trajes típicos associados aos muçulmanos. Os que se encontram com traje a rigor, regra geral não são Turcos, embora possa haver um ou outro caso de cidadãos nacionais. Assim, foram caindo alguns clichês que eu trazia e inclusivamente quanto à segurança. Neste aspeto a ideia inicial era de alguma perigosidade por ser estrangeiro e por ser cristão mas, de facto, além de ser confundido com os turcos, encontrei simpatia e tolerância.

Ainda a respeito da religião pergunto ao Guia local se está obrigado a orar a horas certas quando é feita a chamada pelos minaretes das mesquitas. Ele responde-me que tem uma obrigação apenas moral; que ora por convicção e se não puder fazê-lo, às horas certas, compensa posteriormente. Entre os sítios e monumentos mais emblemáticos que visito destaco um passeio pelo Bósforo, entre o Mares de Mármara e o Negro, onde vejo uma miríade de embarcações e pescadores nas margens dos  canais do Bósforo e do Corno de Ouro. Nestas mesmas margens os palácios, mesquitas e minaretes sucedem-se e ainda se veem casas típicas otomanas em madeira.

A Hagia Sofia corresponde à antiga Igreja/Basílica de Santa Sofia. Os Lusíadas e a biblioteca que consulto dizem-me que a 29 de Maio de 1453 – dia da queda de Constantinopla, o conquistador Maomé II estipula que este património cristão passa à função de Mesquita. Dizem-me também que Maomé II foi tolerante para com os vencidos que ficaram nesta velha Roma do Oriente e que foi nomeado um Patriarca para os Cristãos.

Hoje em dia Haghia Sophia está dotada para cumprir a função museológica, pela monumentalidade da construção e pelas sepulturas dos Sultões e familiares. Junto a estes túmulos dos Sultões da época de Camões lembro a História bélica entre portugueses e turcos. Alguns destes turcos aqui sepultados apoiaram as guerras e escaramuças ao tempo da expansão de Portugal. Visto hoje, à distância, lembro que ambos os povos fizeram História relacionada com a expansão e os negócios das especiarias. Aqui recordo também que turcos e, especialmente, portugueses foram precursores no processo de globalização, na difusão de culturas e de patrimónios.

Volto ainda a Haghia Sophia, sob vários aspetos, monumento digno de ser visitado. Com quase 1.500 anos de existência ajuda a compreender o mundo e as pessoas. Data do tempo do Imperador cristão Justiniano, isto é, do ano 537. Os seus alicerces são ainda mais antigos, alguns datados do tempo do Imperador Constantino (272-337) o primeiro dos Imperadores a converter-se ao Cristianismo. Aqui  mandou construir uma Igreja entretanto destruída mas onde posso ainda ver os alicerces arqueológicos. Deste modo temos neste local um conjunto edificado dos mais antigos do cristianismo acrescentado com elementos do islamismo.   

Quase em frente e não menos monumental encontra-se a Mesquita Azul. Esta data de 1616. A grande Praça de Sultanahmet onde se situam a Haghia Sophia e a Mesquita Azul coincide, se não no todo, pelo menos em parte com o antigo Hipódromo Romano, construído no ano 200. Neste espaço posso ainda ver, entre outros monumentos, o obelisco egípcio que data de 1500 a. C. construído previamente na cidade de Luxor e transferido pelo Imperador Constantino para Constantinopla. De 479 a. C. é a coluna serpentina, que foi transferida de Delfos (antiga cidade grega).

Quanto à Turquia independente e moderna, esta data de 1923, na sequência da I Guerra Mundial, bem como da criação da Sociedade das Nações e da queda do Império Turco Otomano. O principal arauto e realizador desta Turquia moderna foi o Presidente Atatürk que inteligentemente juntou os restos do Império Otomano, construindo um grande país, cioso da preservação das suas origens, memórias e patrimónios, simultaneamente virado para os negócios e o turismo.

Após as suas reformas, a República Islâmica da Turquia baseia-se em princípios democráticos, constitucionais e seculares. Com esta secularização parece que nem todos os Turcos entram diariamente nas Mesquitas, nem são obrigados a orar 5 vezes por dia, todavia consta que o Estado Turco tem um organismo de “assuntos religiosos que visa orientar a moral das famílias” e salvaguardar os princípios do Islão” (4).

Em termos de respeito e defesa pela natureza ambiental e animal posso constatar que vi pouquíssima zona ardida, em comparação com os países mediterrânicos. Isso parece indicar que não há pirómanos na Turquia e também que as matas são mais limpas do que entre nós, em Portugal. Quanto à natureza animal, em Istambul, por exemplo, cidade com cerca de 13 milhões de habitantes vi imensos felinos pelas ruas mas, de maneira geral, bem tratados. À porta das casas, das lojas e bazares, os proprietários alimentam os seus gatos e os que andam pelas ruas.

Os felinos passeiam-se e dormitam tranquilamente sobre as mercadorias à venda, por exemplo nos tapetes e almofadas turcas. Ninguém lhes faz mal. Até sobre as campas dos cemitérios os vejo andar e aqui, nestes lugares de memória e devoção, também os alimentam. Aliás, os cemitérios são locais onde as pessoas passeiam e há miradouros, teleféricos, lojas e até restauração dentro destes espaços, o que demonstra apego aos antepassados, sem medo, repulsa, preconceito.

Em termos religiosos constato a existência de algumas Igrejas de culto cristão. Vejo signos de cruzes em Haghia Sophia (Istambul), em Éfeso (5),  Meryiemana (6) e em Selçuk (7) demonstrando respeito e tolerância pelos mesmos sinais.

Notas:

(1) Os Lusíadas / Luís de Camões, canto I, estrofe 50.

(2) Éfeso – Cidade do mundo antigo onde São Paulo proclamou as suas epistolas aos Efésios. A cerca de 6 km da antiga Éfeso, hoje território Turco situa-se Meryiemana. Trata-se do local onde alegadamente se encontra a ex-Casa da Virgem Maria. Consta que aqui veio a falecer (ou entrou em “dormição”). Na realidade após a morte de Cristo não teria condições de permanecer em Jerusalém e, segundo as palavras de Cristo, quando estava desfalecendo na cruz pediu a João Evangelista que tomasse conta da Mãe. Nesta deslocação da sua morada para a envolvência de Éfeso terá João escrito o seu Evangelho, ao lado da casa de Maria. Em memória foi aqui (actual localidade de Selçuk) construída uma grande Igreja no tempo do Imperador Justiniano (527-565). A mesma ainda perdura, embora muito incompleta mas com relevante valor arqueológico.

(3) Bodrum – hoje uma cidade essencialmente virada para o turismo, sobretudo no Verão, pelas suas águas tépidas, calmas e cristalinas entre os mares Egeu e Mediterrâneo. Corresponde à antiga cidade grega Halicarnasso de onde era natural Heródoto – conhecido como o pai da História e onde se encontrava localizada uma das sete maravilhas do mundo antigo, isto é, o grande Mausoléu do rei Mausolo, daí a origem do termo.

(4) Turquia Guia American Express, p. 17

(5) Éfeso, local onde S. Paulo escreveu e/ou leu a célebre carta aos Efésios.

(6) Meryiemana, local de veneração cristã e muçulmana, onde consta ter vivido a Mãe de Jesus Cristo, após a crucificação.

(7) Selçuk, local onde consta ter vivido S. João Evangelista.

Referências bibliográficas:

-CAMÕES, Luis de - Os Lusíadas. [Lisboa]: Ed. Expresso com o apoio Grupo Totta, vol. I, dir., coord., concep., exec. José António Saraiva, Mónica B. Penaguião et al. , 2003

-NACI, Keskin; KAZIM, Inanc -  Éfeso. Ankara: Leskin Color A. S., 2008.

-NICK, Inman; VASCONCELOS, Eduardo et al - Istambul Guia American Express. Londres: Dorling Kindersley Limited, 1998 ©. Porto:  Civilização Editores, Ldª, 1998

-NICK, Inman; SILVA, Joana Ferreira et al. - Turquia Guia American Express. Londres: Dorling Kindersley Limited, 2003 ©. Porto: Civilização Editores, Ldª Porto, 2003

Referências em linha acedidas em 30.12.2014:

-Haghia Sophia in


-Queda de Constantinopla in

domingo, 28 de dezembro de 2014

27. NATAL COMUNICADO

Natal é quando o emissor

E o mensageiro

Transmitem o sinal: 

Estrela, fogo, facho, luz, farol,

Tabuinha, pergaminho, papiro;

Acolhido/retransmitido oral,

Gestual, manual;

Telégrafo luso visual,

Francisco Ciera,
 
Maximiliano Herrmann,

Cristiano Bramão,

Sargento Martins,

Heliógrafo.

Quiçá,

O sinal veio/virá

Por Chappe, Bréguet, Baudot, Morse,

Damaskinos, Creed, Siemens,

Telex Évora 1000,

Postal, Carteiro;
 
Telegrama, Boletineiro,

Telefone manivela,

Mensageiro.

Bateria local,

Energia de central,

Vigia, recetor, emissor.

 iPad, iPhone, Smartphone,

Tablet de última geração.

Não importa a tecnologia,

Se a PAZ desejamos

Amanhã, hoje é o DIA.
 
Fontes:

-ANCIÃES, Alfredo Ramos ; FPC Fundação Portuguesa das Comunicações: Património Museológico – Expo Sesquicentenário da Telegrafia Eléctrica em Portugal. Lisboa: FPC, 2005

-Id. 150 Anos de Peças e Autores de Telegrafia Eléctrica na Expo Sesquicentenário da Telegrafia Eléctrica em Portugal, 2005

-Id. Dossier de Telegrafia Ótica/Visual in FPC Fundação Portuguesa das Comunicações: Património Museologico, 1997-2006

–Id Da História das Telecomunicações na I República in Comunicar na República: 100 Anos de Inovação e Tecnologia. Lisboa: FPC - Fundação Portuguesa das Comunicações, 2010

 Documentos em linha acedidos em 28.12.2014:

 
-Cor. AFONSO, Aniceto; Mgen. ALVES, C.; Cor. CANAVILHAS, J. Manuel; Cor. DIAS, Jorge; Cor. ALVES, J. Martins; Mgen. CASTRO, Pinto de; Cor. FERNANDES, M. da Cruz; 1Sarg. SILVA - Heliógrafo Português in https://historiadastransmissoes.wordpress.com/2013/04/16/heliografo-portugues-m938/ luso

sábado, 20 de dezembro de 2014

26. SINAL MENSAGEIRO E COMUNICAÇÃO NO ANO ZERO/UM E NA ATUALIDADE

 

QUE NESTES NATAIS A LUZ DAS FOGUEIRAS E A LUZ DA LUZ AQUEÇAM E ILUMINEM ATÉ O INTERIOR
 
“Por aqueles dias, saiu um édito da parte de César Augusto para ser recenseada toda a terra (1). Este recenseamento foi o primeiro que se fez, sendo Quirino governador da Síria.

Todos iam recensear-se, cada qual à sua própria cidade. Também José, deixando a cidade de Nazaré, na Galileia, subiu até à Judeia, à cidade de David, chamada Belém, por ser da casa e linhagem de David, a fim de se recensear com Maria [...] que se encontrava grávida.

E, quando eles ali se encontravam, completaram-se os dias de ela dar à luz e teve o seu filho primogénito, que envolveu em panos e recostou numa manjedoura, por não haver lugar para eles na hospedaria.

Na mesma região encontravam-se uns pastores que pernoitavam nos campos, guardando os seus rebanhos durante a noite. Um anjo [… mensageiro] apareceu-lhes […] e disse-lhes: «Não temais, pois anuncio-vos uma grande alegria, que o será para todo o povo: Hoje, na cidade de David, nasceu-vos um Salvador, que é o Messias Senhor. Isto vos servirá de sinal: encontrareis um menino envolto em panos e deitado numa manjedoura […]. Paz na terra aos homens do seu agrado»”. (cf. Lucas 2,1-14).

A terminologia de «sinal» evocada no texto de Lucas (2,12)   e em contexto de Natal, prossegue o periodo do Advento revelando a “chegada” do “Messias”.

Em nosso entender os sinais são a essência das comunicações e neste ponto de vista cremos que Cristo continua a ser O Sinal mais divulgado, quer na quantidade de devoções/ritos diários e festivos, quer nas diversas expressões patrimoniais, artísticas e comunicacionais (2).

UM ABRAÇO. BOM NATAL 2014, ANO PRÓSPERO 2015.   

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(1)        Leia-se todo o mundo romano.

 
(2)        Entendemos como expressões patrimoniais e artísticas as referências de arquitetura, pintura, desenho, escultura, escrita, teatro, cinema, rádio e televisão. A Arte tem a função comunicadora por excelência, porventura antes, durante e depois da execução e da fruição estética.

Referências bibliográficas:

 
-Bíblia Sagrada. Lisboa: Difusora Bíblica (Missionários Capuchinhos) 11ª Ed., 1984
-Bíbliaonline Lucas 2, 1-14 in https://www.bibliaonline.com.br/acf/lc/2, acedido em 21.12.2014

P.S. Cf. também “Nova Esperança” in http://comunidade.sol.pt/blogs/alfredoramosanciaes/archive/2009/12/25/J_C100_-NASCEU-_BB00_-BOM-ANO-A-TODOS-.aspx

 

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

25. PROTO-MUSEU POSTAL E BIBLIOTECA

 “Pode haver memória e inteligência sem amor, mas não pode haver amor sem memória e inteligência” (1)



Edifício da FPC - Fundação Portuguesa das Comunicações que substitui o antigo Museu Postal, entre outros Patrimónios

Para organizar e preservar a primeira recolha do Museu Postal e Biblioteca foram reservados em 1878 dois pequenos móveis, o que denota um interesse (fora de tempo ou “après la lettre”) do gosto, tipo gabinete de curiosidades. O Museu Postal começa, por assim dizer, com um pequeno móvel contendo apenas trinta espécimenes de eleição, porventura os que apresentavam uma estética mais apelativa, não excluindo contudo a memória da função técnica. Outra particularidade: Este Museu surge-nos desde logo associado a um outro órgão de memórias e descrições, i. é, a Biblioteca Postal, instalada num móvel idêntico ao do Museu Postal.

Reconstituição de imagem de telegrafia visual com auxílio do telescópio. O operador telegráfico da Marinha Portuguesa situava-se no posto do topo da Torre de Belém. Daqui ele recebia e/ou retransmitia informações de e para outros postos. IMG in Arquivo da Fundação Portuguesa das Comunicações

Subsistem ainda estes dois móveis, etiquetados de  origem e preservados, constituindo assim o "core memory" ou o primeiro cartão de identidade da função de transportes e comunicações postais, telegráficas e de faróis. Integram, hoje, o Museu das Comunicações, também o Arquivo Histórico e a Biblioteca postais e de telecomunicações. Este património sobreviveu ao museu estático da época, à vitrificação de raridades, de coisas belas, de valor contemplativo e artístico, ao que tudo parece indicar, para ser usufruído  por uma minoria de individualidades - técnicos superiores, gestão de topo e visitantes diferenciados.

Caracterizou-se o primeiro período do Museu pelos ideais de romantismo, contudo acompanhado por um certo surto de desenvolvimento das comunicações e da ciência, de que são exemplos os seguintes acontecimentos:
-Em 1870 é lançado o cabo submarino de Portugal a Inglaterra;
-1871 realizam-se no Casino Lisbonense as famosas Conferências Democráticas. Cria-se a Aliança Democrática Socialista (então influenciada pelo socialismo utópico europeu) e é publicada a obra Causas da Decadência dos Povos Peninsulares que Antero de Quental expôs brilhantemente nas Conferências do Casino. Ramalho Ortigão inicia a publicação das Farpas;
-1872 iniciam-se os primeiros movimentos grevistas portugueses. Saem a lume os Fidalgos da Casa Mourisca, de Júlio Dinis e a Teoria do Socialismo, de Oliveira Martins, bem como A Teoria da História Literária Portuguesa, de Teófilo Braga. No pensamento político e de cidadania é iniciada a publicação do jornal socialista, O Pensamento Social;
-1873 conclui-se a linha-férrea de Évora a Estremoz;
-1875 é fundada a Sociedade de Geografia de Lisboa - instituição também ligada ao processo de recolha e preservação de memórias; Oliveira Martins funda a Revista Ocidental. Eça de Queiroz publica O Crime do Padre Amaro e Camilo Castelo Branco inicia a publicação d` As Novelas do Minho
-1877 é construída a ponte de D. Maria Pia, no Porto e é publicado O Helenismo e a Civilização, de Oliveira Martins.

Em 1878 surge a criação destes órgãos de memória e documentação: Museu e Biblioteca postais e de telecomunicações. Ainda neste ano são lançadas as ambulâncias postais no caminho-de-ferro do leste; norte e sueste e são criados os bilhetes-postais. A Biblioteca é dotada com 400 volumes e o Museu com os ditos 30 espécimes.
Por esta altura a Direção Geral dos Correios reforça as “ordens para que os carteiros nunca se apresentem em serviço sem o devido uniforme [...] renovam-se os contratos para o serviço de transporte de malas transatlânticas com as companhias «Royal Mail Steam Packet» e «Pacific Steam Navigation» [...]. Por navios receberam-se de differentes paizes 21:336 cartas [...], 349 jornaes e impressos […]”. Ainda entre 1876/78 “O aumento na cifra dos impressos selados [e jornais …] é muito notável” com um número que atinge as 3.018:005 unidades. (2)
Sobre as telecomunicações e seu contexto tecnológico precedente e posterior à criação do Museu Postal (3):
-Na primeira década do século XIX é criada a telegrafia visual/semafórica que durará até 1855, data em que surge a telegrafia elétrica (4);
-Destas telegrafias foram integrados alguns espécimes do século XIX no Museu Postal, tais como: Relés, translatores, transmissores, besoiros, bússolas, comutadores, para-raios, despertadores, avisadores, recetores, telégrafos, coesores, coladores, reóstatos, galvanómetros, óculos de elongação, dispositivos de regra de Ampere, magnetos, fusíveis, isoladores, pilhas, tubos de Crooks, máquinas pneumáticas, demonstradores de condutibilidade, pontes de Wheatstone, bobinas de indução e aparelhos de campo girante.
-Outra curiosidade: Em relação às primeiras dezenas de espécimenes recolhidos pelo Museu Postal verifico que todos são da função telegráfica/telecomunicações e não da função postal, como seria de esperar, atendendo à designação de Museu Postal (5);
     -Em 1879 Teófilo Braga publica as Soluções Positivas da Política Portuguesa e inicia-se a edição do semanário Voz do Operário, ligado aos manipuladores do tabaco.
     -Em 1882 instala-se em Portugal a 1ª rede telefónica pública;
     -1886 surge o Mapa-Cor-de-Rosa e toda a crise a ele relacionado e;
     -Em 1890 o Ultimato inglês.
É neste cadinho de desenvolvimento técnico e cultural que se cria um Museu, que adjetivo de proto-Museu no sentido de primeiro esboço museológico e biblioteconómico na temática das tecnologias de comunicações.
Contudo, a vertente romântica e as crises de finais do século começam a ceder a preocupações do dia-a-dia. Nesta ótica, o Museu vitrificado num móvel, vai permanecer estático durante décadas.

      É também altura do pensamento filosófico positivo, seguido pela arte e pensamento modernista. Este estilo e mentalidade não foram de bom sinal para as memórias e patrimónios tradicionais. 

      As crises económicas, os movimentos políticos e as necessidades primárias a satisfazer vão condicionar a ação do que não se apresenta imediatamente rentável. Fica, assim, pendente o desenvolvimento do Museu da temática  postal, telegráfica e faróis, até aos anos 30 (do século XX). Nesta altura o projeto museológico é repensado pelo Estado Novo como se nunca tivesse existido uma ideia e ações conducentes à criação de um museu na área dos transportes e comunicações.

Os altos responsáveis do Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações e CTT (entre meados dos anos 30 a 1947) demonstraram, pois, uma desconsideração e/ou desconhecimento da herança patrimonial precedente; ou quiçá, a súbita vontade, de partir para uma realidade “nova” sem referência ao projeto museológico anterior, terá sido propositada no sentido de apagar as marcas herdadas dos Governos e Regimes precedentes (6).

Notas:

(1) A esta citação acrescentaria ao substantivo “memória” a adjetivação: oral/documental/genética, porque considero que o amor não resulta somente da inteligência mas também de uma memória que vem sendo impressa nos genes pela evolução. E com isto não quero dar mais ênfase à teoria evolucionista do que à criacionista, nem vice-versa. (cf. A. Anciães in http://beckerhistoria.blogspot.pt/2009/12/documentomonumento-le-goff-historia.html?showComment=1418480414533#c1584711386110503503, acedido em 13.12.2014)

(2)DIRECÇÃO Geral dos Correios; BARROS, Guilhermino Augusto de – Relatório Postal do Anno economico de 1877-1878 […], p. 156-157; anexo ao cap. X, p. II. Este Relatório apresenta informação prolixa em números e organização da Direcção Geral dos Correios nos anos em que foi criado o que nós designamos por proto-Museu Postal e sistema documental que em 1947 dariam origem ao Museu dos CTT.
(3)O proto-Museu Postal não deixa transparecer na sua designação a vertente  de telecomunicações, tendo em conta que a totalidade das 30 peças com que foi criado eram da função de telecomunicações. (cf. inventário das 30 primeiras peças inventariadas no Museu das Comunicações, sucessor do Museu Postal).
(4) Em certos casos o uso desta telegrafia visual/semafórica, não elétrica, estendeu-se por mais alguns anos.

(5)Cf. I Livro de Inventário do Património Museológico do Museu das Comunicações / Fundação Portuguesa das Comunicações.


Referências bibliográficas:
-AFONSO, A. Martins – Breve História de Portugal. Porto: Porto Editora, Ldª, 3ª ed., s.d.;

–ANCIÃES, Alfredo; ALMEIDA, Joel de; CORDEIRO, Ricardo; MOUTA, Margarida; SALDANHA, Júlia; SANTOS, Alva; VARÃO, Isabel; WEBER, Cristina - Comunicar na República: 100 Anos de Inovação e Tecnologia. Lisboa: FPC - Fundação Portuguesa das Comunicações, 2010; 
-ANCIÃES, Alfredo
"Da História das Telecomunicações na I República" in ANCIÃES, Alfredo et. al. - Comunicar na República: 100 Anos de Inovação e Tecnologia. Lisboa: FPC - Fundação Portuguesa das Comunicações, 2010; 
-Id. "Da História das Telecomunicações no Estado Novo" (1926-1974);
-Id. “Património museológico de telecomunicações: Criação e gestão em contexto”. Lisboa: FPC Códice Ano XI Série II, 2008, págs 52-67;
-Id. O Museu dos CTT. Lisboa: Arquivo UNL, 1988/1989. Disponível também em Arquivo do Grupo dos Amigos do Museu das Comunicações;
-BARROS, Guilhermino Augusto de – Relatório do Director Geral dos Correios, Telegraphos, Pharoes e Semaphoros relativo ao anno de 1889 precedido pela continuação da Historia dos Correios até ao fim de 1888 e uma memoria historica acerca da telegraphia visual, electrica, terrestre, maritima, telephonica e semaphorica, desde o seu estabelecimento em Portugal. Lisboa: Imprensa Nacional, 1891;
-CTT - O Museu dos CTT Português. Lisboa: Ed. dos Serviços Culturais dos CTT, 1973;
-DIRECÇÃO Geral dos Correios; BARROS, Guilhermino Augusto de – Relatório Postal do Anno economico de 1877-1878 precedido de uma memoria historica relativa aos correios portuguezes desde o tempo de D. Manuel até aos nossos dias. Lisboa: Lallemant Frères, Typ. Fornecedores da Casa de Bragança, 1879.
-SERRÃO, Joel – Cronologia Geral da História de Portugal. Lisboa: Livros Horizonte, 4ª ed., 1980  
Documentos Web acedidos em 13.12.2014
-ABREU, José Guilherme – “A problemática do monumento moderno” in http://www.apha.pt/boletim/boletim1/pdf/Aproblematicadomonumento.pdf
-Gabinetes de Curiosidades – in http://pt.wikipedia.org/wiki/Gabinete_de_curiosidades
-Le GOFF, Jacques in 
-NAYARA, Emerick “Le Goff, Jacques – Documento Monumento” in http://www.ebah.pt/content/ABAAAewPYAJ/38096406-le-goff-j-documento-monumento,

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

SIMBOLOGIAS ROMANO-EUROPEIAS

O EXEMPLO DA CATEDRAL DE AACHEN


A catedral de Aachen encontra-se alterada em relação ao original. No entanto, nela prevalecem elementos importantes datados da Idade Média, incluindo a capela palatina. Em nossa opinião, esta catedral prossegue uma imagem de Império, através da arte e cerimoniais de coroações de reis e imperadores à maneira da latinidade e romanidade. Tudo parece indicar que a edificação e ornamentação se inserem numa estratégia de aliança da realeza e das populações com o Papa, como forma de imaginário, saudosista e identitário do Império Romano. Está aqui patente uma influência cristã da romanidade, segundo a recomendação dos concílios: Niceia, 325 (1); Constantinopla, 381 (2); Éfeso, 431 (3); Calcedónia, 451 (4); Constantinopla II, 553 (5); Constantinopla III, 680-681 (6) e Niceia II, 787 (7). A descrição sumária desta Catedral que aqui apresentamos, visa destacar características locais, de influência goda do norte. Exemplo: o estilo gótico. Trata-se duma obra mandada edificar por Carlos Magno, cerca do ano 790 e continuada pelos seus sucessores. Nesta Catedral encontra-se a sepultura do característico rei dos Francos – Carlos Magno, também designado Imperador do Ocidente. Este tipo de obra precedeu as catedrais do norte da Europa de influência gótica/bárbara. Também por este motivo se tornou-se num ícone ao servir inclusivamente para o coroamento dos imperadores do Sacro Império Romano: “Considera-se que o título imperial passou dos romanos para o reino Franco, em 800 d. C., o papa Leão III coroou o rei dos francos, Carlos Magno, imperador e este, por protecção à Igreja católica, na qualidade de patrício dos romanos e por força da sua dignidade imperial, condenou os perseguidores do pontífice à morte, condenação que foi retirada por intervenção do próprio papa.” (8).

Património da Humanidade

Na capela mantêm-se traços bizantinos e germânicos. A catedral recebeu uma das primeiras classificações da Unesco como Património da Humanidade e isso deve-se, certamente, ao seu significado, como obra-prima da Europa, de influência romana e cristã. Consta que esta capela tem origem no tempo do pai de Carlos Magno (Pepino, o Breve) para servir de guarda e veneração de relíquias; entre elas, uma relíquia de singular importância. Trata-se da capa de São Martinho de Tours (Panónia, 316 – Gália, 397). Crê-se que a própria designação de capella, hoje associada a pequeno templo, ou pequena “igreja”, provém exatamente da função inicial da cap(a)ela como local de preservação da relíquia com que o santo ficou célebre ao dividir o seu manto com o próximo - um pobre encontrado num caminho. Outro aspeto em comum com o Império Romano é o facto da estrutura da capela, cópia da Basílica de São Vital de Ravena (atual Itália). Consta também que os mármores das colunas e os bronzes das grades do interior foram importados de Itália. Contudo são introduzidos novos elementos, o que terá levado o próprio Carlos Magno a proferir que a obra foi projetada seguindo a sua “propria dispositione”, isto é, segundo a expressa vontade do Imperador, sem prejuízo de fazer de Aachen/Aquisgrano uma continuação de Roma.
Uma analogia com a charola do Convento de Cristo de Tomar
Outra curiosidade da capela é o facto da planta e alçados interiores com oito lados. – Simbologia, esta, associada à eternidade, poder celestial na Terra, dia seguinte ao da criação e ainda ao número preferido pelos Cavaleiros Templários (9). Repare-se que também a capela, designada Charola do Convento de Cristo de Tomar, herança templária, está construída sobre uma planta e alçados de 8 lados. Nos mosaicos da capela, figura Cristo rodeado por anciãos, mais uma vez, uma imagem semelhante à que aparece no Livro da Revelação/Apocalipse, segundo São João. Esta marca é outro ponto de contacto da fé sanjoanina, prosseguida pelos Templários. Temos portanto na capela/catedral de Aachen um sinal bíblico acerca do tempo em que foi escrito este Livro do Apocalipse (séc. 1 d.C.), retransmitido para o mundo cristão. O trono está construído em mármore, proveniente da capital Romana. Também as colunas de capitéis coríntios foram importadas por Carlos Magno da cidade de Ravena. Tudo para imitar o antigo Império Romano. Desde Carlos Magno, até 1531, foram coroados na Catedral de Aachem três dezenas de monarcas, à semelhança de Roma.
Simbologia e arte
Verificamos que a arte encanta, é veiculo de educação, cultura e identidade e, ao mesmo tempo, assusta quem dela não partilha e se considera excluído, “esmagado” e/ou ofendido pela mesma. Queremos ainda sublinhar que a figura/retrato de Carlos Magno (cf.  http://pt.wikipedia.org/wiki/Carlos_Magno;  acedido em 8.11.2014) apresenta a mão direita segurando uma esfera contendo uma cruz e a esquerda detém uma espada. Será uma versão precoce dos cruzados e templários. Lembra-nos, ainda, a Ordem de Cristo com a futura esfera armilar portuguesa. No escudo de armas com fundo azul, aparecem três flores-de-lis que representam as monarquias francas e são também um sinal de unidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo, ou seja, está aqui representado o conceito/mistério da Santíssima Trindade: as três folhas da flor-de-lis estão unidas com um laço natural. Este conceito de unidade da Trindade vinha-se revelando desde o Concílio de Constantinopla do ano de 381 (v. notas infra, concílios 1 a 7).
Unidade dos Poderes Político-Religioso
O poder político franco-germânico e o papado uniram-se como forma de contornar a situação vulnerável da Europa, sobretudo após o poder de Constantinopla se ter distanciado da antiga Roma. As vantagens resultarão positivas para os dois lados – os povos da Europa procuram continuar a cultura e religião do antigo Imperio, em torno da figura pontifícia que passou a representar a unidade e a autoridade perdidas com as invasões e as disputas de poder. A “queda/desmoronamento” do Império Romano foram, portanto, relativos. Achamos que houve continuidades de influência e de poder à maneira romana, nomeadamente com as dinastias merovíngia e carolíngia. Estas continuidades são prosseguidas nas realezas e reinos da Europa da Idade Média e Moderna e, em parte, no mundo onde os Europeus se estabeleceram e relacionaram. Neste ponto de vista, parece-nos que o Império Romano e a latinidade/romanidade não desapareceram totalmente. Daqui resultará parte da reação/antagonismo e um certo choque de civilizações.

Notas

Concílios de:

(1)Niceia, 325.  “Condena o Arianismo e proclama a igualdade de natureza entre o Pai e o Filho”. É também deste Concílio que sai a oração do Credo.

(2)Constantinopla, 381. “Afirma a natureza do Espírito Santo e estabelece que o bispo de Constantinopla receberá honras logo após o de Roma”.

(3)Éfeso, 431. “[…] Afirma […] a maternidade divina de Maria”

(4)Calcedónia, 451.  “[…] Afirma a unidade das duas naturezas completas e perfeitas em Jesus Cristo, humana e divina […]”.

(5)Constantinopla II, 553. “[…] Condena os ensinamentos de Orígenes […] e os documentos nestorianos […]”.

(6)Constantinopla III, 680-681. “[…] Dogmatiza as duas naturezas de Cristo condenando o  monotelismo […]”.

(7)Niceia II, 787. “[…] Regula a questão da veneração de imagens (ícones) condenando os iconoclastas […]”.

(8)Cf. Lista dos Imperadores dos do Sacro Império Romano-Germânico -  http://pt.wikipedia.org/wiki/Lista_de_imperadores_do_Sacro_Imp%C3%A9rio_Romano-Germ%C3%A2nico

(9) A primeira sede dos Cavaleiros Templários foi na Mesquita de Al-Aqsa no chamado Monte do Templo, em Jerusalém. Os Cruzados que aqui se instalaram chamaram-lhe Templo de Salomão, por o mesmo ter sido construído sobre as fundações do Templo dedicado a este Profeta. Por esta via, os Cavaleiros que foram na Cruzada e aqui se instalaram passaram a ser conhecidos por Cavaleiros do Templo ou Templários.

Fontes

-“O Embelezamento da catedral de Aachen” in coletânia de textos propostos para a aula de História Medieval da Universidade Sénior de Massamá e Monte Abraão (USMMA) pela prof. Catarina Midões, entre eles:

-Einhardi, Vita Karoli Imperatoris, in A. Oeuvres Complètes d`Eginhard. T., Société de l`Histoire de France, Paris, 1840, pp. 83 a 85.

Outros documentos em linha




-Brasão de armas do Sacro Império Romano-Germânico e da Alemanha -  http://pt.wikipedia.org/wiki/Bras%C3%A3o_de_armas_da_Alemanha;

-Carlos Magno -  http://pt.wikipedia.org/wiki/Carlos_Magno; acedidos em 8.11.2014;

-Charola Templária do Convento de Cristo de Tomar - http://www.conventocristo.pt/pt/index.php?s=white&pid=186;




-Lista dos Imperadores do Sacro Império Romano-Germânico -  http://pt.wikipedia.org/wiki/Lista_de_imperadores_do_Sacro_Imp%C3%A9rio_Romano-Germ%C3%A2nico;


-Património Cultural da Humanidade – a Catedral de Aachen - http://www.germany.travel/pt/cidades-e-cultura/patrimonio-mundial-da-unesco/catedral-de-aachen.html;

-São Martinho de Tours - https://www.google.pt/?gws_rd=ssl#q=s%C3%A3o+martinho Documentos em linha acedidos em 11-11-.2014

Massamá-Sintra, dezembro de 2014

Alfredo Ramos Anciães