As Linhas de Torres (sistema de comunicações, fortificações, fossos, redutos, paliçadas, destruições/"terra queimada") situam-se no concelho de Torres Vedras, donde lhe vem o nome, mas também nos concelhos vizinhos de Vila Franca de Xira, Arruda, Sobral de Monte Agraço, Loures, Mafra, Oeiras e Almada. Inserem-se na terceira invasão francesa à Península Ibérica, mais especificamente para a defesa da capital do reino de Portugal (1).
Como causas remotas das invasões francesas podemos referir a evolução do capitalismo: do mercantilismo ao liberalismo económico, concebendo o mercantilismo como uma forma de economia intervencionada pelos Estados com procura e dominação de mercados e territórios.
O mercantilismo dos finais do século XVIII chocou com as teorias e práticas do liberalismo, dado que este sistema económico e político defendia o livre acesso aos bens e o seu mercado. Deste modo, a França que se achava prejudicada no seu comércio, sobretudo o de acesso e distribuição por via marítima, opõe-se a outras potências com marinha. A batalha de Trafalgar (1805) entre a França napoleónica e Espanha contra a Inglaterra é um exemplo.
As invasões francesas são o seguimento de uma política que visa controlar mercados e territórios e constituir o seu próprio império. Neste aspecto o liberalismo económico está em contradição com o primado do liberalismo político e parece assemelhar-se ao moribundo mercantilismo.
A terceira e última invasão a Portugal decorre entre Novembro de 1810, até Abril de 1811, continuando depois em Espanha e envolve, não só o espaço geográfico à volta da capital onde se situam as Linhas, mas também as Beiras, Trás-os-Montes e especialmente a Estremadura. Indirectamente afecta todo o país, quer pelo desvio de bens, quebra de negócios e receitas fiscais, quer pela mobilização de recursos humanos.
No processo de “ajuda” à Península Ibérica, os Ingleses ganham tanta hegemonia que mais tarde haveria de contribuir para revoltas e mesmo para a revolução republicana em Portugal com a adopção de um novo hino nacional onde constavam inicialmente as referências “contra os bretões (e não contra os canhões) marchar, marchar”.
A partida da corte portuguesa para o Brasil data da primeira invasão (1807) e a independência do Brasil é potenciada pela revolução francesa, pela difusão das ideias liberais, pela própria estada da corte no Brasil e pela pressão da abertura do comércio directo do Brasil com as nações estrangeiras.
As linhas de Torres permitiram poupar Lisboa a uma nova perda do controle do território, conforme acontecera aquando da primeira invasão e poderia levar à perda da independência, como se verificou em Espanha. Segundo o parecer dos Ingleses que comandaram o projecto das Linhas de Torres, estes trabalhos constituiram uma das maiores obras, a nível mundial, que permitiram a obstrução da passagem do exército napoleónico. Por este motivo, estas Linhas têm vindo a ser recuperadas como um património nacional e de interesse internacional.
Os Ingleses, especialmente os virados para a História, a Arquitectura Paisagística e Militar são os mais entusiastas no estudo e nas visitas às Linhas de Torres. Porém, e não obstante a barreira destas Linhas que vão do Tejo (Vila Franca / Loures) ao Atlântico (Torres Vedras, Ericeira, Mafra), as principais causas da retirada do exército francês foram as dificuldades de aprovisionamento de bens para alimentar um grande exército de homens, cavalos e outros animais de tracção e carga.
Uma outra razão da derrota francesa deve-se às condições de avanço no terreno através de péssimos e estreitos caminhos da época, onde as carruagens de transportes de equipamento frequentemente avariavam ou simplesmente não avançavam por não caberem nas vias e trilhos portugueses. Talvez por esta razão Wellington, o principal estratega inglês da construção e defesa das Linhas de Torres optou por concentrar o grosso das tropas e recursos nas linhas de Torres, próximas da capital e do mar onde a Armada Britânica tinha primazia de manobra e poder.
Wellington Foi criticado por algumas patentes militares e membros do governo por ter contribuído para o quase desguarnecimento do restante território e fronteiras portuguesas, optando pela política de “terra queimada”, mandando destruir bens de consumo, moínhos, casas e outros bens, a fim de privar o inimigo de condições de abrigo e subsistência. Mandou igualmente retirar as populações, concentrando-as na capital onde viveram miseravelmente e em muitos casos com a separação ou perda do agregado familiar.
Durante a terceira invasão, entre a chegada, estada e a retirada deram-se confrontos no Rio Côa, Almeida (2), Buçaco, saque de Coimbra, Alenquer, Sobral de Monte Agraço, Dois Portos, Seramena (Sobral), Alhandra e Bulhaco (V.F. Xira), Runa, Cartaxo, Ponte do Abade, Vila da Ponte, Rio Maior, Pombal, Redinha, Casal Novo, Foz do Arouce e Sabugal.
Mas nem só de batalhas e combates com mortos e feridos, privações e fomes se fez a História das invasões. Chegou a haver difusão de ideias políticas e de cultura, participações em folclor, ópera, episódios de cavalheirismo entre tropas das duas facções nos períodos de acalmia, tal como convites aos oficiais inimigos para assistirem a peças de teatro e animação. O cômputo geral foi, essencialmente, de enormes perdas de vidas e feridos, não só em combate mas pelo cansaço, doenças, fome e frio. Os recursos alimentares e equipamentos foram em grande parte destruídos, tudo pela ambição de riquezas e para ampliar os espaços de hegemonia e negócios.
A ciência e a técnica foram incrementadas, nomeadamente no conhecimento do território, através da elaboração de cartas e posições geodésicas. As telecomunicações desenvolveram-se no tempo da revolução Francesa e das invasões. Inventaram-se sistemas de telegrafia com recurso a códigos e telescópios (exemplos de telégrafos óptico/visuais desta altura: francês de Chappe, inglês com sistema de bolas e português de Ciera)
Em Portugal, o telégrafo de Ciera constituíu um avanço tecnológico pela maior facilidade em comunicar. Esta aptidão, resultante da necessidade e da vontade em inovar, haveria de ser prosseguida no tempo, tendo sido o nossso país um dos pioneiros em inovações tecnológicas nas comunicações.
As lutas, de corpo-a-corpo e em campo aberto, passaram a desenvolver-se com o recurso à artilharia, infantaria e telecomunicações, permitindo afastar as frentes de combate e dar a possibilidade de tratar dos feridos, recolhendo-os para enfermarias e hospitais.
As difusão das ideologias liberais também estão ligadas às invasões francesas, bem como à consequente queda do absolutismo. As independências de vários países na América Central e do Sul, influenciadas pelos EUA e pela Europa, muito devem aos movimentos revolucionários e aos interesses comerciais de países que queriam ter mais liberdades para abastecimenos, vendas e trocas de produtos evitando pagamentos de taxas alfandegárias.
(1) Por questões de espaço passamos por cima da 1ª e da 2ª invasão, tendo de antemão que as mesmas foram prejudiciais para Portugal e para a própria França com as várias derrotas que sofreu. A Inglaterra que se bateu em batalhas navais, na Peninsula Ibérica e outros teatros de guerra da Europa, conseguiu aumentar a sua hegemonia que durou até praticamente à segunda Guerra Mundial.
(2) Que se rendeu devido ao acidente da explosão do paiol.
Fontes de apoio:
As Linhas de Torres Vedras. Invasão e Resistência. 1810-1811 / Cristina CLÍMACO. Lisboa: Edições Colibri, Câmara Municipal de Torres Vedras, 2010
Bocage poeta da liberdade. Extraído da exposição bibliográfica dos 230 e 190 anos do seu nascimento e morte. Câmara Municipal de Setúbal, Daniel Pires. Disponível em http://purl.pt/1276/1/liberdade.html, acedido em 26.09.2011
Mémoires de Masséna redigées d`après les documents qu`il a laissée et ceux du dépôt de la guerre et du dépôt des fortifications / General Jean Baptiste Fréderic KOCH. Paris: Paulin et Lechavalier, 1848-1850
Memoires sur les Lignes de Torres Vedras élevées pour couvrir Lisbonne en 1810. faisant suit aux Journaux des sièges entrepis par les allés em Espagne / John T. JONES. Paris: Anselin, 1832
Mémoires sur ma campagne du Portugal 1810-1811 / general Jean Jacques Germain PELET-CLOZEAU. Paris: Librairie Historique F. Teissèdre, 1999. Resumo disponível em http://www.clavreuil.fr/editions.php?p=17, acedido em 12.10.2011
Mémoires sur ma campagne du Portugal (1810-1811) annotées par Christian Schneider / general Jean Jacques Germain PELET-CLOZEAU. Paris: Editions Historiques Teissèdre, 2003
Memórias de Massena - Campanha de 1810-1811 em Portugal / António Ventura. Lisboa: Livros Horizonte, 2007
Recueil choisi des dépêches et ordres du jour de feld Maréchal duc Wellington / Colonel John GURWOOD. Bruxelles: Meline, Cans et Cie, 1843. Edição impressa disponível na BNP - Biblioteca nacional de Portugal.
Souvenirs / Louis Samuel BÉCHET DE LÉOCOUR. Paris: Teissedre, 1999