quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

124.Portugal Turístico e Museal: DA SALVAGUARDA AO RESTAURO E REQUALIFICAÇÃO


Nota prévia. A salvaguarda, que tratámos no ponto 07. (V. in http://cumpriraterra.blogspot.pt/2017/01/122da-salvagurda-e-divulgacao.html) refere-se a uma forma específica de preservação. O texto seguinte reporta-se ao ponto:

08. Da Salvaguarda ao Restauro

Uma das formas de preservação do património material começa com o projeto dos edifícios, adequados às funções de guarda, acomodação, movimentação e exposição de peças. A preservação é prosseguida com ações, tais como: a instalação e acomodação de peças, o manuseamento, o transporte, as rotinas diárias ou frequentes de vigilância, temperatura, humidade e limpeza.

 A segurança e acondicionamentos: anti-fogo, anti-roubo, anti-inundação e o controlo da incidência da luz também fazem parte da preservação.

O Restauro: pode apresentar-se de forma ética, discernível e com critérios baseados na autenticidade e documentalidade. Quando uma peça é restaurada, embora com o sentido de lhe restituir o brilho, a pintura e completar componentes em falta; sem atender ao testemunho do tempo e outros sinais, estamos perante um restauro não discernível (não notado) e não ético.

O restauro não deve cobrir os sinais de assinaturas e marcas de manufatura/fabrico, números de série ou de tipo e outras marcas de origem ou que sendo posteriores trouxeram uma mais-valia informativa para a vida das peças. Uma imagem em que lhe foi adicionado um componente em falta, deixando visível o sinal da ligação no lugar em que se efetuou a intervenção, está mais de acordo com o restauro ético do que se a mesma imagem apresentar tentativas de encobrimento da operação. O caso infra da reprodução do retrato de Camões omitindo os sinais da assinatura e as marcas da parte rasgada constitui à luz do restauro científico e ético uma fraude.

Depois de efetuado o restauro - não ético, não discernível e não científico ficamos com o problema da incerteza de como era a peça no seu estado original. A aposição e colagem de frações perdidas ou partidas, em pedra, argila, metal, pergaminho, papiro ou papel devem ser discerníveis no resultado final. Isto é, deve-se perceber visualmente que as peças foram submetidas a restauro e reposição dos seus componentes. Além disso, o restauro deve ser acompanhado de um processo em que figure a descrição e as imagens do estado prévio, bem como as fases intermédias, até ao resultado final.
O conservador restaurador deve dialogar com o proprietário e/ou responsável (e vice-versa) das peças a restaurarAmbas as partes chegarão a consenso, sendo este consenso baseado na ética profissional, na supervisão regulada oficialmente, em especial quando o património está classificado ou tem valor relevante para as populações.

 Um exemplo de salvaguarda, preservação e Conservação

Mais do que preservação, conservação e restauro ético e discernível, tratou-se de uma alteração profunda no núcleo antigo da minha aldeia. Vejamos como resultou e qual foi o processo de modificação visual deste Adro que simboliza reunião, comunicação, festa, lazer e saudade, sobretudo na época do Verão com a chegada de conterrâneos migrantes, emigrantes e outros.

Por altura da publicação de um post. em 2015, o meu colega e amigo Artur Alexandre comentou:

- «Acho bonito [esse Largo], mas penso que as renovações quando são feitas de certa maneira, acabam com a identidade dos locais».

Ao que respondi: Caro amigo Artur (…), houve aqui, de facto, uma profunda alteração. Contudo, eu próprio estou de acordo com as modificações, acompanhadas pela Câmara Municipal de Penedono, coadjuvadas pela Junta de Freguesia de Beselga e pela população local, cujas entidades acharam por bem pronunciar-se. Os conterrâneos, vizinhos e visitantes têm-se mostrado satisfeitos com o resultado final porque neste espaço havia várias casas em ruína, que ninguém desejava restaurar com as volumetrias, funcionalidades obsoletas e praticamente irrecuperáveis.

Em teoria, e sem uma análise in situ, o meu amigo Artur parece ter razão na sua alegada perda da identidade do local. Acontece que os equipamentos, neste caso, as habitações e lojas, não só mudaram de donos, como mudaram de funções. O que antes servia como habitações, lojas para produtos da terra, gado e comércio; deixou de ter essas valências e perderam utilidade. Contudo, foram salvaguardadas algumas marcas físicas de outrora, reconstruídas e encostadas nos fundos do Largo.

Entre essas marcas/peças contam-se:

-“BALCÃO DO SENHOR ANÍBAL”;

-“JANELA DA CASA DA SENHORA DALINDA”;

-"ALVENARIA DA CASA DA SRª DALINDA";

-"PIA DOS PORCOS DA SRª DALINDA"

-“BALCÃO DA CASA DO SR. AMÂNDIO PAIXÃO"

-“PIA DAS GALINHAS DO SR. JOSÉ SAPATEIRO"

-SÍTIO DAS GALINHAS

-“CHÃO DA TABERNA DO SR. JOSÉ CHAVES”.

Todas estas marcas estão apresentadas com as respectivas legendas informativas.

Veja infra a sequência de fotos: do pretérito e atualidade.

Ainda o caso do retrato do nosso Poeta Mor Luís Vaz de Camões
Atribuído à autoria de Fernão Gomes, apresenta-se o antes e o depois do restauro (ou será reprodução?) não ético e não discernível. Por quem e quando terá sido executada esta cópia? Só uma análise científica, incluindo o método do “carbono 14” poderá dar uma resposta aproximada quanto à época da sua execução. A falta de ética patrimonial e documental começa aqui. Porém, temos que dar o desconto da época em que terá sido executada tal cópia, quando não haveria ainda as entidades reguladoras e formadoras.

É de constatar que no retrato reproduzido, até a indicação do nome do autor foi omitido.

Com sorte, temos as duas imagens, a do antes e depois. As cópias e as reproduções podem até apresentar-se atrativas; podem até ter a função didática e de preservação do original (embora duvidemos que esta tenha sido a intenção da criação das cópias). Acontece que, por vezes, são apresentadas falsas cópias (falsas porque nem sequer respeitam o original, foram baseadas num embuste reprodutivo) e vendidas a alto preço como se fossem originais.
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Junto anexo imagens da renovação, em parte remodelação (há quem diga requalificação) e restauro do Adro da aldeia: freguesia de Beselga, paróquia e orago de Santa Cruz de Beselga, co-orago Divino Senhor dos Passos, concelho de Penedono, distrito de Viseu.

Uma seleção de imagens do antes e durante o processo de intervenção:
























Uma seleção de imagens após a intervenção, em que se perceciona essencialmente o espaço público e a nova utilização social:



 
No lugar físico de sete casas irrecuperáveis apresenta-se hoje um largo e equipamento social em torno da Igreja / Adro e Praça que constituem uma referência memorial e festiva para a população.








Abaixo apresentam-se algumas peças/marcas de outrora, encostadas nos fundos do novo Adro / nova Praça.










































Imagens: Alfredo Anciães; gentileza da página facebook Comissão de Festas de Beselga “ https://www.facebook.com/comissaofestas.beselga, Fátima Beco e Livraria Santiago http://www.livrariasantiago.com/popup_image.php?pID=10474&osCsid=8e1739b7d0583681e966dbdf8da47475

Fontes bibliográficas:

-ANCIÃES, Alfredo Ramos - Portugal Telecom / Fundação das Comunicações: A Conservação Preventiva do Património Museológico de Telecomunicações (dados de situação e subsídios para o seu melhoramento). Lisboa: Fundação das Comunicações, 1994

----------Sobre as Condições Termo-Higro e Luminotécnicas. Lisboa: Fundação Portuguesa das Comunicações, 2002

----------Subsídios para a Elaboração de um Plano de Conservação e Restauro da Documentação em Suporte de Papel no CDI dos CTT. Lisboa: CDI dos CTT, 1991

-CASANOVAS, Luís Efrem Elias – “Seminário sobre Conservação Preventiva”. Lisboa: Universidade Nova de Lisboa, 1989

-CRESPO, Carmen; VICENTE, Vinas – The Preservation and Restoration of Paper Records and Books. Paris:¨UNESCO, Unisist, 1984

-ESTEVES, Lília Maria – “Fichas de Agentes Biológicos que Atacam Material Bibliográfico e Documental”. Trabalho Elaborado para o Laboratório Central do Instituto José de Figueiredo. Lisboa: Instituto José de Figueiredo, 1984

-GUILCHEN, Gael – Climat dans les Musées: Mesure, Fiches Techniques. Roma: ICCROM, 1980

-INSTITUTO do Emprego e Formação Profissional, et al – “VII Exposição Conservação do Património Cultural, VII Exposição 4 a 9.12.1993”. Lisboa, Forum Picoas, 1993

----------“Conservação do Património Cultural: I Feira das Indústrias de Conservação do Património Cultural, V Exposição Venda, Forum Picoas, 30.11 a 8.12. 1991”. Lisboa, 1991

-PARKER, Thomas A. – Estudio de un Programa de Lucha Integrada Contra las Plagas en los Archivos y Bibliotecas. Paris: UNESCO: UNISIST, 1989

-PATROCÍNIO, Celina do – “Notas da Cadeira de Conservação e Restauro do Curso de Especialização em Ciências Documentais da Universidade de Lisboa – Luís de Camões”. Lisboa: 1991

-THOMSON, Garry – “The Conservation of Antiquities: Developments in Planing” in Cahiers d`Histoire Mondiale, vol XIV, 1.UNESCO, 1972

---------- - The Museum Environnment. Londres: Butterworths, 1981

 Documentos em linha:

-ANCIÃES, Alfredo Ramos - “Da Salvaguarda e Divulgação” http://cumpriraterra.blogspot.pt/2017/01/122da-salvagurda-e-divulgacao.html


-WIKIMEDIA / Wikipédia et al – [Retrato de Camões restaurado] https://pt.wikipedia.org/wiki/Lu%C3%ADs_de_Cam%C3%B5es