quinta-feira, 24 de setembro de 2015

53. MIL ANOS DE LUZ


Sempre gostei de eventos baseados em números redondos e quanto mais antigos mais fascínio e respeito me sugerem. Este ano de 2015, representa, note-se bem, o milésimo ano em que o árabe Ibn al-Haytham escreveu um tratado em sete volumes sobre a ótica e a luz. E não esgotou, de forma alguma, o tema. Nos tempos atuais em que as comunidades árabes e islâmicas são vistas, por muitos, de soslaio, conviria distinguir o trigo do joio, olhar para os bons exemplos e para o período clássico da civilização árabe com respeito. Observar o outro pelo lado da confiança, já é como que uma iluminação da alma, um modo para início da convivência.


 
 A luz na toponímia e religiosidade em Carnide-Lisboa

 Considera-se aqui a luz nas perspetivas: tecnológica, económica, cultural e religiosa. Dois exemplos da perspetiva religiosa: A luz apareceu durante 30 dias a Pedro (ou Pêro) Martins, de Carnide (1). Terá sido um sonho continuado, alucinação e/ou realidade do foro da crença religiosa. Uma senhora resplandecente apareceu igualmente aos pastorinhos de Fátima, onde também ocorreu o milagre coletivo do sol (=luz). Estes fenómenos mostram que a luz não tem apenas mera importância técnica e económica.

Quando Camões recorre ao pleonasmo, «vi, claramente visto, o lume vivo [...] (2)» está a dar importância à luz e à visão renascentista que transcendem os acontecimentos e as vivências do dia-a-dia.

Os fogos de santelmo relatados por Camões parecem provir de descargas elétricas  da atmosfera sobre os mastros dos navios. Sendo, porém, um fenómeno natural, a luz parece transcender a utilidade prática da iluminação e do crescimento dos seres vivos.

Também não terá sido por acaso que a seguir ao caos, a referência bíblica, logo a seguir à criação dos céus e da terra foi «Faça-se a luz [...] (Génesis 1,3).

Portugal foi um dos países que cedo utilizaram e inovaram as comunicações visuais ampliadas com instrumentos de ótica, desde o início do século XIX, decaindo a sua utilização a partir de meados do século com a introdução das telegrafias elétricas; contudo, quer seja com telegrafias visuais, óticas ou elétricas, comunicações telefónicas, transmissão de dados, utilizamos sempre a luz, natural ou de corrente elétrica.


O Farol de Santa Marta, em Cascais, continua a brilhar

Sem luz não haveria a maior parte, senão todos, os géneros de vida que conhecemos. A começar pela luz do sol e das estrelas que nos proporcionam o aquecimento, a luminosidade, a transmissão de fotões e de ondas necessárias ao desenvolvimento físico e comunicacional. “O sol [como quem diz a luz] quando nasce é [ou deveria ser] para todos”. 

Se a luz natural ou artificial nos chegar fraca ou obscurecida, o que acontece devido a atentados, guerras e poluições; a qualidade de vida e a própria vida ficam em risco. O aproveitamento da luz do sol como gerador elétrico pode evitar as energias poluentes e não renováveis.


Antigo abrigo do relé de telecomunicações entre Lisboa e Porto, próximo da Ota

Com a introdução dos novos condutores e equipamentos, a luz e as tecnologias de transmissão e comunicação são largamente utilizadas, desde os cabos de fibra ótica, até à receção em ecrãs, plasmas, monitores, visores, onde os fotões e eletrões são captados.

As tecnologias baseadas na luz, evocadas no Ano Internacional 2015, são imensas e aplicadas na geração, transporte e acumulação de energia que é, também, fonte de luz. Existe uma miríade de equipamentos e acessórios relacionados com a luz, força motriz, iluminação, comunicação, captação de fotos, radiografias, raios X e ressonâncias eletromagnéticas, entre outros.

 
Mostra de fibra ótica

As telegrafias aéreas ou visuais com os instrumentos de ótica começaram o seu percurso nos finais do século XVIII. Porém, quando são inventadas as telegrafias elétricas, a luz (transmissão de fotões e eletrões) não deixa de estar presente, antes reforça a sua presença, através de fios e cabos, ou através do espaço radioelétrico.


Fundação e Museu EDP na antiga central geradora de Lisboa

Com tudo isto, não deixa de ser enigmático mesmo à luz dos conhecimentos de hoje, a quantidade de informação e velocidades conduzidas pela fibra ótica.

A sigla «AIL2015 [ou em inglês] IYL2015» já não nos deveria ser estranha neste final de ano 2015. Contudo a escassa divulgação não tem correspondido à importância do evento. A UNESCO fez o seu papel, não esqueceu o tema, considerando-o da maior relevância, por isso, com a devida antecedência, em 20 de dezembro de 2013 na 68ª Sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas proclamou o ano de 2015 como o Ano Internacional da Luz e das Tecnologias Baseadas em Luz (International Year of Light and Light-based Technologies – IYL 2015 (3).


Fundação Portuguesa das Comunicações, Museu e Casa do Futuro

Foi com muito agrado que vimos a informação de que o Museu dos CTT de Macau (criado ainda pela administração portuguesa) aderiu ao programa de divulgação/exposição do Ano Internacional da Luz e das Tecnologias Baseadas em Luz. O Museu dos CTT de Macau está de parabéns. Por aqui, pela Europa e pela lusofonia, a luz, nas suas várias interpretações, parece andar algo arredada da imprensa, arquivos, bibliotecas e museus.

Que a luz e as suas tecnologias passem a ser objeto de maior atenção, como setor promissor para o futuro da humanidade. Com o ensejo de que as comemorações e as aplicações práticas do Ano Internacional se prolonguem para lá de dezembro de 2015 e que apostem no futuro.

Tags: Ano internacional da luz, cultura da luz, cabo de fibra ótica, ótica na medicina, ótica na exploração do espaço, ótica nas telecomunicações, luz e fé, luz e religião

Notas:


(2)CAMÕES, Luís de – Os Lusíadas, Canto V:18,1


Fontes:

-ANCIÃES, Alfredo Ramos -  alma e luz de carnide – Lisboa: Apenas Livros, 2013

-ARAÚJO, António de Sousa - O Santuário da Luz – glória de  Carnide. Braga: Livraia Editora Pax Ldª, 1977;  

 Em linha, acedidos em 23.9.2015

ANCIÃES, Alfredo Ramos - A Telegrafia não-elétrica e o luso contributo de Francisco António Ciera - http://museologiaporto.ning.com/profiles/blogs/30-a-telegrafia-tradicional-n-o-el-trica-e-o-luso-contributo-de

ARAÚJO, António de Sousa ; FRAZÃO, Fernanda – Nossa Senhora da Luz, de Carnide -  http://www.lendarium.org/narrative/nossa-senhora-da-luz-de-camide/?tag=2225






-Museu das Comunicações: Correios de Macau - http://macao.communications.museum/por/main.html

-Sobre o Ano Internacional da Luz 2015 - http://ail2015.org/index.php/ail2015/

terça-feira, 8 de setembro de 2015

52.ALÔ CARNIDE ALÔ LISBOA: APROVEITE AS FESTAS E FEIRA TRADICIONAL DE NOSSA SENHORA DA LUZ

      Carnide é uma freguesia do concelho de Lisboa, situada a noroeste da capital, junto a Benfica, S. Domingos e Lumiar. Outrora considerada termo da capital e com ela relacionada como zona agrícola de quintas, palácios e conventos.

Animação no Largo da Luz, setembro de 2015
 
Parte de antigas funções cessaram mas podem ainda ser sentidas a partir das azinhagas, quintas, celeiros arqueológicos, igrejas, casario tradicional, exibições de marchas, folclore e teatro.  

O nome de Carnide vem, possivelmente, do Celta(1). Segundo os estudos do professor Luís Ribeiro Soares em História das Mentalidades do Pré-clássico à Idade Média, antes da Idade de Cristo já havia uma zona da Europa chamada Estrímnia ou Oestriminis (do grego = extremo oeste), referida por Estrabão, geógrafo, historiador e filósofo turco de ascendência grega.

 Imagem na Igreja de Nossa Senhora sobre o 550 aniversário do milagre da luz
 
Na Estrímnia foram detetadas culturas diversas, mas com pontos comuns, entre as faixas que envolviam territórios da zona mediterrânica e atlântica, nomeadamente a Península Ibérica, Bretanha Francesa, Grã-Bretanha e Ibérnia, atual Irlanda (SOARES: 1984/1985). Nestas faixas de influência marítima desabrocharam culturas celtóides. Estas culturas revelam-se, também, em Carnide, Lumiar e Odivelas onde existe uma coroa de referências pagãs comuns (MORAIS: 2011) prosseguidas e em parte modificadas pela religião, ou religiões: dos Templários, Espírito Santo, Ordem de Cristo/Catolicismo e Maçonaria.

Nesta faixa territorial a noroeste de Lisboa existe ainda a Igreja de São João do Lumiar (ligada ao culto dos Templários) e de Santa Brígida que se presume de origem celta, também associada ao fogo e à luz (há quem diga que era uma deusa) cujas marcas permanecem na arquitetura e nas relíquias devocionais da igreja.

     Em Carnide, no Largo da Luz, desenvolveu-se um centro religioso e uma feira que prevalece na atualidade, durante o mês de Setembro, com diversos produtos, desde: louças variadas (a preços incríveis), vestuário, utilitários para casa, ferramentas, animação e restauração.

A boa cozinha, desde o largo da Luz, estende-se a diversos restaurantes no Centro Histórico, onde servem: O Naco na Pedra e a picanha, o cabritinho, as migas alentejanas, a posta mirandesa, polvo, besugos, mexilhões, bacalhau, cherne e pargo. Para sobremesa, o folhado de Carnide, sericaia, pudim abade de priscos, doce de abóbora, entre vários outros pratos. 

    Aproveite para rever, no casco histórico, várias imagens que serviram de cenário à novela “Poderosas”. O sucesso desta novela deve-se também aos pormenores captados em Carnide.

Interior da Igreja da Luz
A nível de assistência religiosa pode encontrar aconchego em vários locais, nomeadamente nas Igrejas: de Nossa Senhora da Luz, Antigo Seminário da Luz ou dos Franciscanos, São Lourenço, Nossa Senhora de Fátima (Bairro Padre Cruz) e nas Capelas de: Santa Teresa - Confraria de S. Vicente de Paulo, Nossa Senhora das Descobertas (Centro Comercial Colombo), Irmãs Hospitaleiras do Sagrado Coração de Jesus, Irmãs do Bom Pastor e Hospital da Luz.

No mês de Setembro pode visitar a fonte antiga e ex-ermida que estão sob a atual Igreja, por sua vez associadas à lenda, ou milagre de Pedro Martins. Se necessitar peça informações na sacristia. Durante cerca de um mês, Pedro Martins, que fora aprisionado, possivelmente por piratas na costa algarvia, ou marroquina, teve visões de uma Senhora resplandecente de luz, a partir do cárcere em Marrocos. A Senhora disse a Pedro Martins que o libertaria das amarras e o faria chegar a Carnide onde deveria procurar no bosque, hoje Largo da Luz, uma imagem.

     Rezam as crónicas que o vidente chegou milagrosamente a Carnide e procurou logo, em 1464, construir a ermida pedida pela Senhora, para acolher a imagem que se encontrava escondida, junto à fonte.

 Lago no Largo da Luz envolvido pela festa e feira
O episódio de Nossa Senhora da Luz e do milagre foi primeiro relatado por Frei Roque do Soveral (natural de Sernancelhe / Terras do Demo) em 1610. Desde 1464 as memórias correram de boca em boca paralelamente ao desenvolvimento do culto. Seguiu-se a construção de um novo complexo religioso e de assistência aos pobres. Trata-se do santuário de Nossa Senhora da Luz – Infanta D. Maria, com Hospital (hoje Colégio Militar) cuja primeira pedra foi lançada em 1575. A conclusão ocorreu em 1610.

Consta que no corpo central da igreja existiam figuras alusivas ao cidadão e vidente Pedro Martins com as algemas que trouxera do cárcere. Infelizmente o grande terramoto de 1755 destruiu esta iconografia, bem como grande parte do templo. Este templo acabou por ser reconstruído, mas apenas na parte da capela-mor e do transepto. Contudo, restam várias pinturas em estilo moderno/maneirista, incluindo o painel central do retábulo-mor, onde figura Pedro Martins.

 Imagem da fonte interior da ex-ermida sob a atual Igreja de Nossa Senhora da Luz
A estatuária da igreja também merece uma visita, bem como a pintura do lado esquerdo do transepto onde figura o retábulo de São Bento com um retrato de D. Manuel I e da sua filha, Infanta D. Maria, a célebre namorada platónica de Luís Vaz de Camões. Esta infanta que patrocinou o complexo da Luz, também ali se encontra sepultada em campa rasa, conforme à sua vontade.

Há ainda quem recorra a este santuário e fonte para curas de pele e da vista. As visitas a Carnide são muito confortáveis para o corpo e a alma, juntando referências do melhor de dois mundos, o moderno e o tradicional. Setembro é o mês de excelência, não perca uma visita, sobretudo ao Largo da Luz onde se realiza a feira e animação.


Pormenor do vasto painel azulejar de José de Guimarães
      Este complexo – Santuário de Nossa Senhora da Luz e Hospital anexo - deu origem ao nome Estádio da Luz, bem como a diversa toponímia no envolvimento. Se o leitor não é do Benfica e não é encarnado, delicie-se com outras cores e outros patrimónios da freguesia, desde o vasto e significativo conjunto azulejar, junto à estação do Metro e Igreja de São Lourenço. Esta banda iconográfica de José de Guimarães é muito representativa da história e do espírito que Carnide sugere, também a partir do próprio significado etimológico da localidade (cf. ANCIÃES: 2013).

 Portal da ex-ermida e fonte de Nossa Senhora da Luz
      O traçado urbano e de caraterísticas rurais, como as antigas azinhagas, a arquitetura e a tradição têm aqui os seus atrativos. Viu-se recentemente nas gravações para a novela da SIC “Poderosas”; Vê-se nas várias Marchas de Carnide, na festa e na feira de Nossa Senhora da Luz, especialmente durante o mês de Setembro. Carnide espera por si. 

 Tags: Carnide, Lumiar, Odivelas, Marrocos, Pedro Martins, Nossa Senhora da Luz, São João do Lumiar

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 (1)O prefixo Car = pedra; lugar onde existe pedra, com a qual se edificaram construções. Há contudo mais explicações para a origem do nome.

Fontes:

-ANCIÃES, Alfredo Ramos – Alma e Luz de Carnide. Lisboa: Apenas Livros, Ldª, 2013

-ARAÚJO, António de Sousa – O Santuáriod a Luz – Glória de Carnide. Braga: Livraria Editora Paz Ldª; Paróquia de Carnide, 1977

-MORAIS, Gabriela – Lisboa Guarda Segredos Milenares: Santa Brígida, Uma Deusa Céltica no Lumiar. Lisboa: Apenas Livros Ldª, 2011

-SOARES, Luís Ribeiro – Anotações de aulas da Disciplina “História das Mentalidades [do pré-clássico à] Idade Média”. Lisboa: Universidade Livre. 1984/1985

-SOVERAL, Frei Roque do – Historia do insigne aparecimento de Nª Srª da Luz e suas obras. Lisboa: 1610

 Em linha

-ANCIÃES, Alfredo Ramos - Comunicação da II visita a Carnide Terra da Tentação Luz e Remissão – post1 -  http://museologiaporto.ning.com/profiles/blogs/35-comunica-o-da-2-visita-a-carnide-passo-i ;

------------ Carnide: Comunicação da II visita com o Grupo de Amigos do Museu das Comunicações - post 2 -  http://museologiaporto.ning.com/profiles/blogs/46-46-carnide-comunica-o-da-ii-visita-com-o-grupo-de-amigos-do

-Celtas, Lusitanos e culturas celtóides -http://textosfixes.blogspot.pt/2010/03/lusitanos_22.html



-Cenários das Gravações da novela “Poderosas” http://sicblogue.blogs.sapo.pt/as-poderosas-em-gravacoes-com-fotos-2062754

-Hispânia (Península Ibérica) - http://espanhaglamour.blogspot.pt/2008/10/hispnia.html

-Hispânia Ulterior e Citerior ou o extremo Oeste do Mundo Antigo


-Pré-Celtas, Celtas ou Oestriminis (“Extreme West”) - https://pt.wikipedia.org/wiki/Lugar_das_Pedrinhas


-SILVA, Bruno dos Santos – Introdução aos Estudos sobre a Geografia de Estrabão http://www.fflch.usp.br/dh/leir/marenostrum/marenostrum-v1-2010/marenostrum-ano1-vol1-p71-83.pdf