Palavras-chave:
acompanhamento, fratrimónio,
gratidão, memória, sociomuseologia, plenitude, solidão
001.Taninha
cinzenta e de olhos verdes na parede do seu quintal
Hoje venho falar de gratidão. Pode-se / deve-se ser grato em situações diversas. Agradecer
nunca é demais, mesmo que tenhamos dado mais do que recebido. Ser grato é
reconhecer na outra parte a bondade. Assim procedendo com este espírito, não
haverá espaço para guerras, violências, misérias e desigualdades gritantes.
002.No hall de entrada da casa de campo
Em
sexta-feira 31.03.2017 chega o dia da plenitude. Taninha fica, oficialmente, registada com
este nome no dia da sua entrega total. O registo foi o da única e última consulta que teve na vida, seguida imediatamente do
processo de adormecimento perpétuo. É certo que a batizei com este nome Taninha
e assim a chamei durante 11 anos (a
primeira capicua numérica que conheço). Taninha partiu com cerca de 16 anos de
vida.
Até aos
cerca dos seis, os protetores não lhe deram um nome. Era apenas a gata. Por
motivos da partida do seu primeiro protetor resolvi acompanhá-la mais de perto
e dar-lhe um nome - Taninha, diminuitivo afetivo derivado de Antoninho, em memória
do seu primeiro protetor.
003.No combarro, junto a um teto de cabanal
É certo
que fiz centenas de fotos à Taninha: na rua, na casa de campo, no quintal, nas
árvores, para onde subia quando jovem, sobre os muros, em cima da estrutura elevatória
duma bomba de tirar água, na terra, entre as flores; a descansar, a dormir,
etc. e cada uma dessas fotos tem o nome digitalizado de Taninha; mas a única e, simultaneamente,
última vez que alguém, de forma burocrática escreveu o seu nome foi no Hospital
veterinário de Fernão Ferro, onde imediatamente entraria em dormição ab eterno.
004.Com o filho aos quinze dias de vida
A médica assistente
decidiu que era justo pormos a guerreira (no bom sentido de luta na vida) desligada
do padecimento.
A
guerreira sofreu muito no último ano de vida. Primeiro, pelo relativo abandono,
após o seu segundo protetor ter ficado impossibilitado de a acompanhar, por
motivos de saúde. Porém, nunca faltou alimento a Taninha; no entanto aprendi aqui
que a solidão dói e mata. Juntou-se a esta solidão os anos de vida e a não assistência
médica. Mal informados e não suficientemente sensibilizados de que os gatos
intermitentemente de quintal, de rua e de casa, também precisam de assistência.
005.sobre
um monte de cavacos
Taninha
não era da minha responsabilidade, nem “propriedade”, apenas no campo moral; contudo,
além de a acompanhar durante anos, mesmo morando à distância de 50 km, não pude
deixá-la entregue à agonia até ao fim. No sentido que aprendi e reforcei com o
estudo e formação em sociomuseologia, não descarto o conceito de fratrimónio(a) da relação natureza-homem
; natureza-animal, isto é da mútua entrega entre o homem e as espécies:
bichos/aves/animais, ou mesmo espécimes do reino vegetal.
Aprendi que bichos/aves/animais não agem apenas por puro interesse pela sobrevivência alimentar. Poderia referir aqui vários exemplos. Apenas aponto um caso referente à Taninha. Comparecia sempre quando ia vê-la, entre intervalos de cerca de duas semanas. Ouvia o carro, reconhecia o trabalhar e aparecia sempre: vinha do seu descanso, de qualquer sítio em que se encontrasse: na rua, casa, quintais. Sei que não comparecia exclusivamente pelo comer porque não lhe faltava boa alimentação prestada por um vizinho.
Aprendi que bichos/aves/animais não agem apenas por puro interesse pela sobrevivência alimentar. Poderia referir aqui vários exemplos. Apenas aponto um caso referente à Taninha. Comparecia sempre quando ia vê-la, entre intervalos de cerca de duas semanas. Ouvia o carro, reconhecia o trabalhar e aparecia sempre: vinha do seu descanso, de qualquer sítio em que se encontrasse: na rua, casa, quintais. Sei que não comparecia exclusivamente pelo comer porque não lhe faltava boa alimentação prestada por um vizinho.
006.em cima
duma mesa de quintal
Taninha
partiu sexta-feira, dia 31.03.2017. A jovem médica veterinária que a assistiu foi de
uma humanidade inultrapassável.
Pergunta-me
se quero assistir ao processo de “dormição”. Ou se quero passar para a sala de
espera, até que o facto esteja consumado. Digo-lhe que quero assistir a tudo,
não por sentimento mórbido. Passa-me pela ideia de que a Taninha prefere que
não a abandone no momento culminante.
007.em cima
da bomba do poço
Assim
foi. Resolvi partilhar a agonia e a despedida até ao último segundo.
Imediatamente antes da dormição Taninha mia 3 vezes. Não é habitual miar e não é
um miar aflitivo é, em meu entender, uma mensagem de que está
a comunicar o carinho e agradecimento naquele momento; que não é de pura finitude.
É um momento de culminação da plenitude, entre o que Taninha deu e sofreu.
Analisado
à luz da filosofia cristã, lembro um mestre que tive nos anos 80, o Prof. Doutor de História das
Mentalidades da Idade Clássica e Média - Luís Ribeiro Soares. Num determinado dia
o mestre profere o seguinte pensamento que me marca: “o neo-platonismo é um cristianismo,
ou vice-versa". Aprofundando o pensamento cheguei à conclusão de que é no sinal mais (+) do Cristianismo que se baseia
o sentido pleno do sofrimento, aquele que não está em nossa vontade contrair ou
evitar mas que é redentor.
008.em cima
duma estrutura elevatória de água
Acredito
na fé.,passe o pleonasmo, não só por motivos práticos e úteis de vida. Em conclusão,
sem fé, provavelmente, não teria acompanhado a Taninha até ao último degrau do
seu calvário. OBRIGADO também Taninha por tudo o que me deste. Repousa agora as tuas cinzas no lugar que te preparei.
…………………
(a)Fratrimónio é a
“partilha do aqui e agora”, como sintetiza, e muito bem, o
museólogo, presidente do MINOM – Movimento Internacional
para uma Nova Museologia - Mário de Sousa Chagas. É fratrimónio,
em meu entender, a doação daquilo
que cada parte presta ou comuta com a outra. Não importa se a outra parte é nosso semelhante
ou se é uma entidade, sensível e sensitiva, como é o caso dum felino.
Só almas nobres conseguirao perceber o que aqui está escrito.
ResponderEliminarBem haja!
Obrigado caro Bartolomeu.
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