terça-feira, 21 de março de 2017

134.TELEFONE VIA SATÉLITE PORTUGUÊS CONTRIBUI PARA O NASCIMENTO DUMA NOVA NAÇÃO E UM NOVO ESTADO



Crédito imagem 001: Diário de Notícias, 13.12.2015, p. 36-37; também disponível em http://www.dn.pt/mundo/interior/o-telefone-portugues-que-ajudou-a-bosnia-a-nascer-4927279.html, aced. 21.3.2017

Gentileza da imagem 002: Fundação Portuguesa das Comunicações, encontrando-se esta peça no
Museu das Comunicações.

    Nota de contexto: A República da Bósnia-Herzegovina nasce nos anos 90`após uma feroz guerra civil de cariz étnico, político e religioso. O colapso do comunismo na URSS e Europa de Leste leva ao enfraquecimento, queda de regimes e poderes. Com a morte do marechal Tito da Jugoslávia, em 1980, os sentimentos e as tensões nacionalistas começam a vir ao de cima.
    Uma década após, em 1990, Slobodan Milosovic, representante sérvio, trás a terreiro, a ideia e proposta da restauração da Grande Sérvia. Esta ideia, como é evidente, implicaria a conquista de territórios e a subjugação de povos. Em casos extremos, foi tentada e, em parte, realizada, uma “limpeza étnica”.

     É assim que nos anos 90` começa a guerra na região da Bósnia-Herzegovina, onde a maioria da população é de maioria muçulmana, em resultado das conquistas pelos Turcos Otomanos, desde o século XV. Em 1992 Serajevo é sitiada por um período que se alonga por quatro anos, tendo sido o cerco mais longo da História Contemporânea, durando até 1996. Não foi uma guerra de somenos importância. Só no dia mais explosivo desses quatro anos, a 22 de julho de 1993, deflagram em Serajevo 3777 bombas, tendo sido a cidade praticamente toda destruída.

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    Posto este contexto, cabe o destaque para o telefone via satélite. É ele que dá origem a esta descrição e à musealização de uma peça chave, hoje no Museu Histórico de Sarajevo. É contudo oportunidade para referir que temos uma peça semelhante no Museu das Comunicações, em Lisboa. Esteve ao serviço da equipa da Radiodifusão Portuguesa, igualmente em teatro de guerra.
    Construída a peça 001 pela empresa Omnitécnica, com sede em Alfragide. O fabricante de um dos primeiros telefones de ligação ao satélite, ao conceber este espécime, nunca terá pensado que o mesmo iria contribuir para o emergir de uma Nação / Estado no espaço europeu.

    Obs: Quanto à peça 002 não podemos, por ora, confirmar se também foi construída em Portugal.

    Tecnologia utilizada entre o deflagrar de bombas ao redor de Sarajevo na primeira metade dos anos 90´. O percurso leva a peça 001 ao gabinete do membro da presidência da Bósnia, Ejup Ganic. Durante meses este telefone permite o contacto do Poder com o exterior, sendo mesmo a única forma disponível de comunicação à distância.

    Este telefone conserva uma legenda atestando a presença portuguesa naquelas paragens: «property of the portuguese government”, atesta, pois, a propriedade original.

    O professor Ejup Ganic é atualmente um homem mais tranquilo do que nos anos 90` mas nem por isso menos ocupado. Trata-se do reitor da Universidade de Sarajevo. Disponibilizou-se para falar da história do telefone que lhe ajudara a salvar a vida e a conquistar o território da nação bósnia. Ao ser entrevistado pelo jornalista José Fialho Gouveia do Diário de Notícias - o professor não hesita em responder:

    «Esse telefone por satélite desempenhou um papel histórico. Foi absolutamente determinante a vários níveis. Depois dos sérvios terem bombardeado o edifício dos correios e de cortarem as vias de comunicação, foi o nosso único meio de contacto com o exterior».

    Após muitos sacrifícios a Bósnia-Herzegovina foi admitida na ONU em 1992. Contudo «[…] obrigou a uma grande campanha diplomática, implicou falar com muitos países. Todos esses contactos fiz através do telefone português. No fundo foi a chave para a nossa admissão nas Nações Unidas. Teve um papel histórico na independência da Bósnia […].
    O inimigo não sabia que nós tínhamos o aparelho […]. Foi através dele que negociámos a compra e a entrada de muito material de guerra e de bens de primeira necessidade […]».
    Este telefone português também serviu para reunir famílias que, com a guerra, se haviam disperso. «As pessoas […] choravam quando ouviam as vozes do outro lado [...]. Sim, o telefone foi muito importante a nível diplomático, mas também numa dimensão humana […]. A minha mulher e os meus filhos tinham saído de Sarajevo e estavam em Génova, em casa de uma tia. Foi através [do telefone português] que tive possibilidade de comunicar com eles. Em tempo de guerra e nas condições em que vivíamos, foi de uma importância determinante a nível psicológico».

    Entretanto Ganic perde o rasto ao telefone. Certo dia, questiona-se sobre o destino desta peça, absolutamente referencial e essencial, como testemunho da luta para a nova nação Bósnia. Numa outra ocasião Ganic tem a felicidade de voltar a contactar com o telefone quando faz uma visita aos monitores portugueses em missão da CEE em Serajevo. Os perigos ainda não tinham passado e Ganic com receio de que o Exército sérvio viesse novamente a constituir séria ameaça aos bósnios, envia dois colaboradores para «confiscar o telefone». “Dei-lhes um recibo para entregar aos militares portugueses. No fundo era um documento que lhes permitiria justificar o facto de terem deixado para trás o telefone. Eles já estavam a fazer as malas para ser irem embora, quando os meus guarda-costas foram lá e trouxeram o aparelho”.

    Neste aparte há uma certa discordância entre o que alega Ganic e os técnicos portugueses. Diz José Trigueiros da missão portuguesa. «Estávamos sitiados num território controlado pelos sérvios e nessa altura os combates já eram ferozes. De certeza que foi um de nós a ir entregar o aparelho. É possível que tenha sido o tenente-coronel Soares dos Santos, mas que infelizmente já morreu. O que me recordo é de eu próprio ter escrito um papel em inglês para que eles pudessem trabalhar com aquilo».

    Joaquim Cuba, técnico da missão portuguesa recorda as suas memórias: «Palavra de honra que muitas vezes me pergunto que seria feito desse telefone […] confidencia num café junto ao Tejo, em Vila Nova da Barquinha, a terra onde hoje vive e acrescenta: “[…] não fazia ideia que estava num museu.»”

    Em 1995 com os Acordos de Dayton a paz chega à Bósnia-Herzegovina – Nação que ressurge e Estado que nasce com a ajuda do telefone satélite português. Esta peça patrimonial de excelência faz parte do acervo do Museu Histórico de Sarajevo.

Palavras-chave: Bósnia-Herzegovina, património museológico de telecomunicações, telefone via satélite


Fontes:

-GOUVEIA, José Fialho (jornalista do D.N. em Serajevo); GANIC, Ejup; BALTIC, Selma (intérprete) – “O telefone português que ajudou a Bósnia a nascer”. Diários de Notícias, 13.12.2015 ; também disponível em -
Outros documentos em linha, acedidos em 21.3.2017 -
-PORTO EDITORA Infopedia “Bosnia-Herzegonina” https://www.infopedia.pt/$bosnia-herzegovina
-WIKIMEDIA et al – “Federação da Bósnia-Herzegovina” https://pt.wikipedia.org/wiki/B%C3%B3snia_e_Herzegovina



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