No
século VIII a.C.
já se fazia uso de cristais naturais que permitiam ampliar a visão.
No século X, há cerca de mil anos, o
Árabe Ibn al-Haytham escreve um
tratado em sete volumes sobre a ótica e a luz. Estamos, pois, nos alvores da
ciência que levará até ás telegrafias e telecomunicações modernas.
No
século XIII
começa a utilização de cristais moldados / lapidados, permitindo aumentar a
visão e a nitidez dos objetos usados como sinais. Daí aos telescópios (do grego
"tele" = ao longe + “scopio” = observar) por vezes
também designados teodolitos, monóculos, óculos, foi um crescendo na evolução
do aperfeiçoamento e do conhecimento das tecnologias óticas (1).
…(1)Atente-se que na atualidade
estão a ser desenvolvidas centrais produtoras de energia, nomeadamente pela empresa
portuguesa Magpower “[…] usando uma lente que concentra a energia numa pequena célula
a partir da qual é produzida eletricidade”. As fontes para este desenvolvimento
têm, pois, que ir buscar-se, imagine-se, à Idade Média dita por alguns “idade do
obscurantismo”! (cf.Expresso, cad. economia, 04.03.2017)
No século XVII, nomeadamente em 1608,
aparece o nome do neerlandês Hans
Lippershey que se torna, não num simples artesão de peças
únicas, mas sim num "fabricante" de lentes de peças em série; na
altura concebidas para fins bélicos, antes mesmo da adoção à astronomia e às
telecomunicações.
Logo a seguir (cª 1609) aparece o nome
de Galileu Galilei
utilizando estes instrumentos visuais adotados na astronomia. Daí em diante o
uso das lentes de aumento é uma realidade.
No
século XVIII esta tecnologia usada para
ver/espreitar/espiar ao longe, desperta cada vez mais curiosidades. Porém, até aqui, estamos no
domínio praticamente exclusivo da receção.
Ora receber, não é o mesmo que telegrafar/comunicar. Recebendo apenas, estamos
só, a captar sinais. Não há "feedback", isto é, não temos uma "reação"
/ resposta e contra-resposta. Não estamos, pois, no terreno da comunicação,
embora possamos estar perante os pronúncios da comunicação à distância.
Neste século
XVII, em que a ciência desperta com mais intensidade, eis que surge uma das
personalidades precursoras do telégrafo. Trata-se do físico e astrónomo inglês
– Sir Robert Hooke,
que no século XVII terá sido “le
premier à faire un exposé clair et cohérent de la télégraphie visuele (dans un
discours prononcé en 1684 à la Royal Sociéty […]” (2).
…(2)O sublinhado é nosso;
Sobre Robert Hook: Du Sémaphore au
Satellite. Ed. L` Union International des Télécommunications. Genève,
1965, p 11. V. ainda https://en.wikipedia.org/wiki/Robert_Hooke : “He [Robert Hook] built some of the
earliest Gregorian telescopes
and observed the rotations of Mars and Jupiter [...] He investigated the
phenomenon of refraction, deducing the wave theory of light,
[...]”.
Robert
Hooke chega a apresentar vários detalhes das suas experiências.
Contudo,
era ainda cedo para pôr em funcionamento um telégrafo. Ninguém fazia ideia da
aplicação que viria a ter a telegrafia organizada, e a sociedade também não
estava preparada para inventos que, na altura, pareciam mais curiosidade
particular do que hipotéticos recursos com aplicação prática na Sociedade.
Nos finais do século XVIII, em França
surgem os telégrafos visuais (não-elétricos) dos irmãos Chappe auxiliados
pela óptica.
Quando
a França, pós 1789, necessita de comunicações rápidas e seguras, estando
cercada das forças que se opunham à Revolução, tais como: a Inglaterra, Países
Baixos, Prússia, Áustria e Espanha, essa situação incentiva o abade Claude Chappe com o
auxílio de seus irmãos, a dedicar-se, a partir de 1790, à tarefa de conceber e
experimentar o telégrafo que fica conhecido pelo nome desta família.
Em 1794 Claude
Chappe obtém autorização para instalar uma rede de equipamentos relativos ao
seu invento. A primeira notícia que se lhe refere designa-o por “télégraphie aerien” (telegrafia aérea)
(3). Essa notícia é
publicada na Gazeta Nacional de Paris (24.3.1792).
…(3)Telegrafia visual no
sentido da transmissão e recepção de sinais vistos à distância, entre postos transmissores
e retransmissores.
Um
sobrinho de Claude Chappe apresenta o invento à
Assembleia Legislativa, evidenciando as vantagens do sistema. A Assembleia
examina este novo serviço de telecomunicação e conclui na sessão legislativa de
1.4.1793, do seguinte modo:
“Dans
tous les temps, on na senti la necessité d`um moyen rapide et sûr de
correspondre à de grandes distances. C`est surtout dans les guerres de terre e
de mer qu`il importe de faire connaître rapidement les événements [et…] de
transmettre des ordes […]» (4).
…(4)ETENAUD, Alfred – La Télégraphie
Électric. Montpelier: Centrale du Midi, Ricateau, Hamelin et Cie., 1872, p. VII
As
circunstâncias, em França, urgem para uma tomada de posições de defesa e de
recurso de novas técnicas aplicadas na guerra. No contexto de pressão das
potências europeias à França revolucionária que ameaça as legitimidades
monárquicas, aprova-se a entrada em serviço de uma rede de telecomunicação com telégrafos visuais, também conhecidos
por telégrafos semafóricos, telégrafos aéreos e telégrafos ópticos, dependendo da forma com que se analisam as tecnologias
constituintes.
Quando,
em 1793, Robespierre e outros dirigentes visualizam a demonstração do telégrafo,
reconhecem nesta tecnologia, o valor potencial do equipamento Chappe na guerra
contra a Grã-Bretanha, a Holanda e a Prússia – e logo no ano seguinte passam a
utilizá-lo (5).
…(5)Cf. READERS`s Digest de Portugal. Lisboa,
1983, p. 312
Os irmãos
Chappe trabalham com devoção no projecto, mas ao cabo
de dois anos, estando já instalado um engenho na praça de L´Etoile, em Paris,
este mesmo engenho é destruído por uma turba, persuadida de que o sistema se
tratava de um meio de comunicação com o rei que, ao momento, se encontrava
detido, dada a situação revolucionária. Os trabalhos não terão parado por muito
tempo, uma vez que temos a indicação de, ainda em 1793 ter sido Claude Chappe
nomeado engenheiro e encarregado de instalar uma cadeia de postos e estações
telegráficas que iriam de Paris até Lille, distando várias centenas de
quilómetros, linha esta inaugurada em 1894, daí a capicua do 222º ano em
2006/2017 que aqui se evoca.
Doravante constroem-se torres próprias e aproveitam-se edifícios altos pré-existentes,
tais como: atalaias, torres de castelos, torres de igrejas, entre outras edificações.
No alto
dessas construções (penso que foi daí que derivou o conceito/designação de
telegrafia aérea) instala-se um poste vertical com uma barra horizontal, à
maneira de cruz, mas movendo-se os braços sobre eixos e acionados
por cordas.
01.Imagens de uma torre, telégrafo e linhas
telegráficas de Claude Chappe
Os
postos da cadeia destes telégrafos, situados numa média de 09 a 12 km, entre
si, possibilitam a receção dos sinais visuais com o auxílio de um monóculo
ou binóculo de aumento, como acima vimos. Penso derivar daí o conceito/designação
de telegrafia ótica.
O
telégrafo visual de Chappe era considerado muito rápido.
«[…] Un
signal a été transmis à Plymouth puis renvoyé (à Londres) en trois minutes, ce
qui pour le traject télégraphic utilisé represente un parcours d`au moins 500
milles. […]. La vitesse de transmission a été de 170 milles à la minute […]
c`est-à-dire […] une rapidité absolument extraordinaire! (6).
…(6)UIT – União Internacional de
Telecomunicações et al. - Du Sémaphore au Satellite, ob. cit., p. 16
Em inícios do século XIX surgem,
em Portugal, os telégrafos visuais inovados por Francisco António Ciera, natural de Lisboa,
com imagens ampliadas por telescópios, também chamados óculos de marinha por
serem utilizados por esta Arma Militar.
04a06.Telégrafos portugueses de Francisco António Ciera
05.Telégrafo português de Francisco António Ciera sobre a Torre de Belém
Existe
informação e uma miniatura do telégrafo visual de Claude Chappe na Fundação
Portuguesa das Comunicações; porém, tudo indica que o mesmo não foi adotado em Portugal.
A
França napoleónica invade Portugal por três vezes, sendo que na primeira (1808)
chegam mesmo a estabelecer um Governo em Lisboa, onde publicam leis. Poderiam
os invasores ter pensado em introduzir o sistema telegráfico mas, uma vez mais, não me parece
que o tenham feito. Uma das razões deve ter sido a dificuldade de trazerem e/ou
construírem pesadas estruturas durante as campanhas.
Tratou-se,
porém, ao que penso, de um erro grave para o lado francês. Esta distração dos
franceses, em relação a Portugal, terá contribuido para a
derrota inesperada.
Com mais visão técnica, ingleses e portugueses adotaram,
por altura da terceira invasão, mais que um sistema telegráfico. Dois ou, quiçá, três sistemas
portugueses, inovados ou inventados (depende da abordagem) são introduzidos como alternativos aos telégrafos ingleses. Os
telégrafos portugueses de Francisco António Ciera são mais leves e a transmissão
e receção dos sinais faz-se com mais facilidade e mais rapidamente. Logo,
acabam por ser preferidos.
Em
conclusão, as guerras da França com outros países aguçaram o engenho das
tecnologias de comunicação. As forças francesas acabam por se revelar mais vulneráveis, por serem constituídas,
essencialmente de unidades móveis, contra diversas posições de carácter fixo,
ou relativamente fixo.
Porém, verifica-se
que as lutas de confronto físico direto começam a ser, progressivamente, de combate à distância.
As comunicações militares também acompanham esta filosofia. O combate face-a-face começa a ficar obsoleto, perante novas armas e novas comunicações.
Não
deixa de ser irónico: A França que mais se destacara, construindo as primeiras
redes de telecomunicações, dignas deste nome, e a primeira linha de grande
extensão de Paris a Lille (inaugurada em 1894), começa a ser derrotada em
Portugal com o auxílio também das telecomunicações, entretanto
desenvolvidas, nomeadamente pelos telégrafos portugueses, mais leves e mais
fáceis de operar.
Palavras-chave: luz, ótica, telegrafia semafórica, telégrafo Chappe, telégrafo de Ciera, telescópio.
Fontes:
Imagens: 01.in sítio indicado; 02 a 4 fotos obtidas na expo em referência; 05.gravura gentileza do CDI da Fundação Portuguesa das Comunicações;
-ANCIÃES, Alfredo Ramos – Investigação e Organização da
Telegrafia do Museu dos CTT. Seminário de Biblioteconomia e Arquivologia.
Lisboa: Universidade Autónoma de Lisboa – Luís de Camões, 1987/1988, 85 pp.
-ANCIÃES, Alfredo Ramos – “Ciência em capicua 222: Os
exemplos dos telégrafos de Claude Chappe e do português Francisco Ciera” http://cumpriraterra.blogspot.pt/2016/07/087ciencia-em-capicua-222-os-exemplos.html
-ANCIÃES, Alfredo Ramos – “Patrimónios & Comunicações” in
Colóquio temático promovido pela C. M. Lisboa, et al.: “Utopias na
Viragem do Milénio”, 1999. Também disponível na doc. C.M.L.
-ETENAUD,
Alfred – La Télégraphie Électric en France et en Algerie, Depuis son Origine
Jusqu`au 1er. Janvier 1872 Précedée d`une Notice Sur la Télégraphie Aérienne.
Montpelier: Centrale du Midi, Ricateau, Hamelin et Cie., 1872. Disponível no
CDI da Fundação Portuguesa das Comunicações, Lisboa e também em linha. V.
entrada infra
-VARÃO,
Isabel – Telegrafia Visual: Uma Tecnologia do Séc. XIX? Códice, nº
12. Lisboa: Fundação Portuguesa das Comunicações, 2003, p. 55.
Em linha, acedidas em 06.03.2017
-ADDPCTV, et al –
Uma Figura a Lembrar: Francisco António
Ciera http://linhasdetorres.blogspot.pt/2014/11/uma-figura-lembrar-francisco-antonio.html
-AFONSO, Aniceto (Cor); ALVES, C (MGen); CANAVILHAS, J. Manuel
(Cor); DIAS, J. Martins (Cor); ALVES, J. Martins (Cor); CASTRO, Pinto de (Cor);
FERNANDES, M. Cruz (Cor); SILVA (Sarg) -
História das
Transmissões Militares https://historiadastransmissoes.wordpress.com/category/historia/page/7/
-ANCIÃES, Alfredo Ramos – Telegrafia
Tradicional Não-Eléctrica e o Luso Contrubuto de Francisco António Ciera http://cumpriraterra.blogspot.pt/2015/01/30-telegrafia-nao-eletrica-e-o-luso.html
-ANCIÃES, Alfredo Ramos – “Mil Anos de Luz” http://cumpriraterra.blogspot.pt/2015/09/53-mil-anos-de-luz.html
-CANAVILHAS, J. Manuel (Cor); O Posto de Sinais
do Monte Brasil, Angra do Heroísmo, Ilha Terceira - https://historiadastransmissoes.wordpress.com/2012/01/31/o-posto-de-sinais-do-monte-brasil-angra-do-heroismo-ilha-terceira/
-CRIATIVE Commons, et al - Telégrafo Óptico de
Claude Chappe https://pt.wikipedia.org/wiki/Claude_Chappe ------- Robert Hooke https://en.wikipedia.org/wiki/Robert_Hooke
-ETENAUD, Alfred – La Télégraphie Électric en
France et en Algerie, Depuis son Origine Jusqu`au 1er. Janvier 1872 Précedée
d`une Notice Sur la Télégraphie Aérienne. Montpelier: Centrale du Midi,
Ricateau, Hamelin et Cie., 1872 https://books.google.pt/books?id=mtYOAwAAQBAJ&pg=PA3&lpg=PA3&dq=Alfred+Etenaud+La+T%C3%A9l%C3%A9graphie&source=bl&ots=og30HCvs8D&sig=SgURRbA4F5kpRIM4VUNKsjFzSWw&hl=pt-PT&sa=X&ved=0ahUKEwjE7uWfxZjOAhXMWxQKHbBdDGUQ6AEIIzAB#v=onepage&q=Alfred%20Etenaud%20La%20T%C3%A9l%C3%A9graphie&f=false
-LIMA, Pedroso (MGen) - A Comemoração dos 250
Anos do Nascimento de Francisco António Ciera em 2014 https://historiadastransmissoes.wordpress.com/2015/10/28/a-evolucao-do-conhecimento-da-telegrafia-otica-na-ultima-decada/
-METRONEWS,
et al - 250.º Aniversário do Nascimento de Francisco Ciera Está
a Ser Comemorado em Torres Vedras, promovido pela C. M. Torres Vedras et
al. http://www.metronews.com.pt/2013/10/01/250-o-aniversario-do-nascimento-de-francisco-ciera-esta-a-ser-comemorado-em-torres-vedras/
-UIT União Internacional de Telecomunicações;
MICHAELIS, R. Anthony; GROSS, Gerard C. et al – Du
Sémaphore au Satellite. Genève, 1965; disponível também em linha - http://www.itu.int/dms_pub/itu-s/oth/02/0B/S020B0000094E24PDFF.PDF
-UNICAMP. Br et al – Semáforo
Óptico de Claude Chappe http://www.dsif.fee.unicamp.br/~moschim/cursos/history/chappe.htm
Sem comentários:
Enviar um comentário