terça-feira, 20 de dezembro de 2016

117. PORTUGALIDADE: RELAÇÃO COM PATRIMÓNIOS CULTURAIS E ASSISTENCIAIS

Quando D. Afonso Henriques chega a Lisboa, em 1 de julho de 1147, o rei tem já importantes feitos na sua história, em prol de um reino independente, fora da órbita leonesa de pendor centralista.
Reconstituição imagem com assinatura do Tratado de Zamora in TORRÃO, Cristina -  http://andancasmedievais.blogspot.pt/2011/05/tratado-de-zamora.html
Afonso nasce no ano de 1109. Não se sabe ao certo se viu a primeira luz do dia em Guimarães, em Coimbra ou em Viseu. Morre em 1185 com a proveta idade de 76 anos, caso raríssimo na época. Os seus restos mortais encontram-se na igreja do mosteiro de Santa Cruz de Coimbra.

Perde o pai aos três anos de idade. Porém, tudo indica que, desde o berço, sempre fora criado e educado na casa de Egas Moniz, senhor nas terras de Riba Douro e rico-homem que esteve, de alma e coração, a favor da independência de Portugal. Há mesmo algumas teses que consideram Afonso Henriques como sendo filho natural de Egas Moniz.
Segundo algumas memórias documentais, o futuro rei foi criado com o sentimento genuíno das terras portucalenses, sem que o coração hesitasse entre estas terras e as do reino de Leão de onde era natural a mãe de Afonso Henriques.

Aos 14 anos de idade arma-se, a ele próprio, cavaleiro numa atitude de quem não deseja esperar, pelo que a normalidade da vida lhe destinaria, isto é, ser conde, certinho e direitinho, dependente de seu primo Afonso VII e do reino de Leão.
Assim, Afonso Henriques corta com esta normalidade para se tornar independente e, consigo, as terras portucalenses, alargando-as para sul, pela faixa ou orla atlântica.

Entre os vários marcos da sua vida contam-se a batalha contra o partido da sua própria mãe, em São Mamede (1128) ainda com o intuito de se afastar do reino de Leão e da influência do nobre Fernão Peres de Trava, amigo ou amante da condessa D. Teresa, sua mãe.
Certo era que a dupla D. Teresa e o amigo Trava se distanciam da tradicional para-nação de raiz atlântica, ou “Extrímnica”, também dita “Ora Marítima” pelos gregos e romanos (cf. “Ora Marítima” de Rufo Festo Avieno)

Em 1131 Afonso Henriques sobe a Galiza e enfrenta as tropas do seu primo Afonso VII na Batalha de Cerneja, servindo como aviso: de coragem, e organização, tendo Afonso Henriques e as suas tropas portucalenses saído vencedoras.
Perante as insistências de retaliação do seu primo Afonso VII em amarrar Afonso Henriques à vassalagem e dependência, acordam ambos em fazer um torneio em Arcos de Valdevez (1137) para, desta feita, poupar tropas e desastres de guerra maior. Selecionam-se cavaleiros das duas fações (de Afonso Henriques e Afonso VII). Uma vez mais ganha Afonso Henriques.
 
Em Ourique (1139) vence os reis mouros (de Sevilha; Badajoz; Évora; Beja e de Santarém ou de Elvas). Pensa-se inclusive que as cinco quinas na iconografia da bandeira nacional são uma evocação da vitória contra estes cinco reis. A partir deste momento, Afonso Henriques assume com toda a convicção o título de rei.
O 25 de outubro de1143 culmina no sentimento para-nacional portucalense com o Tratado de Zamora onde Afonso Henriques é oficialmente reconhecido como rei perante uma testemunha chave - o cardeal Guido de Vico. (Vide imagem supra).
Segue-se o processo da reconquista aos mouros. Depois da conquista de várias localidades para sul do Rio Mondego, surge a vez de Lisboa.
Entre muitas táticas e negociações para obter apoios, conta-se a ajuda do bispo do Porto que, a pedido de Afonso Henriques, tenta convencer os cruzados vindos do norte em direção à Terra Santa, participando na conquista da cidade olisiponense, dita das sete colinas ou do estuário do Tejo.
A reconquista de Lisboa, apenas por tropas portuguesas, não era nada fácil, pois os mouros ocupavam a Península Ibérica havia mais de 400 anos.
Como bom estratega Afonso Henriques não compromete os seus 7000 seguidores numa batalha contra 15.000 da parte moura, que contavam ademais com uma cerca, considerada quase inexpugnável e com muitos bens armazenados.

Afonso Henriques estabelece conversações com o bispo do Porto, contando com a sua capacidade persuasiva de envolver os chamados cruzados: ingleses, alemães, francos e flamengos, entre outros, recém chegados à Foz do Douro, em número que rondava os 13.000 combatentes.
Dirigiam-se em mais de 160 navios para a Terra Santa, a fim de a libertarem dos turcos, precursores do Império Otomano, que haviam tomado Jerusalém; cidade entretanto limitada/cerceada de liberdades e da visita de peregrinos. Contudo, para lá deste ideal de libertação, verificou-se que os espólios de guerra foram, na altura, motivos conducentes à guerra, quer entre cristãos, quer entre muçulmanos.

O bispo do Porto não terá convencido convenientemente os cruzados na reconquista de Lisboa, de modo que tem de ser o próprio Afonso Henriques nas imediações da cidade da luz e do estuário do Tejo a renegociar o envolvimento e colaboração dos cruzados. Porém, os acordos verbais, a autoridade e a disciplina não se mostraram totalmente eficientes.
Imagem da torre de assalto a Lisboa, 1147. Reconstituição de Roque Gameiro in http://portugalglorioso.blogspot.com/2014/10/25-de-outubro-de-1147-dafonso-henriques.html

Há relatos de incumprimentos da parte de vários elementos dos cruzados no que toca aos espólios e à clemência e proteção perante os vencidos.
Estes procedimentos resultantes da guerra terão contribuído, desde cedo, para a ideia de que era necessária uma instituição capaz de dar apoio aos espoliados, aos caídos em desgraça e aos cativos.

Segundo relatos coevos Afonso Henriques foi contrariado por vários cruzados que inclusivamente chacinaram moçárabes, isto é cristãos que desde as conquistas mouriscas viviam entre a comunidade muçulmana.

Ainda no ano da conquista da cidade, em 1147, Afonso Henriques contribui para a fundação do Mosteiro de São Vicente de Fora, seguiu-se a edificação da Sé de Lisboa; a Ermida de Nossa Senhora dos Mártires (ao Chiado) datada dos primeiros tempos após conquista da cidade, e a reconstrução do templo em honra dos santos mártires de Lisboa (Máxima, Júlia e Veríssimo) em Santos-o-Velho.
A ideia da criação da Ordem da Santíssima Trindade do Resgate (ou da Redenção) dos Cativos, que deu o nome à zona da Trindade, junto ao Bairro Alto terá surgido logo após o início da reconquista e visava o resgate e apoio humanitário aos que caíam na desgraça da captura dos cristãos pelos muçulmanos e, possivelmente, vice-versa.
 
No século XIII/XIV a Rainha Santa Isabel apoia, sobremaneira, os conventos assistenciais através do ágape (1), da piedade e da misericórdia através de organizações ligadas à ordem franciscana.
Estas organizações prosseguem a sua ação até ao século XIX, altura em que são extintos os conventos pelo regime liberal.
Contudo, depois da extinção destes conventos criam-se, no seu encalço e, em parte, em sua substituição, vários institutos, não só com a colaboração da Igreja, mas também com a preciosa colaboração da Santa Casa da Misericórdia.
Hoje em dia, estas instituições continuam a ser fundamentais para a ajuda à coesão social e a uma sociedade de vida com menos desigualdades.
…………….

(1) Do grego, “amor, doação incondicional”. Esta forma de doação foi especialmente exercida em nome da devoção ao Espírito Santo, ou Santo Espírito, onde: franciscanos, o frei Joaquim de Fiore, a rainha santa Isabel de Portugal e seu marido, d. Dinis, estiveram envolvidos, pelo exemplo e por testemunhos que passaram para a posteridade, com exemplos e práticas de fratrimónios e patrimónios.
Tags: Fratrimónio, Património Cultural, Misericórdias, Portugal, Portugalidade  
Fontes:

AFONSO, A. Martins - Breve História de Portugal: Porto: Emp. Lit. Fluminense, Ldª., s.d.
AMARAL, Domingos – D. Afonso Henriques: Assim Nasceu Portugal II. Alfragide: Casa das Letras, 2016

 
SERRÃO, Joel – Cronologia Geral da História de Portugal. Lisboa: Livros Horizonte, 1980

Em linha, acedidos em 18.12.2016

-ANCIÃES, Alfredo Ramos – “Portugal Independente” http://cumpriraterra.blogspot.pt/2016/07/64-portugal-independente.html 
-CAMALHO, Paulo – “As Mentiras Que Nos Contaram Sobre o Reino de Galiza” http://pgl.gal/as-mentiras-que-nos-contaram-sobre-o-reino-de-galiza/ acedido em 16.12.2016

-CAUSANAC et al. – “Causa Nacional”  http://www.causanacional.net/index.php?itemid=26
MOISÃO, Cristina. – “Histórias de Lisboa Antiga” http://lisboaantiga.blogspot.pt/2012/05/os-hospitais-medievais-de-lisboa.html

-PATRIMÓNIO Histórico e Cultural Santiago do Cacém, et al. - “Ordem de Santiago” [e outras] http://terrasdesantiago.planetaclix.pt/ordsant.htm
TORRÃO, Cristina - “Tratado de Zamora” http://andancasmedievais.blogspot.pt/2011/05/tratado-de-zamora.html

-O Portal da História, et al. - “Primeiro Rei de Portugal” http://www.arqnet.pt/portal/portugal/temashistoria/afonso1.html;

-Wikimedia et al -
-------“Batalha de São Mamede” https://pt.wikipedia.org/wiki/Batalha_de_S%C3%A3o_Mamede ;
-------“Cerco de Lisboa (1147)” https://pt.wikipedia.org/wiki/Cerco_de_Lisboa_(1147)
-------“Egas Moniz, o Aio” https://pt.wikipedia.org/wiki/Egas_Moniz,_o_Aio ;
-------[ Lisboa Histórica e Atual ]  https://pt.wikipedia.org/wiki/Lisboa#Etimologia_e_gent.C3.ADlico
-------“História de Lisboa” https://pt.wikipedia.org/wiki/Hist%C3%B3ria_de_Lisboa ;
-------“Torneio de Arcos de Valdevez” https://pt.wikipedia.org/wiki/Torneio_de_Arcos_de_Valdevez 

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