terça-feira, 1 de maio de 2018

«MAIO DE 68`» RECUPERAÇÃO DAS MINHAS MEMÓRIAS


PASSAGEM «A SALTO» E EPISÓDIO RELACIONADO COM O «MAIO`DE 68»  

 «Se Alfredô sabe nadar têm que lhe pagar a aposta!»

 O meu tio João Frade Anciães, emigrante, veio passar o Natal junto da família. Aproveitei a altura para lhe pedir apoio com vista à realização do meu anseio - Melhoria de condições económicas e conhecer novas terras.

 

(Em frente à Casa do Adro (a Casa que tem a caixa do correio azul) onde nasci, cresci e onde teve lugar o entendimento sobre a passagem a salto e emigração para França)

 

Emigrar era uma ideia que me perseguia desde alguns anos. Esperei, ansiosamente, meses a fio até que apareceu uma oportunidade. Também falei com o meu compadre Antero de Jesus Anciães, que chegara uns dias antes para umas férias. Conversámos, mas a hipótese de ir procurar trabalho junto dele ficou praticamente sem efeito. O meu compadre não tinha residência certa.

-"Andamos de terra em terra e de monte em monte como os ciganos, a plantar pinheiros», alertou-me.

Logo que chegou o meu tio, na época de Natal/Ano Novo expus-lhe o desejo de ir ter com ele. E tranquilizou-me: "Alguma coisa se há-de arranjar.

-“Trata da viagem, depois logo se vê”.

A viagem era «a salto», a única forma de poder passar fronteiras. Nessa altura não havia concessão de passaportes, salvo os raros casos em que fosse apresentada uma «carta de chamada» de uma entidade patronal para as «contratas», ou contratos temporários para a “beterraba, apanha de frutos”, por exemplo. Isso, porém, implicava alguém, em França, que iniciasse esse processo, juntamente com um contrato de trabalho. Não era fácil, nem possível no meu caso, como menor e com a aproximação da vida militar.

A esmagadora maioria das pessoas passava «a salto», isto é clandestinamente, em transportes privados, colectivos (onde se podia) e a pé por veredas e montanhas.

Nem o meu tio, nem eu, nos lembrámos de que eu ainda era menor de dezassete anos, iludidos nos 18 a 20 anos que aparentava ter. Este lapso trouxe-nos dificuldades e várias limitações. Tive que ir trabalhar clandestinamente para um pequeno empreiteiro de construção civil.

Contudo, ainda tive sorte. O patrão e a patroa gostaram da minha pessoa. Era o único português, entre uma meia dúzia de italianos. Os patrões já andavam cheios dos italianos mas, eu próprio, só o soube quando me despedi para ir conhecer outros ambientes e fazer novas coisas para uma grande empresa – a Bouygues que actualmente também parece actuar no ramo das telecomunicações. Depois do patrão me tentar convencer, sem sucesso, para não deixar a empresa, visitou-me posteriormente várias vezes para retornar. Como não conseguisse pediu a colaboração do meu tio João Frade Anciães para lhe indicar outros portugueses, pois desejava apenas trabalhar com gente lusa. Assim aconteceu, o patrão, com a alcunha de "O Careca de Juvisy" passou a empregar apenas portugueses das «Terras de Magriço» e envolvência, ou seja das Antas, concelho de Penedono e da Prova, concelho da Meda.

&

Um pequeno episódio ligado ao «Maio de 68`». Durante este mês muitas empresas pararam os trabalhos. Não tinham condições, nem matérias primas, para laborar. Nesta altura já não havia cimento nem ferro. Lembraram-se de, enquanto aguardavam por materiais, fazer uns trabalhos na própria vivenda, incluindo a construção de uma praia particular, junto ao rio Sena, limpando, ajeitando terras e colocando toros de madeira para escadaria e sustentação do relevo. Andávamos nestas tarefas quando os italianos, tentando gozar com a minha pessoa (o único português na empresa que não sabia praticamente nada de francês, sendo menor, inexperiente, simplório e ajudante deles), diziam em italiano, língua que eu percebia melhor:

-“Tu não sabes nadar”

Não sei! Querem apostar?

-“Não sabes nada …”

Apostamos?

-“10.000 francos”.

Eram francos dos antigos mas correspondia a mais de um décimo do ordenado mensal.

-“Tens que atravessar o rio Sena!”.

Não atravesso o Sena; vou até onde conseguirem atirar com um objecto qualquer e eu trago-o. Quando regressei com o objecto ainda tentaram dizer que o madeiro atirado à água não era o mesmo que eu trazia e retorquiram que eu não tinha feito o percurso todo combinado. Nesta altura aparece a patroa, inesperada e curiosamente, achou graça ao que estava a suceder. Inclusivamente de me ver nu, e incomodado, a esconder-me cheio de vergonha. Não só me apoiou como disse perante ao grupo: 

–“Se Alfredô demonstrou que sabe nadar têm que lhe pagar a aposta".

E assim aconteceu este episódio só ocorreu devido ao «Maio de 68`» em Paris, com repercussões pelo mundo ocidental e não só.

 Seguem-se os comentários que consegui salvar, em boa hora: Publicação inicial em: 23 January 08 10:39 nos blogs Sol, actualmente indisponíveis. por AlfredoRamosAnciaes star-left-onstar-right-onstar-left-onstar-right-onstar-left-onstar-right-onstar-left-onstar-right-onstar-left-onstar-right-on 

Arquivado em: Memórias, Aldeia
 Comentários
# AlfredoRamosAnciaes said on January 23, 2008 11:17 AM:
Caríssimos visitantes. Agradeço a paciência de me aturarem nesta temática, porventura, menos interessante do que as expectativas.
É com o Vosso "feed-back" que vou melhorando.
Obrigado e até à retribuição de visita ao Vº espaço virtual.
fred
# Gilda said on January 25, 2008 12:37 AM:
Oi Fred,
Eu aqui novamente, super curiosa em ter mais um pedaço da tua história...
Tua narrativa é tão perfeita, que viajo e consigo visualizar as cenas, de tão bem que colocas...
Não deve ter sido nada fácil tua adolêscencia, mas o espirito de luta, que deve ter herdado de seu pai, está evidente por aqui... e já mostrava-te, bem maduro para um jovem de 17 anos...
Bem vou guardar o virá por ai...
Obrigada pela visita e comentários no meu blogue.
Super beijo carinhoso.
Gilda
# Anahory said on January 25, 2008 12:55 PM:
Olá Fred
A vida dos emigrantes nessa época era extremamente dura e era preciso por um lado um certo desespero pela vida que tinham em Portugal, por outro uma grande força de vontade e coragem para emigrar.
Mas sobretudo era preciso quererem vencer na vida, realizar sonhos e desejos.
Os nossos emigrantes foram Homens e Mulheres de coragem.
Tu com 17 anos e com a força da vida embora ainda um jovem tb tiveste essa enorme força e coragem.
Parabéns!!!!
Voltarei para ler os seguitnes posts.
Beijos
Kiki
# AlfredoRamosAnciaes said on January 26, 2008 12:04 AM:
Olá Gi,
É verdade, a minha adolescência não foi fácil, mas o último ano teve momentos felicíssimos, como poucos conterrâneos tiveram. Mas, tinha uma preocução e uma "chamada" fortíssima para vir fazer o serviço militar. O que eu sentia dentro da "alma" é que nunca seria Homem integral se fugisse à chamada da Pátria que tinha muitos outros "filhos" a combater e que eu não tinha o direito de fugir a tal chamada. Havia ainda outras razões que a seu tempo contarei.
bjsss
fred
# AlfredoRamosAnciaes said on January 26, 2008 12:18 AM:
Kiki,
Obrigado pela tua visita. Essa coragem não foi só minha. A minha mãe ao ver-me sair ficou com o coração partido. Outros conterrâneos também sofreram. A diferença é que eu, pelo facto de ter ido trabalhar clandestinamente como servente de uma equipa de italianos (antes de atingir os 18 anos), eles abusaram na dose de trabalho que me exigiram. Às vezes subia lances de escadas de três a três ou até quatro degraus de uma vez para chegar mais rápido junto deles e servi-los a todos. Depois isso teve conseguências que oportunamente descreverei.
bjsss
fred
# AlfredoRamosAnciaes said on January 26, 2008 12:33 AM:
Kiki,
Por falar em dificuldades, devo reconhecer que o teu povo teve bem mais coragem. Eu não sei se não terei uma costela do teu povo. É que do lado do meu avô materno, vejo ali uma lacuna de informação que parece ter sido deliberada. A origem desse meu avô parece envolta em mistério. Tenho que ver se consigo decifar.
Bj e Bom Fim de Semana
fred
# AlfredoRamosAnciaes said on January 26, 2008 12:35 AM:
Ói Gi,
Esqueci-me de desejar Bom Fim de Semana. Aqui vai.
bj
fred
# marylyz said on January 27, 2008 8:19 PM:
Boa noite amigo Alfredo
Quase todos nós temos um pouco de emigrantes..ou directo ou indirecto.Eu própria,com 11 anos fui com m/s pais para o antigo Congo Belga..e assim sucessivamente acontecia.Mas diziam que tinham de fazer isso pq no nosso País,não dava,porém eu pergunto:"E AGORA????" os nossos jovens,para onde vão???.Voltarei certamente,pq é uma pessoa,que através da escrita,me diz muito.
Agradecida pela sua visita,valeu mesmo...pois assim o fiquei a conhecer.
Saudações amigas
Marylyz
PS:Sou de uma localidade a 3okm de Viseu,comi muitos bolos na antiga pastelaria "Horta" cujos donos,eram mesus tios....Como o mundo é pequeno!!!
# gigimelovalente said on January 27, 2008 8:32 PM:
OLÁ FRED
OBRIGADA PELOS VOTOS DE BOM FIM DE SEMANA. ESPERO QUE O SEU TAMBÉM TENHA SIDO AGRADÁVEL. ANDEI NA AGRICULTURA. NAS QUEIMADAS... AO FIM DA TARDE, COM O SOL MANSO DESTA ESTAÇÃO, O CHEIRO QUE FICA E A ATMOSFERA MEIO TOLDADA PELO FUMO, TEM A SUA POESIA... A VERDADE É QUE, EMBORA VISITE OS VOSSOS BLOGUES, NÃO ME TENHO DEDICADO À ESCRITA ULTIMAMENTE.
ESTA DESCRIÇÃO QUE FAZ, DA IDA "A SALTO" PARA FRANÇA, SÃO REALIDADES QUE MUITOS VIVERAM...  O FUTURO, NA MAIORIA DOS CASOS, FOI BEM MELHOR PARA ESSES CORAJOSOS HOMENS E MULHERES... QUE TUDO DEIXARAM PARA TRÁS, AS CASAS, A FAMÍLIA... EM BUSCA DE DIAS MELHORES. FOI ASSIM, NO SEU CASO, TENHO A CERTEZA.
UM DIA DESTES, VEREMOS SE ORDENO AS IDEIAS E A PAPELADA PARA AVANÇAR NO MEU "TENEBROSO" pretoCÓDIGObranco.
UM ABRAÇO DA GIGI
# AlfredoRamosAnciaes said on January 28, 2008 12:14 AM:
marylyz,
deve ter também muitas memórias ligadas a África.
Também sou do Distrito de Viseu e nesta cidade fiz a primeira instrução militar, passando depois para Chaves e que me levaria a África.
Estou a acabar de editar um post com uma ligeira referência a este continente.
Obrigado pela passagem e até breve.
Saudações
fred
# AlfredoRamosAnciaes said on January 28, 2008 12:21 AM:
Olá Gigi,
Agora poderá fazer queimadas mas atenção, não está livre de fogos.
Espero pelo «pretoCÓDIGObranco» ou outra versão caso a etratégia dos nossos leitores prefiram uma versão com outros ingredientes e a autora esteja para aí virada.
Também as minhas saudações.
fred
Tags: Aldeia, França, Maio de 68`, minhas memórias, passagem a salto  

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