Palavras-chave: Casa de Saúde do Telhal - Sintra, Museologia, Proximidade; Psicologia, Psiquiatria, São João de Deus
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A funcionar desde 1893 no espaço
rural de uma antiga quinta.
O Papa Pio IX nos anos sessenta
do século XIX encarrega Bento Menni (beatificado e canonizado por
João Paulo II, respetivamente em 1985 e 1999) de restaurar
a Ordem Hospitaleira de São João de Deus em Espanha e só depois Bento Menni passa
para Portugal, já nos finais do século XIX,
seguindo-se o México, países onde as Revoluções Liberais haviam deixado marcas
de extinção ou de quase apagamento.
Chegado ao Telhal Bento Menni, funda
a Casa com diversas dificuldades político-religiosas. Com a implantação da
República perdera-se a formação de Noviciado e a possibilidade de fazer votos
institucionais. Contudo, passado o desvario persecutório às Instituições Religiosas,
a Casa acaba por ser inteiramente restaurada, em 1921, ainda no tempo da I
República. Um tal Frei Elias com muita diplomacia e bondade acaba por docilizar
os ímpetos dos mais ardentes republicados de 1910.
Estão actualmente internados no
Telhal cerca de duas centenas de doentes do sexo masculino. No que toca à
medicina, não é mais uma obra do género de Rilhafoles ou do antigo Júlio de
Matos. No Telhal os doentes entram em difíceis situações e com a continuação
dos tratamentos (um tanto na tradição do fundador) são muitas vezes confundidos
com pessoas consideradas não doentes. É nesta óptica que poderemos apreciar a
actual exposição temporária do Museu São João de Deus
de Psiquiatria
e História (MSJD-PH) e em que a museologia apresenta
séries de retratos de pessoas, doentes e familiares onde por vezes é difícil ou
mesmo impossível detetar quem é quem - se doente, se são. Acrescente-se que
este Museu preserva cerca de 10.000 peças da sua relação
histórica e
se encontra bem organizado, depois de ter sido fundado nos anos 20 do século
XX, com a designação de Museu da
Loucura, nome não abonatório se pensarmos
na loucura propriamente dita. Outras designações mais apropriadas virão.
Talvez o nome quisesse também
sugerir o pensamento de São João de Deus, em que, para ele, louco é entregar-se
ao sentimento da misericórdia e entrega aos pobres, como uma entrega a Cristo.
Numa segunda
fase o
museu é designado por Museu
Ergoterápico
(sendo que ergo vem do grego e
significa trabalho manual), logo com o significado de museu de terapia manual
ou pessoal. A terceira e actual designação Museu São João de Deus de Psiquiatria e História
(MSJD-PH) acaba
por estar conforme aos tempos modernos. Respeita o valor histórico da
Instituição, sendo também uma mais-valia para a História Local e Geral.
Neste Museu podemos apreciar 7 (sete)
coleções,
a saber: 1 Arte Sacra; 2 Arte
Psicoterápica; 3 Medicina; 4 Enfermagem, 5 Farmácia, 6 Etnografia e 7
Fotografia.
A Capela (também há quem lhe chame
Igreja) da Instituição situa-se ao lado do Museu e tem igualmente um grande
interesse. Deveria, em nossa opinião, estar integrada e ser coorganizada com o
Museu. Trata-se de uma unidade de assistência aos devotos. Concentra importante
valor informativo, documental, artístico e de assistência aos doentes. A sua
ligação orgânica ao Museu não será despicienda.
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Na
coleção artística o
Museu integra peças da antiga Escola Secundária Apostólica que esteve aberta ao
público em boa parte do século XX. Destaque-se que na pintura o Museu apresenta
obras executadas pelos próprios doentes e colaboradores da Casa.
A título de exemplo, poderemos
apreciar os seguintes artistas que foram doentes na Casa de Saúde do Telhal
Abel
Salazar
(nasceu em Guimarães, 1889 – morreu em Lisboa, 1946) notável médico, professor,
investigador inclusivamente no homónimo Instituto de Ciências Biomédicas Abel
Salazar. Também foi pintor onde a temática do social é evidente. Podemos
conotá-lo como precursor da corrente neorrealista. Abel Salazar acaba por
sofrer um esgotamento e recorre aos tratamentos
na Casa de
Saúde de São João de Deus do Telhal. A obra polivalente encontra-se
sobretudo na sua Casa-Museu Abel Salazar,
em Matosinhos.
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Outro
artista de relevo, doente no Telhal (ISJD / CST) foi: Mário Eloy de Jesus Pereira. Nasce em Algés, 1900 e morre em 1951. Importante pintor da corrente
modernista. Passa pela Escola de Belas-Artes de
Lisboa, em 1913, mas com o seu temperamento de boémio acaba por abandonar a instituição. Parte para Madrid e
Sevilha, visita e estuda os museus, sobretudo o Museu do Prado. Em Portugal é
motivado, durante algum tempo, pela estética penumbrista de Columbano
Bordalo Pinheiro.
Nos anos 20, a corrente modernista cativa-o. El Grego, Césanne, Van Gogh, Picasso e
Matisse são objecto do seu estudo.
As correntes do impressionismo
ao expressionismo e ao cubismo
com as temáticas sociais são uma inspiração. Nos anos 30 colabora com Almada Negreiros na revista Sudoeste.
Recebe o prémio Amadeo de Sousa Cardoso.
Nos anos 40 realiza quadros com temas do suicídio, morte e sofrimento. É
internado com gravidade no Telhal em 1945. Tem mais 6 anos de vida mas a obra
denota sobretudo momentos dramáticos nas representações. O Museu de Arte Moderna no Chiado guarda alguns trabalhos. Em 1996
a Coordenadora Raquel Henriques da Silva dirige uma exposição documentada com
um precioso e extenso catálogo.
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Stuart de Carvalhais, nosso vizinho, cuja memória permanece inclusivamente na denominação da Escola Secundária de Massamá, foi outro
utente internado no Telhal. Stuart nasce em Vila Real, em 1887 e morre em
Lisboa, 1961. É um artista multifacetado em várias áreas, nomeadamente na pintura, no
desenho, na ilustração, na caricatura e na banda desenhada, entre outras
expressões. Trabalha com Jorge Colaço ainda na primeira década do século XX e
no jornal O Século.
Na
segunda década abraça as revistas humorísticas, nomeadamente a Sátira. Realiza
exposições. Vai até Paris, onde expõem em parcerias. Com a mudança do regime
monárquico para o republicano, reaproxima-se de Portugal. Casa-se com uma
varina – Fausta Moreira. Na banda desenhada realiza o Quim e Manecas durante mais de 30 anos, até início dos anos
cinquenta. Outras publicações periódicas por onde passa contam-se: A Revista Ilustração, A Corja, O Espectro, A
Choldra, Diário de Lisboa, Diário de Notícias, e outras. Trabalha conteúdos
para postais ilustrados. Recebe o prémio
de pintura Domingos Sequeira e expõe no SNI
Secretariado Nacional de Informação, Cultura Popular e Turismo no Palácio
Foz, em Lisboa. Porém, começa a ser vencido pelo alcoolismo e pelas carências
económicas. É então que recorre a materiais menos indicados em termos de
durabilidade e de qualidade. Chega a pintar sobre papel vulgar, tábuas de
caixotes, com pigmentos em que utiliza até o café e o vinho.
Residiu em Queluz na Rua Conde de Almeida
Araújo, tendo a sua casa tradicional sido objecto de concurso público em 2009,
sem que as entidades públicas tivessem exercido o direito de preferência. Mais
uma casa datada e de referências de autor prolixo se perde com a consequente
demolição. A Casa de Saúde do Telhal preserva alguns trabalhos ali elaborados
que são datados de uma altura quando o autor já se encontra em fase crítica.
A Casa de
Saúde do Telhal representa para Stuart de Carvalhais e tantos outros utentes uma
Mãe apiedada que se entrega quando a esperança se abate nos círculos familiares
e de vizinhança.
Fontes:
-ÁLVARES, Valentim A.
Riesco, fr. ; WALD, Emerich Steiger, fr. – Imágenes
de San Juan de Dios. Roma: Ed. Curia Generalizia Ordine Ospedaliero di San
Giovani di Dio, 1995
ANCIÃES, Alfredo Ramos – São João de Deus: Um Santo Português e Ibérico.
Uma Obra e Um Contexto Museológico in https://cumpriraterra.blogspot.com/2019/02/sao-joao-de-deus-um-santo-portugues-e_11.html
-FILIPE, Nuno Ferreira,
O.H. – São João de Deus: Um Homem Que Soube
Amar. Lisboa: Edições Paulistas, 3ª ed., 1990
-RTP1 et al - Portugal em Direto – Casa
de Saúde do Telhal. 125 Anos ao Serviço do Apoio a Doentes com Problemas de Saúde
Mental in https://www.facebook.com/cst.telhal/videos/348665852390525/
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