001
Palavras-chave:
aparição, desenvolvimento, Fátima, fé, nova museologia, turismo, visão
Comecemos
pela nova museologia, disciplina, essencialmente de investigação e comunicação.
Em relação a Fátima, a museologia e nova museologia trabalham com a investigação
nos campos da arquitetura, urbanismo, artes nos seus vários suportes,
literatura, geografia, herança cultural, psicologia, sociologia, religião,
conservação, divulgação e educação.
002
Todas
estas vertentes estão ou podem estar na museologia: Dentro de um museu, de uma
exposição, escola, rua ou simplesmente em divulgação virtual e tradicional.
003
Junto
apresento uma abordagem sobre a evolução da instituição museu, vista numa ótica
de nova museologia:
«A instituição [museu] distante, aristocrática (a), olimpiana
(b), obcecada (c) em apropriar-se (d) dos objectos para fins taxonómicos
(e) tem […] dado lugar a uma entidade aberta sobre o meio […].»
(a)Aristocrata = do grego aristos
– excelente + kratos – poder;
relativo à nobreza, “classe” ou ordem privilegiada;
(b)Olimpiana: Relativo ao Olimpo (monte
sagrado onde vivem os deuses), o lugar onde começa por fixar-se o museu ou numa
grafia clássica – o museion; lugar da
veneração dos deuses e deleite do observador / fruidor. O museion podia não ser o único templo do Olimpo mas era um local de
inspiração do saber e da proteção a que recorriam os elementos das Ordens
possidentes, entre eles: guerreiros, funcionários, filósofos, proprietários e
aristocratas. Logo, a instituição museion
foi apropriada por quem detinha o poder. O museion
ao estacionar nos olimpos deixou, praticamente, de estar disponível para o povo
comum que não tinha meios nem tempo para se deslocar a esse lugar; também
porque não tinha suficientes referências culturais que lhe permitissem
compreender o significado e a história dos deuses e do museion. A situação só vem a mudar profundamente com a Revolução
Francesa, a partir da qual os museus vão sendo nacionalizados e, logicamente,
considerados serviço público. As mudanças não se operaram de um momento para o
outro; porém, a Revolução Francesa marca uma rutura com o status quo, isto é, com o Antigo Regime. Paulatinamente, depois da
revolução, passa a haver outras interpretações da sociedade, outras formas de
vida, de propriedade e de ascendência à cultura e aos estratos sociais mais
elevados.
(c)Obcecada = teimosa, obstinada, cega.
(d)Apropriar = assenhorear, apoderar, tomar, usurpar.
(e)Taxonomia = ramo da biologia e da botânica que descreve,
identifica e classifica: animais e vegetais; ou a gramática que trata da
classificação das palavras.
004
«A revolução museológica do nosso tempo - que se manifesta pela
aparição de museus comunitários, museus 'sans murs', ecomuseus, museus
itinerantes (f) ou museus que exploram as possibilidades aparentemente
infinitas da comunicação moderna - tem as suas raízes nesta nova tomada de
consciência […].»
(f)Um exemplo de museologia itinerante: É o caso do programa “Ciência Móvel: Vida e saúde para todos”
(cf. SCHWENCK, Beatriz – Ciência Móvel: a
medição informacional nas exposições de um museu itinerante. - Também
disponível em http://ridi.ibict.br/bitstream/123456789/742/1/schwenck2011.pdf )
Museu itinerante ou museologia itinerante: Objetivos: «[…] fazer chegar objetos, ideias,
informações […] a locais afastados e de difícil acesso. […]» (cf. XAVIER,
Denise Walter – Museus em movimento: uma
reflexão acerca de experiências museológicas itinerantes no marco da Nova
Museologia.- Também disponível em http://www.museologia-portugal.net/files/upload/mestrados/denise_walter_xavier.pdf ).
005
«O alargamento da noção de património (g) […], a ideia de
participação da comunidade na definição e gestão das práticas museológicas, a
museologia como factor de desenvolvimento […], a utilização das "novas
tecnologias" de informação e a museografia como meio autónomo de
comunicação, são exemplo das questões decorrentes das práticas museológicas
contemporâneas e fazem parte de uma crescente bibliografia especializada.»
(g)Património, atualmente é, entre outras definições: “O conjunto
de testemunhos materiais e imateriais do homem e do seu meio” (cf. ICOM).
Patrimónios
são os objetos materiais: de arquitetura, escultura, pintura,
desenho, artefactos, espaços, instrumentos, monumentos, peças manufaturadas,
fabricadas e as naturais; sítios, territórios, tesouros.- São também os itens
imateriais e virtuais (mas reais): ciência, história, estória, mitos,
lendas, conhecimentos; expressões verbais, gestuais e artísticas; folclore,
identidades, memórias, mensagens, músicas, representações, saberes;
saberes-fazeres …
006
Nestes
pontos de vista, o fenómeno de Fátima e os patrimónios associados também são
objeto da nova museologia.
Em relação à mensagem de Fátima, esta tem evoluído desde o
conceito de “aparição”, nem sempre e nem por todos aceite, a começar pela
incredulidade de certa sociedade civil e até religiosa, sobretudo da primeira
década (1916-1926 - aparição do Anjo, primeiro, e de Nossa Senhora, depois),
sendo que as perseguições das autoridades da I República, estão suficientemente
documentadas.
Moisés do Espírito Santo e Fábio Bernardino vão ao Islamismo
buscar as raízes do fenómeno de Fátima:
«[…] O Segredo procedia do Profeta que o
transmitiu a Fátima e esta ao marido (Ali) ou, então, veio do Profeta que o
passou a Khadijja, sua primeira esposa e confidente e ela passou-o a Fátima
(…). Fátima passou o Segredo a Ali que disse: “Eu sou Ali, o sinal do
todo-poderoso. Eu sou o primeiro e o último. Eu sou o manifestado e o
encoberto. Eu sou a face de Deus. Eu sou a mão de Deus. Eu sou o lado de Deus.
Eu sou aquele que no Evangelho se chama Elias. Eu sou o que detém do Segredo do
Enviado de Deus». (Cf. Bernardino, ob. cit. p.12).
O autor define assim o fatimismo como um
movimento espiritual islâmico que privilegia o visionarismo, as revelações
particulares e outras capacidades sobrenaturais nos crentes:
«O fatimismo (ismaelismo, chiismo) medieval é o universo do
delírio visionário. Teofanias (aparição de entes divinos), ubiquidade e
telepatia são o pão quotidiano dos iniciados». (Bernardino, ob. cit. p.7)
Para Moisés e Bernardino, «o segredo da Cova da Iria
tem relação profunda com este tipo de mensagens secretas, originárias da
referida facção islâmica. Para além da coincidência do nome da filha de Maomé
com o da freguesia portuguesa, o próprio lugar “Cova da Iria” é assim
denominado devido a anteriores visões que terão ocorrido ali. Aliás, a palavra Iria
deriva de riya, termo que significa ver-se ou ver-se num
espelho». (Bernardino, ob. cit.p.8)
Porém, hoje em dia, o fenómeno da “aparição” tem vido também
a ser analisado sob o ponto de vista da “visão”: o Investigador da Ciência das
religiões Paulo Mendes Pinto e o Jornalista Rui Duarte Silva da Revista Visão
apresentam-nos em primeiro lugar a: «[…] redefinição de Fátima como objeto de
teologia[…]» e recorrem ao contributo de Ratzingger / Papa Bento XVI afirmando
que Ratzingger «Ao definir Fátima como uma “visão”, subalterniza
teologicamente o que possa ter acontecido, tornando-o “particular”, mas abre ao
infinito todas as possibilidades de interpretação, dando guarida às formas mais
pessoais de viver a fé [… Deste modo] As
aparições de Fátima enquadram-se no que genericamente se pode definir como uma «revelação
privada».
E assim tira autoridade aos críticos positivos e
negativos sobre a interpretação de Fátima. Sendo considerada uma questão de fé.
Acredita quem quer e tem o benefício de ser dotado deste recurso religioso,
místico e/ou psicológico.
Fátima pode, pois ser tratada na imprensa, na escola,
na museologia e na sociedade sem que qualquer um se possa considerar ofendido,
desde que democraticamente expresse os seus pontos de vista. A este respeito
concluo com duas posições diferentes, mesmo dentro da própria hierarquia da
Igreja:
-«Ultimamente tem havido alguma discussão sobre
o que aconteceu em Fátima, se foram aparições, se foram visões. O bispo D.
Carlos Azevedo, D. Januário Torgal ou o padre Anselmo Borges fizeram essa
distinção, apontando para experiências, de certa forma, mais subjetivas. Para a
Igreja, o que é que aconteceu afinal em Fátima?
-O que aconteceu em Fátima é muito simples.
Nossa Senhora apareceu aos três pastorinhos. Foi isto que aconteceu. Vem
dizer-se que foi uma invenção deles… não, não tinham como inventar uma coisa
assim. Os pastorinhos viram Nossa Senhora, não a inventaram. Viram, ouviram
Nossa Senhora, ficaram com as suas palavras, viveram-nas em profundidade e
foram santos. […]»
A pergunta e resposta supra fazem parte de uma
grande entrevista de Marta F. Reis ao “Cardeal português há mais tempo no
Vaticano” D. José Saraiva Martins, publicada no jornal “i”, do dia 11 de maio 2017, pp. 24 a 29. Contudo, a
posição deste ilustre Cardeal, profundo investigador, professor universitário e
representante da “Congregação para a Causa dos Santos” durante mais de dez anos
no Vaticano, não representa toda a posição da Igreja Católica Romana no mundo,
nem em Portugal. Daí a abertura da própria Universidade Católica Portuguesa,
Faculdade de Teologia, estar aberta a teses que apresentam uma visão diferente,
até mesmo de influência cultural muçulmana, que terá marcado a sociedade e os próprios
pastorinhos.
Fontes:
-BERNARDINO,
Fábio Manuel Carvalho – O Segredo de Fátima: Ensaio de hermenêutica
teológica. Lisboa: Universidade Católica Portuguesa. Faculdade de Teologia.
Mestrado integrado em teologia (1º grau canónico), 2013
-CATARINO, Manuel – Os anos do século de Fátima:
100 anos da História de Portugal. S.L.: Cofina Media Books, 2017
-FERREIRA, Ir. Gertrudes – “Centenário das aparições: Dimensão missionária da mensagem de Fátima”.
Lisboa: Além-Mar, maio 2017, pp. 16-21
-GOMES, Maria de Fátima Figueiredo
Faria - O Museu como vetor de
inclusão cultural. Orientador: Prof. Doutor Marcelo
Nascimento Bernardo da Cunha. Lisboa: ULHT Universidade Lusófona de Humanidades
e Tecnologias. Departamento de Museologia da Faculdade de Ciências Sociais e
Humanas, 2010
-ICOM/ UNESCO et al – “Declaração de Santiago”, 1972
---------------------------- - “XV Conferência Geral do ICOM/UNESCO”, 1989
-MAYOR, Frederic; MOUTINHO, Mário. Lisboa: ULHT - Cadernos de
Museologia, 1993. Também disponível em: http://www.museologia-portugal.net/files/upload/mestrados/maria_fatima_farias.pdf acedido em 10.5.2017 ).
-REIS, Marta F; MARTINS, D. José Saraiva; jornal
“i”, 11 maio 2017, pp. 24-29.
Em linha, acedidos em 11.05.2017 -
-PINTO, Paulo
Mendes; SILVA, Rui Duarte – “De `aparição` a `visão`: Ratzingger e a
redefinição de Fátima como objecto de teologia” http://visao.sapo.pt/opiniao/bolsa-de-especialistas/2017-05-09-De-aparicao-a-visao-Ratzingger-e-a-redefinicao-de-Fatima-como-objecto-de-teologia
-SANTO, Moisés do Espírito - Os
Mouros Fatimidas e as Aparições de Fátima. Lisboa: (Universidade
Nova de Lisboa: Instituto de Sociologia e Etnologia das Religiões, 1995. Também
disponível em:
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