domingo, 2 de março de 2014

07 DO MAR QUE SEPARA AO MAR QUE UNE

              
07 DO MAR QUE SEPARA AO MAR QUE UNE
 

“Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.

Deus quiz que a terra fosse toda uma,

Que o mar unisse, já não separasse [...]” (1)
 

        O poeta da Mensagem interpreta a história de Portugal evocando a relação com o mar. Esta mnemónica (Mensagem),  auxiliar da memória, tornada título de uma das melhores obras primas de Fernando Pessoa sobre a portugalidade, revela que também as telecomunicações se inspiram na informação breve / telegráfica para comunicar o essencial.

         Cerca de 1845 uma goma chamada guta-percha, extraída de árvores da Malásia veio permitir o eficaz isolamento dos cabos telegráficos em meios aquáticos. Doravante foi possível estender cabos pelos oceanos e transmitir mensagens velozes, quase instantâneas, quando dantes levariam meses, tal como aconteceu com a célebre Carta de Pero Vaz de Caminha, enviada a D. Manuel I, sobre o achamento do Brasil e as primeiras relações entre os povos europeus (portugueses) e ameríndios.

           Por volta de 1930 já havia no mundo, cerca de um milhão de quilómetros de cabos: subaquáticos (submarinos /subfluviais) e terrestres; para lá de uma extensa rede de postes, isoladores de porcelana e fios nús, vencendo geografias, constituindo uma rede praticamente global antes da www.

          Em 1855, com a regeneração económica e política é inaugurada a telegrafia eléctrica em Portugal com equipamento baseado em aparelhos com caracteres alfanuméricos  sem necessidade de código. Tratava-se de um meio inovador, até pela facilidade de transmissão e receção. Qualquer oficial do corpo telegráfico, sem ciência especial, conseguia operar mensagens através de equipamento constituído por: uma mesa; um transmissor com caracteres alfanuméricos e pontuação; um recetor com o mesmo tipo de carateres, parecido a um relógio de parede; uma bússula; um pára-raios e um vaso de pilha voltaica.   

          Este tipo de telegrafia foi inaugurado em Portugal pelo então jovem rei D. Pedro V, no preciso dia que fez 16 anos de idade e assumiu o trono (16.9.1855). À frente do Ministério das Obras Públicas, Comércio e Indústria estava o ministro e conselheiro de sua majestade e de Estado, António Maria Fontes Pereira de Melo.

          Uma pequena rede relacionada com o poder e a alta administração iniciou a telegrafia elétrica: Terreiro do Paço (nome oficial, Praça do Comércio), Cortes (atual Assembleia da República), Necessidades (atual palácio dos Negócios Estrangeiros) e Sintra (palácio da Vila). Em seguida e quase num ápice, tendo em conta as tecnologias da altura, foram construídas as linhas telegráficas entre Lisboa, Santarém, Coimbra, Porto; Lisboa/ Elvas. Também de  uma forma muito veloz, o país passou a dispor de um segundo sistema de transmissão e receção, baseado no código de Samuel Morse.

          Porquê mais um novo sistema de transmissão se já tinhamos o inicial, francês, da família Bréguet? A explicação deve-se, entre outras, à eficiência dos aparelhos morse. De construção mais económica e  permitindo o registo automático dos sinais em fita de papel, ou a receção auditiva, enquanto nos equipamentos franceses de Bréguet o telegrafista na receção tinha que copiar as mensagens manualmente letra a letra, ponto a ponto, à medida que um ponteiro assinalava os carateres num mostrador.

          Entretanto, em 1856, é lançado o primeiro cabo telegráfico subfluvial que saía de Lisboa, via Ria de Samora e Alcochete. Daqui até Elvas seguia pelos postes de fios aéreos.

Data ainda deste ano de 1856 a inauguração da primeira fase do caminho-de-ferro, entre Lisboa e o Carregado. A telegrafia eléctrica acompanhou as linhas e os serviços do novo meio de transporte movido a carvão.

          O Instituto Industrial de Lisboa (precursor do Instituto Superior Técnico) teve a sua sede na Rua deste nome, situada entre o cais do Sodré e Santos. Aqui funcionou a formação para as comunicações telegráficas na Rua do Instituto Industrial / esquina com a Rua de D. Luís I, onde  se localiza desde 1997 a Fundação Portuguesa das Comunicações e o Museu. Caso para dizer, o “bom filho à casa torna”. Foi por aqui que teve início o curso para telegrafistas de 1856/1857 com um programa que incluía diversas matérias, entre elas a manutenção de equipamentos, aprendizagem de códigos alfanuméricos e a operação com o sistema  morse. A utilização deste código manteve-se em ascensão até aos anos 30 do século XX, altura em que as tecnologias proporcionaram novamente a transmissão com equipamentos sem necessidade de código.

          O telex com grande notoriedade quase leva à extinsão das transmissões em morse, a partir dos anos 1940`s. Porém, o velho código resistiu nas transmissões militares, acabando mesmo por perdurar para lá da telegrafia inovadora com teleimpressores (vulgo telex) muito em voga na segunda metade do século XX.

          Do primeiro cabo telegráfico subfluvial, instalado em 1856, nada parece restar; nem o cabo, nem as marcas toponímicas e edifícios de amarração entre Lisboa, Samora e Alcochete. Estas marcas seriam uma mais-valia para os sítios e localidades; todavia a urbanização sem critério, eliminou sem dó nem piedade marcas que tornariam mais atrativas e compreensivas as atividades humanas.

          Em 1857 com pouco mais de um ano de vida da telegrafia elétrica, Portugal assina com Espanha uma Convenção Telegráfica, abrindo-se a outros países.  A interligação fez-se então, unindo Lisboa, Elvas,  Badajoz, Madrid, alargando-se progressivamente à Europa e à Ásia.  

Via marítima

          Esta via foi, mais uma vez, essencial para as comunicações a longas distâncias. Portugal inicia-se nas transmissões por cabo submarino a partir de 1870, através da estação de cabos de Carcavelos para Inglaterra e Gibraltar, permitindo a conexão com a Europa Ocidental, Estados Unidos da América, Índia e China; seguindo-se a ligação com a Madeira, Cabo Verde e Brasil nos anos seguintes e já na década de 80 estabelece-se a ligação com o Senegal, Angola e África do Sul.

          Nos anos 90 (1893) entra em funcionamento a Estação da Horta-Faial-Açores um importante nó e relé de comunicações, chegando a albergar em 1928 quinze cabos com ligação a Carcavelos, Inglaterra, Alemanha, EUA, Canadá, Irlanda, França, Itália e Cabo Verde.

          Na Horta chegaram a viver e trabalhar várias nacionalidades nas operações telegráficas e na manutenção de equipamentos, entre ingleses/escoceses, alemães, canadianos, irlandeses, americanos e portugueses do Faial e Cabo Verde. Este importante nó da Horta só viria a encerrar completamente em 1969, sendo das últimas empresas ali envolvidas, a Cable & Wireless e a Comercial Cable Company, devido às inovações das tecnologias do século XX com mais capacidades, atingindo maiores distâncias, sem necessidades de relés de Estações, e mais facilitadas, dispensando o uso de códigos.

          Desta época de ouro para a ilha do Faial ficaram saudades nas populações; houve interinfluências no  desporto, na cultura e nas convivências entre as várias nacionalidades presentes na Horta das transmissões submarinas.  

          O Grupo de Amigos da Horta dos Cabos Submarinos com o Museu da Horta estão a  trabalhar no sentido de ativarem um museu temático dos cabos e tecnologias afins, com os espólios imateriais e materiais recuperados; nomeadamente equipamentos técnicos, arquitetura de instalação das  tecnologias, escritório de tratamento de telegramas e informação de gestão, habitações do pessoal, informação toponímica, sinalética e expressões culturais.

         A cooperação deste futuro museu local e regional (que se será designado Museu da Horta dos Cabos Submarinos?) com o Museu das Comunicações reestruturado em Museu Regional e Nacional das Comunicações permitirá uma nova dimensão, uma mais-valia e abrangência que só poderá enriquecer o País no seu todo. Deste sonhar nascerão novos mares comunicacionais que unirão Portugal, sua diáspora e família global.

 

 

------------- (1) Extrato do poema de Fernando Pessoa em Mensagem. Lisboa: Livraria do Dr. Pedro de Moura e Sá, 1984. Versos dedicados ao Infante D. Henrique que ousara a globalização, através das rotas marítimas.
Fontes:

- Anciães, Alfredo Ramos - Património museológico de telecomunicações: criação e gestão em contexto. in Revista Códice, nº 5, Ano XI, II Série, 2008, p. 52-67;

- Id - Telegrafia eléctrica. in Revista Códice, nº 2, Ano VIII, II Série, 2005, p. 80-95;

- Id - Cento e cinquenta anos da telegrafia eléctrica em Portugal – Dossier de Exposição, Fundação Portuguesa das Comunicações. Lisboa, 2005
- Museu da Horta; Associação dos Antigos Alunos do Liceu da Horta - O Porto da Horta na História do Atlântico: O Tempo dos Cabos Submarinos – Ed. do A. Museu da Horta; Associação dos Antigos Alunos do Liceu da Horta. Impressão: Gráfica O Telégrafo. Criação Gráfica: JCS/Açores. Horta, 2011


- Pessoa, Fernando – Mensagem. Lisboa: Livraria do Dr. Pedro de Moura e Sá, 1984

- Varão, Isabel - Os cabos submarinos e a expansão da telegrafia internacional no século XIX. in Revista Códice, nº 2, I Série, 1998, p. 58-62

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