segunda-feira, 17 de março de 2014

ESTÓRIAS DA MINHA ALDEIA in memoriam

                   
Soubemos da recente “despedida” do José David, falecido em França, através do blogue “Os Ceireiros” http://ceireiros.blogspot.pt/.
O José nasceu pelos finais da 2ª guerra mundial. Portugal não entrara no teatro de guerra e dela até beneficiara, durante certo tempo. Quando, porém, a venda do volfrâmio foi interrompida, a miséria acentuou-se nas terras beiraltinas.
O avô paterno do José (marido da Srª Cacilda Eiras) havia falecido prematuramente numa fatídica noite ao regressar da festa da Senhora da Cabeça. A família sentiu sérios reveses, uma vez que partira inesperadamente o ganha-pão. Filhos e netos foram afetados. O José David, ainda menor de idade, teve que migrar, aproveitando trabalhos sazonais em Portugal e, logo que pôde, em meados dos anos 60 emigrou para França, onde viveu e acabaria por falecer.
Amante da aldeia e do concelho, o José não faltava às festas. Via-se, muitas vezes, com um foguete na mão. Um dia interpelei-o dizendo-lhe que podia rebentar-lhe nas mãos e causar-lhe danos e a quem estivesse por perto. Começou a rir-se, sem nada dizer, até que o António da Zefa ali presente me sossegou dizendo que o engenho, aparentemente novo e intacto, estava destituído de qualquer material explosivo, pois o mesmo havia sido extraído sem que nada se notasse.  
Quando fui mordomo da festa, a banda de música deu a primeira volta ao povo de manhã cedo, como é habitual. Ao chegar ao pé da igreja, em vez de contornar pela porta principal e Adro de Cima (também denominado Largo Pe. Donaciano Lages), atalhou pelo lado do Evangelho. O José protestou e acho que não reagiu de forma mais brusca pelo respeito mútuo que entre nós havia mas, mesmo assim, indignou-se publicamente. Garanti-lhe que o procedimento não voltava a acontecer. Os mordomos e a banda ficaram avisados de que a volta era mesmo contornando a igreja passando em frente do Santíssimo.
Lembro-me de jogar à bola com o José no velho quintal da Don`Ana, quando ali se realizavam os jogos de treino e brincadeiras. Recordo também um outro episódio: Na altura da juventude falava-se em jogos, namoricos, festas, música, estórias e lendas. Constava que para lá do Covêlo havia uma moira encantada que durante a noite se passeava por cima de uma grande pedra quase paralelepípeda (produto da natureza? chamada arca da moira) onde estendia os seus haveres, os quais desapareciam antes do nascer do sol. Ninguém se atrevia a ir aquelas bandas noite dentro.
Contada a estória, houve precisamente quem se dispusesse a ir à arca da moira à meia-noite certa. Na altura não havia luz elétrica. A iluminação fazia-se com candeias e candeeiros a petróleo e velas de cera.
Organizou-se um grupo de voluntários para ir à arca e às galerias subterrâneas onde a moira vivia. O grupo de curiosos contava com vários elementos: Entre eles destacava-se o José David pela sua maior experiência de vida e o Neca, o único que estudara no secundário, e que se dispôs a fazer uso dos conhecimentos, inclusivamente de química para entrar nas galerias.
Levou-se um engenho, constituído por uma vara, que segurava uma vela acesa. O objetivo era, não só alumiar mas, indicar se havia ou não atmosfera respirável. Para que ninguém se perdesse, o avanço foi feito em fila indiana, até chegar a um ponto em que a entrada se encontrava praticamente obstruída. Alguém disse que a moira tinha tapado de propósito o acesso à parte principal da morada, impedindo assim os curiosos de invadir o espaço reservado. No momento foi impossível avançar por falta de ferramenta. Era preciso voltar devidamente equipado com enxadas, ferros e picaretas.
Entretanto a emigração começou a subtrair os mais corajosos. Até hoje parece que ninguém conseguiu visitar o lugar onde se encontram os valiosos tesouros.
O Zé David e o Neca gostariam, certamente, que alguém continuasse a decifrar o enigma da arca da moira (1).
Que Deus os tenha em Bom lugar.
  1. Em prol do desenvolvimento cultural da região seria de bom tom entregar a prospeção a uma equipa de arqueólogos credenciados. O espólio encontrado e a informação respetiva reverteriam para o museu local.

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