quarta-feira, 13 de maio de 2015

42. MINHAS MEMÓRIAS. 1983 - 1985. MUSEU DOS CTT RUA DE Dª ESTEFÂNIA NºS 173-175 LISBOA


Edifício do ex-Museu dos CTT com 5 pisos, um jardim e um pavilhão de mala posta na Rua de D. Estefânia, 173-175  - Lisboa. (Gentileza da imagem Luís Marques Silva)

Exposição do Património de Telecomunicações no Piso 3

Telegrafia elétrica e telefonia

Visa-se, com este artigo, divulgar os patrimónios e as formas de apresentação dos mesmos, especialmente os de telecomunicações, nos anos 80. Deve ter-se em conta que a formação dos conservadores/museólogos, arquitetos e designers e os meios e materiais aplicados às exposições desses anos não eram os mesmos que os atuais. De lá para cá, há um intermédio de mais de 30 anos de investigações, de desenvolvimento da documentação, técnicas e materiais. Logo, a descrição que pode, eventualmente, parecer de crítica negativa, deve ser entendida com a intenção positiva de divulgar o que existia e foi feito com as condições da época.

Telegrafia elétrica Bréguet, a primeira a ser introduzida em Portugal no ano de 1855 quando o jovem rei D. Pedro V iniciava o seu reinado. Esta secção abria a exposição do 3º piso. Seguia-se a: Telegrafia em código morse nomeadamente com peças dos portugueses Cristiano Augusto Bramão e Maximiliano Augusto Herrmann. Cristiano fora inovador na telegrafia e na telefonia, ajudando a elevar a Direcção Geral dos Telegrafos portugueses à categoria dos galardoados na Exposição Universal de Paris, de 1878, tal como descrito pelos responsáveis de uma das maiores exposições de sempre. A referência a Portugal, nomeadamente no que concerne às telecomunicações carateriza-se na seguinte comunicação:

“Exposition Universelle de 1878. Distribuition des Recompenses aux Exposants et Procédes de la Télégraphie: Grands prix. Diplomes d`  honneur equivalent a une grand medaille. Direction Générale des Télégraphes Portugal” (1).

Cristiano Augusto recebera da Direcção dos Telegrafos a quantia de 700.000 reis para o registo da patente do seu telégrafo em vários países, antes de ter sido apresentado em Paris na Exposição Universal. Em 1872 o Director dos Telegrafos portugueses Valentim do Rego referiu-se a Cristiano  nos seguintes termos: “O empregado mais apto que tenho para dirigir o ensino […] é o telegrafista de 1ª classe Cristiano Bramão […]. Em 20 de Julho de 1872 foi-me presente uma memória pelo telegrafista Bramão, sendo o novo aparelho telegráfico de sua invenção, com o qual esperava […] produzir 33% de serviço a mais com o mesmo trabalho […]. Estudando a questão […] mandei construir um aparelho conforme as indicações do inventor […]. Este aparelho começou a ensaiar-se em Dezembro de 1872 entre Lisboa e Carcavelos e em consequência dos bons resultados obtidos achavam-se em Agosto de 1874, 10 destes aparelhos a funcionar regularmente” (2).

Também em relação ao patronímico Herrmann, apenas ligeiramente indicado em legendas: telefónicas e telegráficas, o visitante não se apercebia do valor deste autor para as telecomunicações. Alguns visitantes pensavam que se tratava de um autor estrangeiro, no tempo em que o quase homónimo Herman José ainda não estava consagrado na galeria dos artistas. O patronímico Herrmann (ainda com dois rr e dois nn) parecia indicar-nos que se tratava de alguém distante. Não era o caso. Maximiliano Augusto Herrmann, era natural de Lisboa, industrial, inventor e inovador. Morou na Calçada do Lavra, nº 6 – Lisboa, onde possuiu uma das maiores oficinas portuguesas de construção e assistência a diversos equipamentos. Herrmannn também foi notável nos caminhos de ferro; deu início à introdução da iluminação elétrica e manufaturou diverso equipamento mecânico e eletromecânico. A título de exemplo: Foi o próprio Maximiliano Herrmann quem construiu o telégrafo e telefone inovadores de Cristiano Augusto Bramão; inventou e construiu o seu próprio modelo (Herrmann) batizado de “Telefone Privilegiado”.

Telegrafia Hughes, também conhecida como telegrafia modelo piano por apresentar um teclado de caracteres alfa numéricos servindo de transmissor. Este telégrafo fora objeto de inovação portuguesa. Contudo na exposição não se notava esse importante contributo português;

Telegrafia Baudot (3) de transmissão de uma até quatro mensagens pela mesma linha e ao mesmo tempo. Também conhecido por sistema multiplex – revelava a inovação de Jean Maurice Émile Baudot no último quartel do século XIX. Este engenheiro dos correios e telégrafos franceses contou, já no século XX, com uma aplicação portuguesa de suma importância. Tratou-se de um regulador de velocidade e estabilização que permitiu viabilizar e divulgar a telegrafia multiplex em vários países. As frequentes alterações da força motriz da corrente elétrica criavam quebras e picos prejudiciais para a transmissão. Impunha-se uma inovação. Inicialmente projetada por António dos Santos, ex-aluno da Casa Pia de Lisboa na primeira década do século XX. Esta inovação foi posteriormente desenvolvida por Francisco Mendonça e Cassiano de Oliveira, empregados dos Correios Telégrafos e Telefones de Portugal.

Novas telegrafias com teleimpressores, vulgo telex: A segunda metade do século XX assiste à introdução do telex em estações públicas dos CTT nas empresas e agências subscritoras do serviço. A nova telegrafia permite a transmissão e a receção de telegramas sem necessidade de aprendizagem de códigos. Os teleimpressores, também conhecidos por telex eram aparelhos modernos, parecidos com máquinas de escrever elétricas. Renovaram as agências de notícias, viagens, serviços meteorológicos e empresas. Contudo faltava alguma informação complementar: sobre as redes, tráfego e contexto que chamasse a atenção para este novo tipo de telegrafia iniciada em Portugal nos anos 40; só “destronada” pelo corfax/telecópia na década de 90.

Aparelhos terminais telefónicos: Na sala de telefones expunha-se um acervo significativo, constituído por modelos precursores (4), alguns da autoria de inventores e inovadores portugueses. Telefones e centrais de comutação manuais através da intervenção de telefonistas. A exposição de  telefones e comutadores apresentados sem imagens de telefonistas ou manequins que indicassem o ambiente de trabalho nas Estações e Postos tornava-se pobre de informação e emoção. 

Sala de Telefones automáticos: Entre todas as salas do 3º piso esta era a que mais despertava a atenção. Podia mesmo dispensar documentação. O conteúdo era ainda recente. Expunham-se telefones com marcadores rotativos, muito comuns na época (anos oitenta). A central de comutação com busca e seleção dos números através do processo “sobe e roda”, segundo a gíria dos técnicos CTT e TLP era uma peça chave.

Despertava-se a atenção dos visitantes ao poderem ligar de um telefone para outro, ao verem e ouvirem in loco o processo automático de seleção de linhas. Tratava-se duma sala de conhecimento prático, de contacto vivo e de animação. Poderia, contudo, ali ser apresentada alguma informação sobre tráfego telefónico; imagens de manutenção nas Estações e diagramas relativos a redes de comunicações. Porém, Este espaço era apreciado e ali se acumulavam pessoas, sobretudo quando havia visitas de grupo.

 
Equipamentos de comunicação radioelétrica

A sala era pequena para integrar peças e informação que pudessem dar uma ideia do que eram e como funcionavam os serviços, mormente em relação com as Ilhas.  Apresentavam-se diversos equipamentos, o que era natural porque as comunicações radioelétricas insulares foram muito utilizadas. Na década de 70 (finais) pensou-se na descentralização do Museu dos CTT, tendo sido enviados espécimes para integrar um polo de museu em Ponta Delgada, o que parece ainda não se ter concretizado até ao presente.

Quanto à representação telefónica e telegráfica por via radioelétrica no território continental, seria de bom-tom apresentar algo sobre os serviços de gestão e fiscalização do espectro de rádio. Sendo a Direção dos Serviços Radioelétricos como um virtual agente sinaleiro do espaço no continente e ilhas (5), convinha que o visitante saísse da exposição com uma ideia sobre estas transmissões,  estudo das condições de propagação, licenciamento, regulação e redes. O visitante gostaria de saber qual o papel das organizações e utilizadores das frequências radioeléctricas, sendo um bem escasso a gerir.

Os anos 80 coincidiram com as fortes cheias do Ribatejo e com o devastador terramoto dos Açores, onde as comunicações via rádio, incluindo: redes privativas, radioamadores, utilizadores da banda do cidadão e Direção dos Serviços Radioelétricos tiveram um papel relevante, prestando um verdadeiro serviço público e de cidadania. A secção radioeléctrica do Museu não abordava esse papel social, humanitário e de gestão destas comunicações: públicas, privativas e particulares. Havia nesta sala escassez de informação sobre o serviço público e organização das frequências no espaço português: entre Portugal continental, o espaço marítimo, a Madeira e os Açores.

Outros comentários à exposição: Não obstante a informação que se poderia obter na sala de telefones, provocava-se alguma sensação de “enfartamento”, dada a quantidade de objetos mas pobre em cenário e elementos interpretativos. Os vários tipos de telefones não estavam apresentados por um fio condutor facilmente percetível ao visitante comum. Contudo, cineastas, artistas de teatro, de televisão, escritores e todos os que procurassem interesse funcional e estético poderiam ter ali matéria de inspiração. Releve-se que a decoração interior do Museu atenuava a componente técnica, embora alguns museólogos tivessem a impressão contrária, isto é, para estes especialistas a decoração do interior do edifício dispersava as atenções em relação à exposição.

Um dos primeiros exemplos de legendas: “Telefone Bramão, 1879 / Construtor Herrmann, Lisboa / Modelo com chamada por manipulador Morse” não era muito atrativo (v. infra outras legendas). Os nomes de  Bramão e Herrmann em algumas legendas, como a acima indicada, não despertavam muita motivação e informação. Quanto a Cristiano Augusto Bramão conviria que o visitante ficasse com uma ideia do contributo deste técnico e autor para as comunicações. Num relatório de 1865, o Conselheiro José Vitorino Damásio, Director-Geral dos Telégrafos escreveu o seguinte em relação ao telégrafo de Cristiano Bramão e construído por Maximiliano Herrmann: “Um aparelho deste sistema [telegráfico] tem funcionado na Estação Central de Paris, e ali mereceu a aprovação das pessoas entendidas […]” (6). Porém, esta citação, ou outras referências equivalentes não faziam parte da exposição; apenas contávamos com legendas consideradas demasiado técnicas, como as abaixo indicadas:

“Telefone de parede de bateria central / tipo ATM 332”;

Telefone de parede  / com microtelefone fixo / sistema de bateria central / usado pela APT”;

Telefone de parede / com microtelefone e chamada por corrente contínua”;

Telefone de mesa de bateria central / cor de marfim / tipo: 7A”;

Telefone de mesa, / com microtelefone e chamada por magneto”.

Nota de contexto museológico: A ideia que o cidadão comum fazia dos museus como instituições do passado (não só referente ao Museu dos CTT) resultara das crises por que passaram, depois da II Guerra Mundial, em parte devido à concorrência de outros meios de informação (rádio e televisão); falta de condições económicas para renovar cenários de exposições; saída de públicos ou potenciais públicos para a emigração e para o serviço militar obrigatório no continente e ultramar.  

Chegado o 25 de Abril de 1974 as atenções voltaram-se para outras sensibilidades e olhares, tais como o usufruto de liberdades, constituição de associações e reorganização económica.

Os museus continuaram à espera de novas formas de apresentação dos patrimónios com novas museografias. Nos anos 80 a APOM – Associação Portuguesa de Museologia vinha-se esforçando com a presença e apoio a eventos e formação; mas foi o MINOM – Movimento Internacional para uma Nova Museologia quem primeiro lançou debates inovadores ("a pedrada no charco", no dizer de Mário Moutinho) sobre os processos museológicos e museográficos com a atenção mais voltada para as pessoas, as localidades, os novos patrimónios, naturais e imateriais, do que para as peças tradicionais de arte, arqueologia e etnografia. Com a viragem do século as duas Associações começaram a convergir em termos de abordagem conceptual.

Contudo o  Museu dos CTT, e temporariamente dos TLP, promoveu nesses anos algumas formas mediadoras dignas de destaque na divulgação do património e programas de comunicações, sobretudo no seio das comunidades escolares. Em próximos artigos faremos referência ao contributo do Museu dos CTT e TLP.

Notas:

(1)FERREIRA, Godofredo. Anotações in BARROS, Guilhermino Augusto de – Memória Histórica Acerca da Telegrafia Eléctrica em Portugal. Separata do Guia Oficial dos CTT, 2ª ed. ampliada com notas, gravuras e retratos coligidos por Godofredo Ferreira, Lisboa, 1943, p XCVIII.

(2)Id., pp. LXXV-LXXXIV

(3)BAUDOT, Jean-Maurice-Émile (1845 - 1903), francês, Inventor da telegrafia simultânea (até 4 mensagens).

(4)Precursores, isto é, iniciais, que estão entre os primeiros modelos concebidos e ainda se consideram na fase experimental.

(5)Atividade hoje a cargo da ANACOM – Autoridade Nacional de Comunicações.

(6)FERREIRA, ob. cit. pp. LXXV-LXXXIV

 
Fontes:

-ANCIÃES, Alfredo Ramos – Ensaio de Investigação e Organização da Telegrafia do Museu dos CTT. Lisboa: Edição pessoal realizada no âmbito de Seminário de Biblioteconomia e Arquivologia. Lisboa: UAL “Luís de Camões”, 1987/1988, 85 pp.

----------------  O Museu dos CTT. Lisboa: Arquivo UNL, 1988/1989. Disponível também em Arquivo do Grupo dos Amigos do Museu das Comunicações

-APOM – Panorama Museológico Português: Carências e Potencialidades. Actas do Colóquio APOM / 76. Porto, 1 a 5 de dez, 1976

-MOUTINHO, Mário - "Museus e Sociedade". In Textos de Museologia. Jornadas sobre a Função Social do Museu. Cadernos do MINOM Nº 1, 1991

-NASCIMENTO, Rosana - A Historicidade do Objecto Museológico, Cadernos de Sociomuseologia Centro de Estudos de Sociomuseologia, 3-1994, Lisboa: ULHT

-SANTOS, Rogério – Do telefone à central digital: contributos para a história das telecomunicações em Portugal. Lisboa: TLP, 1989

-TLP – 1882-1992, 110 anos a telecomunicar. Lisboa: TLP, 1992

-VIANA, Mário Gonçalves – Arte de organizar colecções exposições e museus. Porto: Ed. Domingos Barreira, 1972

Em linha, acedidas em 5.5.2015:

ANCIÃES, Alfredo Ramos – Minhas memórias  - Exposição 2º Piso Museu dos CTT in http://museologiaporto.ning.com/profiles/blogs/37-minhas-mem-rias-exposi-o-2-piso-museu-dos-ctt

------------------ Minhas memórias do Museu dos CTT Rés-do-Chão da Rua de D. Estefânia entre Abril de 1983 e Maio de 1985 in http://museologiaporto.ning.com/profiles/blogs/34-minhas-mem-rias

------------------ Museologia entre o Estado Novo e a Democracia: O caso do ex-Museu dos CTT e TLP in http://museologiaporto.ning.com/profiles/blogs/21-museologia-entre-o-estado-novo-e-a-democracia-o-caso-do-ex

------------------ Notas da TSF / Rádio Pública no antes de 25 de Abril 1974 in http://cumpriraterra.blogspot.pt/2014/05/09-notas-da-tsf-radio-publica-no-antes.html

-----------------  Proto-Museu Postal e Biblioteca in http://museologiaporto.ning.com/profiles/blogs/25-proto-museu-postal-e-biblioteca

-------------------- Um Bispo Museólogo Arquivista Bibliotecário Investigador Divulgador in http://museologiaporto.ning.com/profiles/blogs/29-um-bispo-muse-logo-arquivista-bibliotec-rio-investigador

-BAUDOT, Jean-Émile-Maurice in  https://pt.wikipedia.org/wiki/%C3%89mile_Baudot

-SILVA, Luis Marques da – Rua de Dª Estefânia, Antigo Museu dos CTT in http://luismarquesdasilvaarquitectura.blogspot.pt/2009/07/rua-de-dona-estefania-antigo-museu-dos.HTML

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