quinta-feira, 30 de junho de 2016

72.INSPIRAÇÕES DOS AÇORES

Auge Quase Requiem Ressurgimento
Pedro Laureano de Mendonça da Silveira, natural da Fajã Grande, Ilha das Flores, 1922. Passou a maior parte da sua vida na grande Lisboa, onde a sua alma se libertou aos 91 anos na Era de 2003. Foi poeta, investigador, tradutor, crítico literário, vendedor de produtos médicos e farmacêuticos; colaborador da imprensa jornalística, bibliotecário e gestor de serviços na Biblioteca Nacional. Politicamente anarco-sindicalista e vigiado pela Pide. Em 1951 já se encontra na Grande Lisboa.

Após o regime de Salazar consegue funções, inclusivamente de chefia, no sector público. O Estado Novo não permitiria, na sua esfera, um emprego decentemente remunerado, por ser considerado adverso à ideologia vigente. A propensão para o conhecimento do mundo, deu-lhe para percorrer algumas Ilhas, antes de chegar à capital continental.
No dizer do seu conterrâneo açoriano Luís Fagundes Duarte (1), Pedro Laureano era «[…] um cidadão sem pátria fixa, porque filho de todas as pátrias […]. Todos aqueles que conheceram Pedro Laureano de Mendonça da Silveira e com ele privaram recordá-lo-ão como “um tanto duro, como Pedro é pedra; picante agudo assomo [indício, sinal] de silva dos silvedos […]».

Luiz Fagundes tenta traçar-lhe a origem, imaginando-o “de raiz flamenga”, ascendendo aos primeiros colonizadores dos Açores; também de estirpe “alemã ou polaca”, porventura “castelhana”. Em minha opinião, penso que são apenas conjeturas. Porque não imaginá-lo de raiz minhota, quiçá beirã ou de outro sítio da portugalidade? Contudo as palavras do professor Fagundes não são despiciendas ao apresentar Pedro Laureano, que conheceu ao vivo. Como conterrâneo, Fagundes sente de modo particular, o perfil psicológico de Pedro e apresenta-o do seguinte modo:
«É-me difícil escrever sobre este homem que militou no anarco-sindicalismo, foi apoiante ativo das candidaturas de Norton de Matos [2] e Arlindo Vicente [3] colaborador da “Seara Nova” […] mas no fundo desenganado da política activa ainda que nem por isso dela desligado … (sic). É-me difícil escrever sobre este homem que conheci em permanente estado de vigília […]. É-me, enfim, difícil escrever sobre este poeta que, da última vez que o vi, se auto-retratou como um “camarão cozido”, numa cruel alusão às suas costas curvadas pela doença, e que no dia 13 de Abril de 2003 partiu de Lisboa – para a sua derradeira viagem em demanda do “livre Espaço” … (sic)».

Pedro Laureano integrou o conselho de redação da Seara Nova (4) e colaborou no Mundo Literário. Em 1953 publica a Ilha e o Mundo, colabora com o jornal A Ilha, faz crítica literária e, passo a citar: “Foi uma voz incómoda, em geral mal amada pelos poderes instituídos” (5).
Pedro Laureano produz temas de história e etnografia das ilhas, colabora de forma ativa na Encliclopédia Açoriana. Consta que a sua obra começa com o título a Ilha e o Mundo em 1953. Cito, porém, um extrato de edição Fui ao Mar Buscar Laranjas, também conhecida pelo subtítulo de Primeira Voz,poema este que terá sido escrito entre 1942 e 1946 quando o autor tem entre os 20 e os 24 anos.

Já então tecia uma análise saudosista do Faial, um corpo “quase requiem”, mas com esperança de a ver “renascer”, com o bulício e universalidade de outrora, quando a cabografia fazia da Horta -Açores um centro cosmopolita, a nível mundial, antes da concorrência das telecomunicações via radioelétrica e da capacidade dos cabos submarinos para transmitirem diretamente as mensagens entre a Europa, as Américas, a África e outras paragens do mundo (6).

Os versos do poema Fui ao Mar Buscar Laranjas, referentes ao porto da Horta são, pois, um monumento. Ele resume a grandiosidade e a universalidade da Baía e do Porto, enquanto as crises do Faial provocadas pelas alterações tecnológicas se iam instalando. O mundo estava em transformação através dos transportes aéreos diretos, de continente a continente, e das telecomunicações ponto a ponto.
Pedro Laureano pressentiu que o Mundo se abreviara, tornando-se efetivamente global, e o acréscimo de globalização traria algo de contraditório ao mudar os paradigmas comunicacionais, nomeadamente: os transportes aéreos rápidos e diretos; a telegrafia tipo telex, funcionando de escritório a escritório; a telefonia automática, sem intermediação das meninas dos telefones; e a televisão, com prejuízo para as comunicações-face-a-face entre as residências, ruas, casas de cultura e recreio. 

Manuel Urbano Betencourt Machado refere-se a Pedro Laureano da Silveira nos seguintes termos: «Em Pedro da Silveira, a fidelidade à ilha, a resposta poética ao seu apelo insistente, deu-nos a conhecer o pequeno mundo insular (…) os seus acontecimentos à escala reduzida, nem por isso menos importantes do ponto de vista da afectividade e da relação humana. Mas isso não anulou o sentido de viagem, a abertura a novos espaços e escritas, numa salutar dinâmica entre o interior e o exterior, sinal de um espírito naturalmente inquieto e ávido de saber, sempre pronto a agarrar o mais pequeno acaso que lhe permitisse entrar em contacto com o outro lado […]» (fim de citação) (7).

Uma das razões que me levou a trazer aqui Pedro Laureano foi a série de poemas intitulados Fui ao Mar Buscar Laranjas e selecionei apenas uma pequena parte. Pedro Laureano consegue por meio da sua poesia uma síntese bonita, fantástica, informativa, fazendo jus à sua especialidade, no mundo da documentação e comunicação, tecendo uma descrição clara e concisa, para lá de eminentemente poética.

Antes da leitura da poesia de Pedro Laureano, deixo aqui uma descrição em prosa, procurando também em síntese refletir o movimento da Baía habitualmente conhecida como a mais bonita do Mundo, onde se desenvolveram atividades históricas, tais como:

a)Abastecimento aos navios que circulavam entre a Europa e as Américas, antes da força dos combustíveis petrolíferos;

b)Atividades de transformação, aquisição e encaminhamento dos produtos baleeiros, trocados por outros ou por divisas. Do Porto da Horta exportava-se energia para iluminação dos Estados Unidos, extraída da gordura dos cetáceos;

c)Porto de amaragem dos hidroaviões – os célebres clippers da altura heroica da aviação internacional e intercontinental. Na Horta chegaram a ser editados números de jornais, apenas com artigos escritos pelos passageiros.

d)Na Horta amarravam cabos telegráficos submarinos nacionais e intercontinentais. Aqui faziam comutação, reforçavam os sinais e a retransmissão para várias partes do mundo. A Estação Cabográfica, junto à baía funcionou entre (1893 e 1969), quando as tecnologias modernas já não deixavam margem para competir.

e)Na Horta viveram comunidades, especialmente da Alemanha, Inglaterra e América, mas também franceses, italianos, cabo-verdianos, e outros países e localidades. Na Horta construíram e deixaram bairros. Desenvolveram arte,  economia, a cultura desportiva e associativa. Na Horta surgiram amizades, namoros e casamentos entre os técnicos de várias partes do mundo e da população local.

f)Na Horta criou-se e desenvolveu-se o Café Internacional e o Peter`s Café Sport que funcionaram (e ainda funcionam) como entrepostos de correio,animação e comunicação. Os aventureiros do mar (incluindo os solitários vinham (e alguns ainda vêm) atracar ao Porto da Horta, talvez com base na tradição e no bem receber deste quinhão geográfico, social e estratégico da lusofonia, historicamente habituado a lidar com todos os povos. Alguns viajantes e visitantes do mundo perguntavam no Peter`s Café (nome de batismo José Azevedo) se tinham cartas ou recados para eles, como se a Casa do Peter fosse uma central de comunicação à escala global. 

g) Na Horta laborava uma das melhores Estações Radionavais instalada no Monte das Moças, sobranceiro à Cidade. Funcionou desde 1928 a 2013 (85 anos) servindo a população local, inclusivé com cuidados na enfermaria da comunidade naval.
Ainda na envolvência do Monte das Moças foi instalado o Observatório Príncipe Alberto do Mónaco que muito contribuiu para a observação das condições meteorológicas e da astronomia.

h)De tempos recentes e actuais são as aventuras do picoense/faialense Genuíno (sic) Madruga que continua a surpreender-nos e a deliciar-nos com viagens e investigações à volta do Mundo. Muitos são os que se dirigem ao restaurante/museu de Genuíno Madruga, na baixa da Horta, à procura de saberes, de inspiração e aconchego para o corpo e a alma. À Horta chegam novamente navegadores, onde deixam as suas marcas e lembranças. Muitos aventureiros e turistas deixam as suas impressões em enquadramentos de pinturas nos murais que circundam a Baía.

i)O interesse na observação dos cetáceos substitui alguma animação de outrora. Esta atividade lúdica e turística faz uso frequente das comunicações, desde os vigias em postos de observação que utilizam: os telescópios, os sinais de bandeiras, os foguetes, o equipamento radioelétrico e outros terminais mais modernos. O folclore das Festas da Semana do Mar retrata o povo da Ilha, as atividades dos tempos áureos e as comunidades de outras nações.

j)A célebre Trinity House ou a Casa de reforço, trânsito e operações telegráficas da Alemanha, Estados Unidos da América e Inglaterra está a ser transformada em Museu das actividades de transmissão por cabos que atravessavam picos, planaltos e vales submarinos para levarem as comunicações e informações até aos confins do mundo.
Receber e comunicar era e é uma tradição que está na alma e no sopro do espírito faialense.

As atividades e importância do Porto da Horta, não podiam ser melhor, nem mais sinteticamente caraterizadas em nenhum outro estilo literário do que através da poesia de Pedro Laureano da Silveira.
Dado que as condições de movimentação e turismo se alteraram para melhor, nos últimos anos, eu próprio tomei a ousadia de adaptar o título do poema de Pedro Laureano para ir de encontro aos desejos do autor, aliás, expressos no final dos seus versos. A adaptação que eu lhe introduzi, como peça de citação, está indicada com os devidos parêntesis retos.

Vejamos então um extrato do poema de Pedro Laureano, em que mui resumidamente dá conta de toda a azáfama do porto/baía da Horta, refletindo a saudade ao tempo das escalas dos navios que atravessavam o Atlântico; escalas da aviação (os hidroaviões clippers) e da telegrafia morse via submarina, transmitida e retransmitida de e para várias partes do mundo.
 
O extrato do poema de Pedro da Silveira é, pois, um Hino à Horta e à Baía, considerada por muitos, como já disse, a “mais bonita do mundo”.

O título original do poema é:
 
«HORTA QUASE REQUIEM»

Decidi completá-lo indo, certamente, ao encontro dos desejos do autor.

Então aqui vai:
 
«[DA] HORTA QUASE RÉQUIEM [A FÉNIX RENASCIDA]
Como isto foi grande, dinâmico, mercantil, aventureiro!
Homens de todas as raças no porto da Horta,
todas as línguas, bandeiras […],
e navios à carga, vozes, gritos,
o gemer dos guindastes […].
Era a mais alegre, a maior cidade pequena do Mundo!
Era [a] riqueza de Londres
e de Nova York!
Era o requinte de Paris, o luxo
de Sanpetersburgo!
Todos mercavam, vendiam.
Embarcavam.
Tornavam.
[Querida Horta]
[…] O passado que esperas
em futuro renasça […]»
 
P. S. O extrato do poema faz parte da edição de Pedro da Silveira - Fui ao Mar Buscar Laranjas.Também citado por mim em Patrimónios das Comunicações de Portugal: com destaque para o Faial Horta Açores, ed. Turiscon Editora, 2016.

Tags: Açores, cabografia morse analógica, cidadania, comunicações face-a-face, clippers, Faial, globalização, hidroaviões, Horta, museologia social, navios a carvão, Pedro Laureano de Mendonça da Silveira, resistência, telefonia automática direta, telegrafia automática direta,  telegrafia morse, telex, revolução dos transportes e comunicações do século xx, veleiros .

Notas:
(1)Luiz Fagundes Duarte - Memória de Pedro da Silveira, ob cit.

(2)Norton de Matos (Ponte de Lima, 1867 +1955). Figura destacada da administração pública. Estevena India Portuguesa organizando e chefiando serviços de Agrimensura. Em Macau e na China exerceu missões diplomáticas. No Exército foi chefe de estado-maior e general. Alto comissário da República em Angola. No seguimento da I Guerra Mundial foi delegado português à Conferência de Paz. Na maçonaria chegou a Príncipe Rosa Cruz, o último grau do rito francês. Embaixador de Portugal em Londres, cargo de que viria a ser afastado pelo Governo da Ditadura Militar. Não é bem aceite pelo Presidente do Conselho António de Oliveira Salazar e é forçado a deixar de exercer funções públicas interferindo também com a vida das associações secretas; logo, Norton de Matos sente-se também lesado na sua vida privada e sem liberdade de exercer as suas atividades na maçonaria. Nas eleições de 1949 reivindica liberdades e fiscalização da eleição, o que não é aceite pelo regime do Estado Novo. Norton de Matos também discordava da política do Estado Novo em relação às Colónias. Escreve um livro África Nossa em que propõe “[…] povoar essas terras, intensa e rapidamente, com famílias brancas portuguesas e continuar a assimilar os habitantes de cor que lá encontramos. Assimilação completa, material e espiritual”. Não foi essa a política seguida e só muito mais tarde a História vem demonstrar quão erradas foram as opções do Regime.
 
(3)Arlindo Augusto Pires Vicente (1906 Troviscal – Oliveira do Bairro; +1977 Lisboa). Advogado e pintor modernista, militante opositor do Regime do Estado Novo, interessado pela cultura e pela cidadania. Participa em listas da Oposição para os concursos à Assembleia Nacional, de modo especial apoia a o General Humberto Delgado para a Presidência da República. Foi preso político e cumpriu pena.
 
(4)Duarte, Luís Fagundes, op. cit. 9.12.2013

(5)Seara Nova. Revista portuguesa. Data desde o ano 1921, tendo como fins “pedagógicos e políticos” através da ação “doutrinária e crítica”, especialmente ao tempo da Ditadura Nacional e do Estado Novo, mormente do salazarismo.

(6)Wiki, et al. - Pedro Laureano de Mendonça da Silveira inhttps://pt.wikipedia.org/wiki/Pedro_Laureano_Mendon%C3%A7a_da_Silveira
 
(7)Esta indução/reforço dos sinais também se costuma resumir por pupinização, conceito que vem de Michael Idvorski Pupin (1858-1935). Pupin trabalhou para o reforço dos sinais telegráficos e telefónicos através de indutores, espécies de bobinas de incitação.
 
(8)Machado, Manuel Urbano Bettencourt; Wiki et al. - Pedro Laureano de Mendonça da Silveira inhttps://pt.wikipedia.org/wiki/Pedro_Laureano_Mendon%C3%A7a_da_Silveira
 
Outras fontes:

--Anciães, Alfredo Ramos – Patrimónios de Comunicações de Portugal: Em destaque a Horta Faial Açores. São Mateus, Terceira: Turiscon Editora, 2016

--Associação dos Antigos Alunos do Liceu da Horta; Museu da Horta – O Porto da Horta na História do Atlântico: O Tempo dos Cabos Submarinos. Horta: Gráfica O Telegrapho, s.d.

Em linha:


---------------------07.Patrimónios de Comunicações de Portugal: Transmissões Telegráficas Submarinas e a Relação com o Desporto Cultura e Recreio em Carcavelos e Horta-Faial, Triplov, pp 31-33 inhttps://www.google.pt/?gws_rd=ssl#q=07.TRANSMISS%C3%95ES+TELEGR%C3%81FICAS+SUBMARINAS+E+A+RELA%C3%87%C3%83O+COM+O+DESPORTO+CULTURA+E+RECREIO+EM+CARCAVELOS+E+HORTA-FAIAL
 

--Duarte, Luiz Fagundes - Memória de Pedro da Silveira inhttp://www.acorianooriental.pt/artigo/memoria-de-pedro-da-silveira, 9.12.2013
 
--Machado, Manuel Urbano Bettencourt ; Centro de Investigação em Estudos Regionais e Locais – Universidade da Madeira in http://www4.uma.pt/cierl/?page_id=1110

--Oliveira, Álamo – Pedro da Silveira (1922-2003) – Um Breve Perfil. Boletim do Núcleo Cultural da Horta, 13: 75-80; também disponível inhttp://triplov.com/boletimnch/boletimnch_2004/alamo_oliveira.htm

--Silveira, Pedro da - Sobre Autores Açorianos Cujas Obras Devem Merecer Edição, As Inéditas, ou Serem Reeditadas Condignamente - Boletim do Núcleo Cultural da Horta, 15: 13-20; também disponívelin http://triplov.com/boletimnch/boletimnch_2004/alamo_oliveira.htm

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