quinta-feira, 7 de julho de 2016

75. A MALA-POSTA E O NOVO MUSEU DOS COCHES

       DAS "ARMAS REAES" ou brasão / moldura de uma estação de muda da mala-posta. Este brasão de armas representa a actividade transportadora do Correio público re-nacionalizado, ao tempo da rainha D. Maria I, que foi também o primeiro transporte público de carreira.
(Imagem Arq. AA. A peça real encontra-se no Museu das Comunicações / Fundação )

«Das estalagens e casas de posta /
Art. I As casas de Postas, e as Estalagens destinadas para jantar e céa das Diligencias, serão izentas de todos os encargos públicos, e as Pessoas nellas empregadas não poderão ser presas[...] nem distrahidas para serviço, e encargo algum público; as mesmas Casas e Estalagens serão annunciadas com as Armas Reaes [...]» conforme imagem supra.
 (FERREIRA, Godofredo, ob. cit , p. 39)


         (01 Reconstituição de cena numa estação de mala-posta na Fundação Portuguesa das Comunicações / Museu, em Lisboa)
 
         COMO NASCEU O CORREIO HIPOMÓVEL:
 
       «À medida, porém, que se eleva o nível da cultura geral e se desenvolviam as relações comerciais fomentadas pela prosperidade sempre crescente das nações, ia-se tornando impossível transportar as cartas unicamente por correios a cavalo, por estafetas ou peões; e, assim, em quase todos os países se adoptou, por indispensável, o carro postal, que servia igualmente para transporte de passageiros e de encomendas. [...]
       Os carros utilizados tiveram formas e nomes diferentes segundo os países que percorriam: mala-posta, diligência, messagera, corriera, mail-coach[...]» (FERREIRA, Godofredo, ob. cit , p. 31)

A DIFÍCIL ACTIVIDADE DE "LEVAR A CARTA A GARCIA":


       «A carta de criação do [...] ofício encara desde logo a necessidade de se estabelecerem cavalos de posta em diferentes lugares do reino; pelo que se conclui que desde o início se previu a existência de correios públicos a cavalo; embora então, e mais de um século depois - como se infere do Regimento do Correio-mor, de 1644 - o correio se fizesse, em grande parte, quase exclusivamente a pé. 
       Assim se compreende que no meado do século XVI uma carta de Braga a Lisboa levasse sete dias, como afirma Frei Luís de Sousa na sua primorosa obra Vida do Arcebispo D. Frei Bartolomeu dos Mártires [...]».  (FERREIRA, Godofredo, ob cit. pp. 29-30).

       Assim se compreende a necessidade do estabelecimento das malas-postashipomóveis de carreira e organizadas com estações de muda, recobro e dormidas. Porém, como abaixo se descreve, só nos finais do século XVIII vieram a ser estabelecidas. Demonstra que uma espécie de Idade Média vigorou em Portugal e noutras partes do Mundo, até à entrada da Idade Contemporânea. O Renascimento não foi, pois, um dado adquirido em toda a vertente social e no espectro das comunicações terrestres.

       «A solução deste e doutros problemas de fomento nacional reclamava a intervenção de um cérebro vigoroso e de uma vontade firme que, corajosamente, e acima de estreitos conceitos administrativos da época, enfrentasse os mil empecilhos que formavam o séquito da clássica e assustadora falta de verba ... (sic). Mas a Providência mais uma vez veio ao nosso auxílio, e o homem de superior envergadura apareceu ... (sic) na pele do jovem Ministro António Maria de Fontes Pereira de Melo!»
        (FERREIRA, p. 158).

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       O Museu dos Coches em Belém data de 1905. Na altura designado
 Museu dos Coches Reaes por acção da rainha D. Amélia d`Orleães e Bragança, mulher do rei D. Carlos. Instalado no ex picadeiro real, junto à actual Presidência da República, para preservar e expor a maior colecção de hipomóveis.

 
(02 Antigo Museu Nacional dos Coches)

       Com a implantação da República, o museu acolhe outros patrimónios: reais, senhoriais e da igreja, de modo a tornar-se no maior e, segundo a crítica, no melhor património do género à escala mundial. A relevância da colecção faz com que o museu ganhe a classificação de nacional.
 
(03 Novo Museu Nacional dos Coches, em construção)

       A falta de espaço, neste importante equipamento, vem desde a origem. Em 2016 soluciona-se o problema, permitindo uma melhor preservação e exposição do espólio, com vista a servir os visitantes, especialmente os turistas, que sabem encontrar aqui uma referência de excelência.
 
(04 Novo Museu Nacional dos Coches, em construção)

       A colecção é constituída por coches (1); pequenas viaturas para transporte de crianças; viaturas de aparato para influenciar pessoas e instituições; viaturas de transporte processional; berlindas (2), acessórios; fardamentos da época, geralmente relacionados com a cavalaria e; objectos de pinacoteca, entre outras peças.
 
(05 Novo Museu Nacional dos Coches, em construção)

       Dada a procura do museu e a crónica falta de espaço; em 1994 surge a oportunidade da Secretaria de Estado da Cultura adquirir as extintas Oficinas Gerais de Exército quase em frente do tradicional museu. Actualmente o Museu dos Coches passa a contar com as novas instalações, acrescendo uma área bruta de construção de aproximadamente 12.000 metros quadrados e 7.500 de área de estacionamento.

 
(06, 07 Novo Museu Nacional dos Coches, em construção)

       Destaco aqui, apenas algumas peças, entre elas, a mais antiga, referente ao coche de Filipe II, datada do século XVI; o “coche de mesa”, também conhecido por “coche da troca das princesas”; a “carruagem da coroa”; o “landau do regicídio”, ainda com marcas referentes ao atentado e; no final do percurso expositivo, encontram-se as malas-postas, destacando-se a carruagem “CORREIO / nº 7”, propriedade do Património Museológico Postal dos CTT, a cargo da Fundação Portuguesa das Comunicações.
 
(08 Coche de transporte e aparato)
 
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       Dada a minha relação particular com o mundo dos patrimónios de comunicações e transportes, destaco, neste artigo, as carruagens malas-postas hipomóveis, presumo que temporariamente expostas neste novo Museu, situado junto ao Jardim Afonso de Albuquerque e a Presidência da República, no eixo Ajuda-Belém.
       O primeiro transporte público de carreira em Portugal começa em 1798. Criado a partir de um Alvará intitulado “Instrução para o Estabelecimento das Diligências entre Lisboa e Coimbra” e mais tarde, a partir de meados do século XIX é alargado o sistema até ao Porto e outras localidades. Estas carreiras chamam-se malas-postas, sendo que “mala” se relaciona com caixa, saco ou outros receptáculos transportadores de objectos e o termo“posta” deriva de postal, ou seja, da actividade de recolha, processamento, transporte e entrega de correio e encomendas. Por extensão o termo mala-posta passa a designar as diligências de correio e passageiros.
 
(09 Mala-posta. Carreira Lisboa-Porto 1859-1864 Ed. postais Museu dos CTT)

       O percurso das carruagens de mala-posta fazia-se três vezes por semana entre Lisboa e Coimbra, estendendo-se numa fase posterior até ao Porto e outras localidades. 
       Como o serviço era de utilidade pública e gozava da protecção real e dos governos, foi decidido alargar este transporte a passageiros, estudantes e homens de negócios que precisavam de se deslocar nos percursos coincidentes com a mala-posta. Porém, mesmo aliando o transporte de correio ao de passageiros, a actividade pública, hipomóvel, da mala-posta, mostra-se muito dispendiosa e é cancelada ao fim de meia dúzia de anos. Retomada já em época da regeneração, em 1859; é encerrada em 1864 devido à nova revolução dos caminhos-de-ferro com tracção a máquinas a vapor.

 (10 Mala-posta. Quatro fases do Percurso: Jornada, ceia, muda, pernoita. Lisboa-Coimbra-Porto, 1798-1864. Pintura a óleo de José Pedro Roque. Ed. Postais Museu dos CTT)

(11 Cena de pernoita em estação de muda da mala-posta)
      
A carreira hipomóvel, entre o Carregado(3) e o Alto da Bandeira(4), com várias estações intermédias, implica oito cavalos em trânsito (quatro em cada diligência) e vários outros em descanso para substituir os equídeos cansados.

(12 Mala-posta: estação-de-muda, carruagem e marco. “Pintura a óleo executada para a [grande] Exposição de Obras Públicas, Lisboa, 1948”. Ed. Postais Museu dos CTT)

       Nesta actividade da mala-posta revê-se todo um mundo pitoresco, carregado de histórias, entre elas, as histórias dos salteadores “amigos do alheio” ou mesmo por questões políticas. São os assaltos com um certo romantismo. Histórias estas que se cruzam com as vidas dos célebres José do Telhado, o Remexido e outros salteadores da época da implantação do regime liberal.

 
(13, 14  Mala-posta: Estação-de-muda de Casal dos Carreiros, 1856. Miniatura de Raul de Campos, 1954. Ed. Postais Museu dos CTT ; 013 Cena entre o postilhão e o estudante - passageiro da mala-posta)

       A segunda fase da introdução da mala-posta em Portugal parecia adaptada para se prolongar no tempo, com a evolução da organização, vias de comunicação e carruagens mais resistentes e adaptadas ao tráfego postal e de passageiros; porém, a mala-posta, hipomóvel, de Lisboa ao Porto não chega a completar uma década, devido à introdução quase simultânea do caminho de ferro.
(15 Cenário in pavilhão da mala-posta. Fundação Portuguesa das Comunicações / Museu. FT AA, 2016)

       A princípio, até mesmo os escritores gozavam com os comboios, não acreditando neles, porque eram ainda muito lentos e não tinham a "alma" e o sangue dos cavalos. Aquela tecnologia do ferro, carvão, fogo e vapor parecia uma coisa diabólica e pouco eficaz.
       Passados os primeiros meses, o comboio ganha paulatinamente credibilidade. Em 1864, com a chegada do comboio à cidade Invicta, a mala-posta é substituída pela tracção a carvão. Ainda ficou activa a mala-postaentre Porto-Braga-Guimarães até inícios dos anos 70 (séx. XIX) e as diligências, hipomóveis, propriedade de particulares, em várias outras localidades do país, até serem gradualmente substituídas pelos transportes motorizados.
       As mala-postas englobavam edifícios, carruagens e um corpo de oficiais, assistentes e colaboradores locais, tais como: Um Conselheiro, um Superintendente Geral do Correio e Postas, os Postilhões, os Cocheiros, os Sotas, entre outros recursos.

 
(16 Mala-posta: “Paragem na estrada, séc. XIX, aguarela de Mário Costa, cerca de 1945”. Ed. Postais Museu dos CTT)

       Para lá do interesse da mala-posta, inserida no Museu dos Coches, a mesma mala-posta deverá despertar a atenção histórica dos transportes públicos, especialmente os de carreira.
       O percurso das malas-postas fazia-se três vezes por semana entre Lisboa e Coimbra, estendendo-se numa fase posterior até ao Porto e outras localidades. Tinham horário estabelecido e era cumprido com rigor. 

(17,18 Marco da mala-posta no percurso de Lisboa-Coimbra-Porto, encimado com relógio de sol e inscrição das distâncias em léguas. Exemplar preservado na Fundação Portuguesa das Comunicações / Museu; 017 legenda em marco da mala-posta)

       A substituição dos cavalos fazia-se em edifícios, chamados estações-de-muda construídas à beira das novas ou renovadas estradas reais. Os edifícios obedeciam ao conceito de arquitectura funcional das antigas estações da mala-posta do Império Romano. Além da muda, isto é, troca dos cavalos asestações-de-muda serviam para o intercâmbio de malas de correio. As estações mais centrais serviam refeições aos passageiros e nelas pernoitavam para, na manhã seguinte, prosseguirem viagem.

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Notas:
(1)Carruagens de tração animal para transporte de pessoas e carga, entre ela o correio.
(2)Pequenos coches, de cabina, suspensa entre varais.
(3)De Lisboa ao Carregado, o percurso era feito em barco, pelo Tejo.
(4)Do Alto da Bandeira-Gaia ao Porto, o percurso era feito por barco, pelo Douro. A ponte de D. Maria Pia só estaria pronta em 1877.
 
Tags: Museu dos Coches, Transportes, Carruagens-hipomóveis, Mala-Posta
 
Fontes:

-ANCIÃES, Alfredo Ramos - Museu CTT das Comunicações. Subsídios para Uma Abordagem Sistémica. Lisboa: Museu CTT das Comunicações; Instituto Superior de Matemáticas e Gestão, 1993, policopiado ; - O Museu dos CTT. Lisboa: Museu dos CTT; Univ. Nova de Lisboa, 1989, policopiado; - Para-Guião Exposição Permanente Vencer a Distância. Cinco Séculos de Comunicações em Portugal. Lisboa: FPC - Património Museológico de Telecomunicações, 2005.

-BARROS, Guilhermino Augusto de; Direcção Geral dos Correios – Relatório Postal do Anno economico de 1877-1878 precedido de uma memoria historica relativa aos correios portuguezes desde o tempo de D. Manuel até aos nossos dias. Lisboa: Lallemant Frères, Typ. Fornecedores da Casa de Bragança, 1879 ; –Memória Histórica Acerca da Telegrafia Eléctrica em Portugal, 2ª ed., ampliada com notas, gravuras e retratos coligidos por Godofredo Ferreira, Lisboa, 1944 ; - Relatório do Ano Económico de 1877-1878, Procedido de uma Memória Relativa aos Correios Portugueses desde o Tempo de D. Manuel até aos Nossos Dias, Lisboa, AH  FPC. ;  - Relatório do Director Geral dos Correios, Telegraphos, Pharoes e Semaphoros relativo ao anno de 1889 precedido pela continuação da História dos Correios até ao fim de 1888 e de uma memoria historica acerca da telegrafia visual, electrica, terrestre, maritima, telephonica e semaphorica, desde o seu estabelecimento em Portugal. Lisboa: Imprensa Nacional, 1891.- reeditado, composto e impresso por: G7 – Artes Gráficas, Ldª. Lisboa, 1992.

-CTT - O Museu dos CTT Português. Lisboa: Ed. dos Serviços Culturais dos CTT, 1973

-FERREIRA, Godofredo  – A Mala Posta em Portugal, 2ª ed., Estudos Gráfico, Ldª, 1959 ; Coisas e Loisas do Correio, AH FPC, Lisboa, 1955; - Coisas e Loisas do Correio. Ligeiros Apontamentos Coligidos por Godofredo Ferreira. Lisboa: CTT, 1955

-SOUSA, Raphael Augusto de - A vida de José do Telhado. - 2ª ed. - Porto : [s.n.], 1874 (disponível na Biblioteca Nacional

-Em linha:

-ANCIÃES, Alfredo Ramos. - O Primeiro Transporte Público e a Mala-Posta em Portugal. Lisboa: Sol, 18 June 08 10:31 PM. Obs.: Por indisponibilidade dos blogs SOL em 2016 …, este post encontra-se parcialmente reproduzido emhttp://portugalmemoria.blogspot.pt/2015/09/o-primeiro-transporte-pu...

-Direcção-Geral do Património Cultural, et al. -http://www.patrimoniocultural.pt/pt/agenda/atividades-diversas/novo...

- GARROCHIMBO, António – Zé do Telhado e Remexido – Robins dos Bosques à Portuguesa !? - http://desenvolturasedesacatos.blogspot.pt/2014/05/ze-do-telhado-e-...

-Museu Nacional dos Coches; AMARAL, Hugo; COELHO, Sara Otto et al. -http://observador.pt/especiais/longa-viagem-dos-coches-ate-ao-novo-... ;



Wiki, et. al. – José do Telhado - https://pt.wikipedia.org/wiki/Z%C3%A9_do_Telhado
Wiki, Museu Nacional dos Coches et. al. -https://pt.wikipedia.org/wiki/Museu_Nacional_dos_Coches

Imagens:

-Arq. Fundação Portuguesa Comunicações: Fts. 008, 009; 011,012,015
 
-Arq. Pessoal AA: Fts. 001 a 007; 010; 013,014;016,017

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