segunda-feira, 27 de outubro de 2014

21 MUSEOLOGIA ENTRE O ESTADO NOVO E A DEMOCRACIA: O CASO DO EX-MUSEU DOS CTT E TLP

«Perdi a conta as vezes em que carinhosamente me ligava quando eu estava no fundo do poço [...]» (1)
Novo conservador e edifício sede exclusivo para o Museu dos CTT

Em 1959 assumiu funções de conservadora-chefe a Drª Maria da Glória Pires Firmino. Durante o período em que esteve à frente do museu (1959-1986), este foi transferido da Rua das Picoas, 7 – 2º andar e da Rua Castilho onde funcionavam respetivamente as exposições dos sectores do correio e de telecomunicações (encerradas em 1962), para a Rua de Dª Estefânia, 173-175, reabrindo ao público, nesta última morada, em 1967.
Este edifício pertencera ao Sr. Henrique Maufroy de Seixas, exímio colecionador de tudo o que respeitava à marinha e onde instalara dois andares com espécimes desta atividade. Digamos que o edifício da Estefânia, com interiores ricamente decorados, já tivera tradição nas lides do colecionismo, museologia e documentação. 
O primeiro edifício utilizado por inteiro pelos CTT para servir de museu e exposição permanente foi o da Rua de Dª Estefânia com uma área total de aproximadamente 745 metros quadrados, distribuídos por quatro pisos e ainda um Jardim com cerca  de 340 metros quadrados.
A exposição integrava uma mostra das três principais coleções: correios, filatelia e telecomunicações. Em princípio abriu-se uma pequena parte para exposição temporária mas esta solução acabou por ser posta de parte passando-se a expor as coleções apenas com carácter permanente, ou de grande duração, facto este que, em nosso entender, contribuiu para uma certa estagnação das ideias de renovação, experiência e conceitos de exposição. O museu era bastante frequentado pela população escolar e beneficiou do facto do tema das comunicações estar patente no programas curriculares do ensino básico e secundário.
Na Rua de Dª Estefânia, 173-175 esteve a exposição permanente, serviços técnicos e secretaria até maio de 1985, altura em que a mesma exposição encerrou subitamente ao público, alegadamente porque os CTT constataram que as instalações de água e eletricidade não ofereciam segurança para as coleções. O acervo foi conduzido para as reservas e depósitos dispersos pela cidade de Lisboa.
A exposição traduziu-se nos últimos anos num certo envelhecimento, facto que era reconhecido por alguns entendidos na comunicação e exposição. A conceção era demasiadamente técnica com séries de peças, quase ausência de imagens e objetos de contexto funcional.
No rés-do-chão, expunha-se uma coleção de imagens etnográficas de figuras típicas de Lisboa mas o enquadramento na exposição permanente do Museu dos CTT era precário. Devemos, porém, olhar para este conceito de exposição integrado no contexto temporal.
Em 1967, ano em que foi montada a exposição da Rua da Estefânia, a experiência e formação museológica em Portugal era incipiente. As universidades não tinham a valência de ensino museológico. Os orçamentos atribuídos aos museus eram reduzidos.
Através das Atas do “Colóquio APOM 76 – Panorama Museológico Português” verifica-se que os museus portugueses após uma intensificação das suas atividades de carácter ideológico no que toca à sobre-exaltação nacionalista tem epílogo na exposição d` “O Mundo Português”, de 1940. Decorrida esta apoteose, os museus começam a entrar em crise. O grande público, por sua vez, não se interessava por museus e exposições. As visitas eram, essencialmente, escolares do ensino básico.
Chegou-se aos anos 70 e o panorama museológico estava esgotado de ideias e de capacidade de renovação. Os recursos humanos tinham, grosso-modo, pouca formação. Nesse tempo brincava-se nos CTT e TLP com quem ia trabalhar para o museu dizendo-se, em tom jocoso que iam repousar, tal como as peças do museu. Obviamente, o dito não correspondia à verdade mas a imagem, embora falsa, pesava sobre as pessoas e o museu que era pouco visitado pelos recursos humanos das empresas e pelas famílias. 
O agitar das águas para uma nova política museológica
A mudança do paradigma político, da ditadura para a democracia com o 25 de abril de 1974 vem, também, a nível dos museus, “agitar as águas”. Alguns museólogos começam a apelar para novos valores, tais como a democraticidade e integração nos programas educativos e culturais.
A título de exemplo, Domingos Pinho Brandão no “Colóquio APOM 76” advoga o seguinte: “logicamente, um museu deverá ser uma escola de educação e cultura [...] não se destinando somente aos especialistas, mas a todo o homem mesmo ao menos culto, para que seja mais culto”. (2)
Estas palavras datam de 1976, por altura do colóquio citado. Eram tempos conturbados, em rápida alteração social, cultural e política. Daí a preocupação ao evocar uma ação mais interventiva na linha da democratização do ensino e do país. Na sua intervenção no colóquio, Pinho Brandão, refere a falta de meios, a maneira como fazer face às carências e deixa-nos uma perspetiva sobre o caminho que os museus deveriam seguir:
“Dever-se-á caminhar ainda para museus que constituam unidades de ação no domínio da investigação e estudo. Não temos as possibilidades de alguns museus estrangeiros, nem pessoal técnico e administrativo suficiente, nem dotações, nem meios [...] alguma coisa, porém, já se poderá ir fazendo, com paixão e sacrifício” (3). 
Não era, porém, só nestas áreas que urgia intervir e o próprio Domingos Brandão queixava-se da falta de legislação:
“[...] para além dos diversos tipos de intervenção que enumerei, não basta a boa vontade do Diretores e Conservadores dos Museus. É necessário que os seus estatutos lhes confiram a faculdade de intervir. A nova política museológica deve assegurar tão importante dimensão”. (4)
Notas
(1) in PPS Image Bank, sem indicação de autor, recebido por e-mail em 2014
(2) BRANDÃO, Domingos de Pinho. – Intervenção dos Museu nas Áreas da sua Localização in Atas do Colóquio APOM 76: Panorama Museológico Português – Carências e Potencialidades. Porto: 1 a 5 de dezembro de 1976, ed. APOM, 1979, p. 35
(3) Ibid. p. 37
(4) Ibid. p. 38
Fontes
-ANCIÃES, Alfredo Ramos - O Museu dos CTT. Lisboa: Arquivo UNL, 1988/1989. Disponível também em Arquivo do Grupo dos Amigos do Museu das Comunicações
-APOM. Colóquio APOM 76: Panorama Museológico Português – Carências e Potencialidades. Porto: 1 a 5 de dezembro de 1976, ed. APOM, 1979
-HUDSON, Kenneth – A Social History of Museums: What the Visitors Thought. Michigan: Humanities Press, 1975
-POMBA, Graça Maria Veloso Matias Ferreira – O Museu e o Ensino da História no C.P.E.S. Lisboa: Escola Preparatória Luís António Verney, ano letivo de 1971-72. Disponível também em CDI da Fundação Portuguesa das Comunicações. Estágio realizado no Museu dos CTT
RIVIERE, Georges-Henri – Muséologie Générale Contemporaine. Paris: Université de Paris, 1972

domingo, 26 de outubro de 2014

17 ARTE E COMUNICAÇÃO: SUA RELAÇÃO COM O PARÁCLITO

                 
No Império do Divino Espírito Santo, as leis evangélicas serão finalmente realizadas, não só na sua letra mas no seu espírito. Na Terceira Idade […] não haverá necessidade de leis ou instituições disciplinadoras da fé, já que esta será universal e baseada diretamente na inspiração divina […] Qualquer plebeu será Imperador, já que a sabedoria divina a todos iluminará igualmente, ou seja todos beneficiarão de uma "inteligência espiritual” […]. (1)
Os Açores prosseguem a tradicional ligação religiosa e sociológica ao culto do Espírito Santo representado na forma de pomba (2), ave desde os tempos bíblicos associada à transmissão da informação comunicação (3). 
Os patrimónios ligados ao Paráclito podem/devem dar origem a percursos associados à temática dos impérios com sua organização social, arquitetura e sinais característicos: coroas reais, bastões, pombas, flores-de-lis ….
A interpretação deste acervo traz à colação aspetos históricos: desde os primórdios do culto do Espirito Santo, a começar por Israel (4).  Chegado este culto à Europa, reforçado e reinterpretado pelo monge filósofo Joaquim de Fiore, é divulgado pelos franciscanos, com a ajuda da Rainha Santa Isabel de Portugal, seu esposo, o Rei D. Dinis e sucessivamente pelo Padre António Vieira, o poeta Fernando Pessoa, filósofo Agostinho da Silva, poetisa Natália Correia e pelas comunidades açorianas, incluindo as da diáspora que, desde o século XV, preservam as manifestações culturais (5) e o culto.
No meu recente percurso identifiquei dezenas de impérios e sinais sobre a arquitetura e calçadas, com elementos associados à Terceira Pessoa da Santíssima Trindade. Estes elementos de arte, religião,  comunicação e cultura são muito característicos do Arquipélago açoriano constituindo uma marca peculiar de identidade.
A expressão artística dos sinais e o ponto/superfície em que se encontram varia de umas localidades para outras. Convém, pois, que os estudos, os roteiros e os percursos destes patrimónios destaquem as particularidades em cada império, igreja, capela, escola, edifício público ou particular.
Estudar e comunicar estas marcas açorianas é preciso para o reforço da economia e para que os turistas sintam que vale a pena repetir visitas e retransmitir as experiências a amigos e familiares.
Quanto à Horta/Faial impressionou-me do ponto de vista simbólico a igreja de Nossa Senhora das Angústias, sucessora do primeiro templo construído na Ilha (a ex-ermida de Santa Cruz). Verifiquei na calçada do átrio da igreja a iconografia que nos remete para os primórdios do povoamento, nomeadamente o brasão de Jos van Hurtere, flamengo (Jos D`Utra ou Dutra na grafia aportuguesada), um dos primeiros colonos a estabelecer-se no Faial e Pico, onde foi capitão donatário. Ao lado figura o brasão de sua esposa D. Beatriz de Macedo, criada na Casa do Infante D. Fernando – Duque de Viseu. Ambos os brasões estão acompanhados pela iconografia do Espírito Santo na forma da coroa e da pomba mensageira.
Estes elementos caracterizam, porventura, os valores simbólicos e culturais mais evidentes do Faial/Açores no que toca ao Paráclito, cujo culto difundido para diversas partes do mundo continua como um elo de união, convívio e comunicação.
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Notas:
(2)-A adoração da Terceira Pessoa da Santíssima Trindade representada por esta ave está também associada à transmissão do sinal de paz, desde tempos pretéritos;  dilúvio/Arca de Noé, batismo de Cristo, até às comunicações columbófilas ou seja o transporte de columbogramas.
(3)“Das remotas eras em que uma pomba indicava aos fiéis o escolhido por Deus para governar a Igreja, até nossos dias, o Espírito Santo foi [inspirando com o] sopro divino […] Dessa vez, o Grande Eleitor havia decidido intervir de modo visível. Enquanto Fabiano se esgueirava por entre a assistência para se aproximar do centro da cena onde se desenrolavam os debates, uma pomba entrou por uma janela do recinto, esvoaçou elegantemente sobre os circunstantes e pousou suavemente sobre a sua cabeça: o Espírito Santo o havia escolhido!” Cf. A Pomba e os Cardeais in  http://www.arautos.org/novo-papa/site/interna/44564, http://www.arautos.org/novo-papa/site/interna/44564#sthash.dRArrP87.dpuf, acedidos em 10.9.2014 
(4)-Destaque para o batismo de Jesus Cristo em que aparece a figura da pomba.
(5)-Entrada do culto do Espírito Santo na Europa, locais específicos de adoração, ermidas e capelas, bodos/ágapes, folias, … Reforma e Contra-Reforma, Concílio de Trento, Poder real, refúgio, preservação e difusão do culto a partir dos Açores.
Fontes:
-ANCIÃES, Alfredo Ramos – Visita a Carnide com o GAM-C - Grupo dos Amigos Museu das Comunicações em março de 2013. Documento disponível na Sede do Grupo.
-Bíblia Sagrada – Lisboa: Difusora Bíblica (Missionários Capuchinhos) 11ª ed., 1984
-Joaquim de Fiore e o Espírito Santo in http://pt.wikipedia.org/wiki/Joaquim_de_Fiore, acedido em 23.8.2014
-Jos van Hurtere e  D. Beatriz de Macedo in http://pt.wikipedia.org/wiki/Joss_van_Hurtere, acedido em 23.8.2014

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

16 FAIAL DAS COMUNICAÇÕES E DO SANTO ESPÍRITO


Entre o Faial e o Pico ouço uma canção no hidrofone. Será certamente o sinal de um cetáceo normal namorando  sua companheira (AA, agosto de 2014).

Situada no grupo central do arquipélago, a Ilha do Faial foi descoberta ou, quiçá, redescoberta por Gonçalo Velho Cabral em 1432, quem sabe se para cumprir a futura missão de bem acolher. Orgulhosa do passado e feliz por reabilitar patrimónios; com uma baía, a mais linda do mundo, segundo o que sinto e me dizem as fontes.
NAVEGADORES E AVENTUREIROS
No ADN dos habitantes do Faial reside um sentimento de bem acolher. Os navegadores e aventureiros que aportam à baía da Horta sentem o ensejo de aqui fazer escala e mesmo permanecer. A tradição do Peter Café Sport (1) como entreposto de correio e alimento é revelador de histórias reais. Os aventureiros do mar, mesmo os desconhecidos,  perguntam no Peter Café se têm correspondência, como se a Casa fosse uma central de comunicação à escala global. 
Mais recentemente e, hoje em dia, são reveladoras as aventuras do picoense/faialense Genuíno (sic) Madruga continuando a surpreender-nos e deliciar-nos com as suas viagens e investigações à volta do Mundo. Muitos são os que se dirigem ao restaurante/museu de Genuíno, na baixa da Horta, à procura de saberes, inspiração e aconchego para o corpo (cf. comentários 2 a 5 deste poste).
Na história da aviação, a Horta também tem os seus pergaminhos. A baía serviu como porto de hidroaviões; desde as viagens experimentais e pioneiras aos transportes comerciais com os célebres Clippers da Pan American.
OBSERVAÇÃO DE ESPÉCIES MARÍTIMAS
Nas atividades de pesca/baleação e indústrias derivadas, o Faial e o vizinho Pico foram uma referência. Desde a captura das espécies à transformação em produtos.
Atualmente continua o interesse na observação dos cetáceos contribuindo para o desenvolvimento do setor turístico. Estas atividades fazem uso frequente das comunicações, desde os vigias/postos de observação que utilizam como tecnologias: óculos/telescópios, sinais de bandeiras, foguetes, equipamentos radioelétricos e novos terminais de telecomunicações. Também na observação de espécies piscícolas locais e na defesa e assistência, as comunicações estão muito presentes.
ESTAÇÃO RADIONAVAL
A Estação Radionaval situada no monte entre o Hotel Faial (ex messe da comunidade americana dos cabotelegrafistas da Western Union) e o Observatório Príncipe Alberto do Mónaco (2) no alto do Monte das Moças funcionou desde 1928 a 2013. Foi o “melhor centro de propagação radionaval do arquipélago”(3).
A Marinha Nacional preserva importante património histórico, didático e museológico, cuja seleção, estudo, sistematização, divulgação e exposição estarão, certamente, a ser equacionados para bem da valorização identitária e turística do Faial.

Com a evolução tecnológica, nomeadamente a alteração das comunicações analógicas em digitais, esta Estação foi dispensada, um pouco à semelhança do que aconteceu com a Trinity House, ultrapassada com as novas tecnologias. O Poder Político, quiçá, secundado por Técnicos especialistas acharam que não valeria a pena reinvestir na renovação desta Central. Tal como aconteceu no território continental, S. Miguel também centralizou meios de outras Ilhas.
Contudo, o  sítio interessante da ex-Estação Radionaval tem valor paisagístico como miradouro, acrescido dos edifícios e equipamentos radioeletricos com importância histórica e interesse museológico. Parece que está previsto para o local a instalação de uma Escola de Pescas continuando a ser ali preservado e exposto, senão todo, pelo menos parte do património de comunicações: Recetores, emissores, telex`s, informação original ou cópia da mesma; aparelhos de medida e ensaio, energia/alimentação, ferramentas e mobiliário. Será mais um importante recurso para expor in situ as memórias das radiocomunicações navais, assistência às embarcações e populações. Os visitantes e investigadores, certamente, irão apreciar memórias de 85 anos.
ESTAÇÃO CABOTELEGRÁFICA REGIONAL E INTERCONTINENTAL
Mediadora de impulsos de ondas hertzianas que chegavam  atravessando montes, planaltos e vales submarinos.
Receber e comunicar está na alma e no sopro do espírito faialense 
A Trinity House era  essencialmente a casa de transito e operações telegráficas da Alemanha, Estados Unidos da América e Inglaterra mas por ali passavam comunicações relativas a vários outros países.
Esta Casa está a ser preservada para instalação de um museu que contribuirá para a renovação da imagem e da economia do Faial, procurando, em associação com outros atrativos, colmatar a perda da importância de outrora (finais do século XIX e até aos anos sessenta do século XX) tão bem caracterizada no seguinte extrato do conjunto de poemas de Pedro Silveira intitulados "Fui ao Mar Buscar Laranjas".
«[De] Horta Quase Réquiem” [a Fénix renascida]
Como isto foi grande, dinâmico, mercantil, aventureiro!
Homens de todas as raças no porto da Horta,
todas as línguas bandeiras […] e navios à carga, vozes, gritos,
o gemer dos guindastes […]
Era a mais alegre, a maior cidade pequena do Mundo!
Era riqueza de Londres
e de Nova York!
Era o requinte de Paris, o luxo
de Sanpetersburgo!
Todos mercavam, vendiam.
Embarcavam.
Tornavam.
[Estimada e desejada Horta]
O passado que esperas
em futuro renasça […]»

(SILVEIRA, Pedro -Fui ao Mar Buscar Laranjas - 1 (título do livro e poemas divulgados in O Porto da Horta na História do Atlântico … , ob. cit.)

O recurso patrimonial e turístico constituído pelo novo museu  com as peças específicas, aliadas à interpretação da urbanização contemporânea será uma maisvalia. Destaque-se que nem Lisboa (que começou com uma Estação Cabotelegráfica mais cedo do que o Faial e funcionando durante mais tempo (1870-1960`s) tem um projeto ou polo de museu cabotelegráfico tão assumido (4). É, pois, um motivo de orgulho para as populações do Faial e para os portugueses, a preservação e ativação de tão importante recurso. Ligado, por sua vez, a comunidades estrangeiras, ali se poderão rever nas suas identidades onde praticaram importante intercâmbio económico, cultural e social.
Lembro algumas cidades e zonas do globo relacionadas, direta ou indiretamente, com a Horta dos cabos submarinos: Carcavelos, Lisboa, São Miguel, Terceira, Flores, Pico, S. Jorge, Graciosa; Índia, Pacífico; Gibraltar, Países costeiros da Europa com predominância para a Inglaterra e do interior do continente através das redes aéreas (postes com fios de cobre) e redes subterrâneas de cabos de telecomunicações; S. Vicente – Cabo Verde, Guiné, Angola, São Tomé e Príncipe, Moçambique, África do Sul, Índia, Austrália; Madeira, Brasil; Irlanda, Estados Unidos da América, Canadá, Terra Nova ...
A cidade da Horta merece a criação de percursos pedestres ou com veículos não poluentes para visitar as diversas marcas, entre as quais destaco monumentos dedicados às telecomunicações: telegráficas e telefónicas via cabo, radionaval, rádios públicas, rádios privativas, rádios banda do cidadão (5) e postos de vigia do mar.
Verifiquei inclusivamente sinais nas calçadas e edifícios, relativos às comunicações, tal como a legenda “O Telégrapho” com interesse para figurar em percursos para os quais será editada informação sucinta (folhetos, pagelas, desdobráveis) disponível nos hotéis, autarquias, empresas e postos de turismo.
Um memorial no espaço público relativo a Marconi referindo a visita deste Prémio Nobel no dia 18 de julho de 1922 será de incluir nestes passeios, não obstante o próprio Marconi representar uma das formas de transmissão da comunicação que vieram contribuir para dispensar a Horta dos cabos submarinos.
Refira-se em abono da verdade que, se não fossem as radiocomunicações implementadas por Marconi - as inovações nos cabos e relés/repetidores iriam igualmente dispensar a Estação Cabotelegráfica da Horta, bem como dispensariam as comunidades de Técnicos que se fixaram no Faial, entre sensivelmente 1893 e 1969.
SEMANA DO MAR
A “Semana do Mar 2014” de 3 a 10 de agosto refletiu esse passado e festejou o presente com elementos culturais e etnográficos onde os transportes e comunicações estavam bem representados. Vários carros alegóricos com réplicas de hidroaviões, inclusivamente os Clippers e figuras históricas dos primeiros momentos da aviação transatlântica que aportaram no Faial; representação de Técnicos alemães, americanos e ingleses com as legendas das companhias cabotelegráficas sediadas na Horta; Telefonistas da rede de comutação manual dos CTT e Radioamadores com equipamento real e ao vivo.
Num dos pavilhões pude apreciar um vídeo e explicações de investigadores que operam no veiculo submarino dos Açores, demonstrando que também aqui se faz ciência, dando expressão ao novíssimo mapa português intitulado “Portugal é Mar” e sendo os Açores uma parte muito importante deste Portugal marítimo.
Fernando Pessoa diz-nos no seu poema (“O das Quinas” do livro Mensagem, verso sétimo) que “A vida é breve [mas] a alma é vasta”. Importa dar expressão a esta alma açoriana e portuguesa.


De Caminha ao Corvo, unidos pela tradição, língua/comunicação portuguesa que este ano comemora a bonita soma de 800 anos na versão oficial (6); o Faial será de novo um ponto de atração. Dizem que "nada acontece por acaso". Eu diria que também é necessária imaginação e querer para que as coisas sucedam. É preciso coordenar esforços e associar patrimónios de arte, diversão e ciência. A tradicional cultura, arte e religião ligada ao Espírito Santo poderá também contribuir para a realização de percursos/passeios pela Ilha. O Faial e os Açores têm muito património para comunicar.
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Notas:

  1. Café do Peter. Nome de batismo José Azevedo.
  2. Registe-se que este equipamento deveria igualmente ser musealisado e entrar nas marcas dos percursos turísticos, pelo valor histórico, a relação com o Mónaco e o Principado, o serviço que desempenhou, bem como a relação com as telecomunicações e os operadores da Estação Cabotelegráfica instalada na Trinity House da Horta.
  3. Segundo informação recolhida em agosto de 2014, esta Estação “era a que oferecia melhor propagação do Açores”. Está desativada sob o ponto de vista radioeletrico de comunicações navais.
  4. A Quinta de Santo António/Quinta Nova, ou Quinta dos Ingleses, tal como ficou conhecida deveria também ser classificada, tornando a S. Julians School de Carcavelos (ex Estação Cabotelegráfica) e/ou a referida Quinta num polo museológico, a par da Trinity House da Horta.
  5. Banda da Cidadão. Trata-se de uma banda de frequências hertzianas (radioeletricas) acessível a todos os cidadãos que queiram adquirir o equipamento e registar-se no serviço público regulado pelo ICP-ANACOM no caso português. Após a atribuição da licença o utente pode comunicar com outros em Portugal ou, algures, situados noutro ponto do Mundo, tendo à disposição cerca de 40 canais de frequências partilhadas.

Fontes:

-ANCIÃES, Alfredo Ramos Transmissões Telegráficas Submarinas e a Relação com o Desporto Cultura e Recreio em Carcavelos e Horta-Faial in http://comunidade.sol.pt/blogs/alfredoramosanciaes/default.aspx, acedido em 22.8.2014
-Associação dos Antigos Alunos do Liceu da Horta -O Tempo dos Cabos Submarinos na Ilha do Faial  -Valor Universal do Património Local -Evocação de Marconi nos 90 Anos de Cidadão Honorário da Horta. Horta: Gráfica O Telégrapho, 2013
-Associação dos Antigos Alunos do Liceu da Horta -Boletins: Nº 23, dezembro, 2010; Nº 24, junho, 2011; Nº 25, dezembro, 2011; Nº 26, dezembro, 2012; Nº 27, janeiro-junho, 2013; Nº 28, julho-dezembro, 2013.
-BARREIROS, Henrique Melo (professor colaborador da Associação dos Antigos Alunos do Liceu da Horta), a quem agradeço documentos e informações pessoais e o guiamento no percurso que fizemos em torno das marcas de “O Tempo dos Cabos Submarinos”.
-COSTA, Ricardo Manuel – “Breve Esboço sobre a História do Faial” in http://www.inventario.iacultura.pt/faial/horta/historia.html, 2007
LEONARDO, A.J.F.; MARTINS, D.R.; FIOLHAIS, C. – A Telegrafia Eléctrica nas Páginas de “O Instituto”, 2009. Disponível em https://estudogeral.sib.uc.pt/bitstream/10316/12323/1/A%20telegrafia.pdf, acedido em 7.4.2014
-COUTO, António – Velharias com História. O colecionismo como histórica e cultural in http://philangra.blogspot.pt/2013_02_01_archive.html, acedido em 21.8.2014
-GLOVER, Bill – History of the Atlantic & Undersea Communications from the first submarine cable to the worldwide fiber optic network, 2010 in http://atlantic-cable.com/CableCos/WesternUnion/index.htm, acedido em 22.8.2014
-MORENO, Roberto - GEOLÍNGUA in https://www.youtube.com/watch?v=aisI7SEry4c, acedido em 26.8.2014 
-Museu da Horta; Associação dos Antigos Alunos do Liceu da Horta -O Porto da Horta na História do Atlântico: O Tempo dos Cabos Submarinos, Ed. do Museu da Horta; Associação dos Antigos Alunos do Liceu da Horta. Impressão: Gráfica O Telégrafo. Criação Gráfica: JCS/Açores. Horta, 2011.

sábado, 11 de outubro de 2014

20 DA GRAÇA À SENHORA DO MONTE


Desde a pré-história aos nossos dias a orografia preserva sinais e valores com motivações religiosas: caso de libações e ritos sobre as rochas; santuários no alto dos montes, como é o caso da capela de Nossa Senhora do Monte e o Convento/Igreja da Graça. Para lá da religiosidade os montes e colinas foram frequentemente aproveitados como locais de defesa, energia dos ventos, comunicações, pontos de vigia e miradouros para fruição de belezas paisagísticas ou simplesmente como motivo de evasão.

7 colinas. Diga-se de passagem que as 7 elevações ou colinas de Lisboa, tanto poderiam ser 7 como um outro número, para mais ou para menos; isso depende, em nosso modo de ver, da forma como queiramos associar ou diferenciar esses lugares. Segundo o que vi, e li, parece-me que há, nesta matéria, algum artifício na obtenção do nº 7, provavelmente por ser considerado um número mágico. A associação por comparação, de Lisboa ao mundo antigo e clássico: judaico e romano dá-nos uma explicação na forma como se catalogaram na capital portuguesa as 7 colinas. Lisboa, Roma, Jerusalém e Constantinopla (atual Istambul) têm algumas semelhanças, naturais e também artificiais. Os lugares altos sempre exerceram atração.

Terá sido o primeiro Rei de Portugal um dos primeiros estrategas da cristandade a aproveitar as condições orográficas da zona da Graça e envolvência, também chamada colina de Santo André. Em 1147 instala por aqui as suas tropas.

Com o terramoto de 1551, a população de Lisboa procura novos lugares para viver. As zonas de Santo André/Graça estão na proximidade e são ocupadas, quer por motivos de segurança, quer por medidas de salubridade. As famílias nobres instalaram-se aqui em casas e palácios. Considere-se que no século XIX e XX a nobreza procura zonas mais sossegadas e distantes, deixando a Graça para outras classes e estratos sociais.

É assim que é edificado, cerca de 1908, o Bairro Estrela d'Ouro, para operários, situado entre a Rua da Graça e a Senhora do Monte, mandado construir pelo comerciante e industrial galego de nome Agapito Serra Fernandes. Se entrarmos nesta zona viajando no tradicional Elétrico 28, após a entrada na Rua da Graça, deparamos com um painel mural figurativo e a seguinte inscrição: “Bairro Estrela D`Douro  / 1908 / Agapito Serra Fernandes”.

Junto à legenda uma estrela amarela com 5 pontas porquê?

A pertença de Agapito à família maçónica que utiliza frequentemente as referidas estrelas não é suficientemente evidente. Há quem considere Agapito um maçom, provavelmente por adotar o símbolo da estrela/pentagrama que deu o nome ao restaurante da Rua da Prata, de sua propriedade, bem como ao bairro que fez construir para albergar trabalhadores. A estrela de cinco pontas indica, porém, o Homem perfeito com os braços abertos; comunica paz, acolhimento e amizade. Este tipo de pentagrama tem sido escolhido por várias organizações, incluindo católicas.

Há quem diga que Agapito tinha “um remoinho no cabelo em forma de estrela” e outros ainda, referem que tomou a estrela como marca devido à tradição cultural da sua terra natal na Galiza.

Conta a lenda que um pastor ouviu vozes e avistou um campo de estrelas sinalizando a terra onde estava sepultado e esquecido, desde alguns séculos, o apóstolo Santiago. A tradição da estrela sinalizadora vem de tempos remotos, tendo inclusivamente orientado os reis magos ao local em que Jesus terá sido visitado e adorado.

Certo é que Agapito Serra Fernandes mandou desenhar e esculpir estrelas por várias ruas, em edifícios e passeios. É esta iconografia que dá um toque especial à Graça e Bairro Estrela D`Ouro.

Para a fruição dos momentos de lazer foram introduzidas as então novas tecnologias de animação, informação e comunicação. Foi instalado o Royal Cine onde consta que foi projetado o primeiro filme sonoro, a nível do território português, em abril de 1930.

A colina da Graça e envolvimento, como local de receção e propagação foi igualmente aproveitada para as telecomunicações militares. Aqui instalaram o Regimento de Transmissões (herdeiro do Corpo Telegráfico, Serviço Telegráfico Militar, Batalhão de Telegrafistas, Serviço de Telégrafos de Guarnição, Pombais e Serviço de Telecomunicações Militares).

Nesta colina / Bairro da Graça não poderia faltar a radiodifusão. A Rádio Graça começou as suas emissões no ano de 1932 pelos amadores: Américo Francisco Santos, Alice Santos e Alberto dos Santos, a partir da Rua Machado de Castro nº 3, 1º; tendo-se deslocado posteriormente para outros locais. A falta de recursos económicos leva à criação da “União dos Amigos da Rádio Graça” que contribuíram com quotas e donativos, até que o principal radiocomunicador Américo Francisco Santos passou a colaborar com os “Emissores Associados de Lisboa” (Rádio Graça, Clube Radiofónico de Portugal, Rádio Peninsular, Rádio Voz de Lisboa/Rádio Alfabeta).

A zona da Graça conta com dois importantes miradouros. A Senhora do Monte e o Largo da Graça. A este miradouro também foi dado o nome da poetisa Sophia de Mello Breyner Andersen, onde há poucos anos foi colocado um busto em sua homenagem. Em frente da Igreja, Sophia olha para a cidade sobre a qual refletiu e escreveu, entre outros, o seguinte poema.

«Cidade

Cidade, rumor e vaivém sem paz das ruas

Ó vida suja, hostil, inutilmente gasta,

Saber que existe o mar e as praias nuas,

Montanhas sem nome e planícies mais vastas

Que o mais vasto desejo,

E eu estou em ti fechada e apenas vejo,

Os muros e as paredes, e não vejo

Nem o crescer do mar, nem o mudar das luas.

Saber que tomas em ti a minha vida

E que arrastas pela sombra das paredes

A minha alma que fora prometida

Às ondas brancas e às florestas verdes».

 O poema é contemporâneo do Estado Novo (1944). Tempo da II Guerra Mundial. Portugal fica de fora da guerra mas nem por isso Sophia evitou  escrever “Cidade / rumor e vaivém sem paz das ruas”[...] E eu estou em ti fechada e apenas vejo / Os muros e as paredes”. (1)

O impedimento de comunicar e viajar livremente era para Sophia ausência de paz. A poetisa demonstra nos seus versos, outra forma de guerra; não a dos canhões e baionetas mas a negação de  convivência que impõe a ignorância, ameaça com prisões e priva as almas sedentas da livre comunicação nas formas: direta, escrita ou mediática.

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          Nota:           (1) O destaque em itálico é nosso.

          Fontes:


-A Radiodifusão em Lisboa  in  http://telefonia.no.sapo.pt/lisbon.htm



-Constantinopla atual Istambul Cidade das 7 colinas in http://pt.wikipedia.org/wiki/Istambul