DO MAR QUE SEPARA
AO MAR QUE UNE
“Deus
quer, o homem sonha, a obra nasce. Deus
quiz que a terra fosse toda uma, Que o mar unisse, já não separasse [...]” (1)
O poeta da Mensagem interpreta a história de Portugal
evocando a relação com o mar. Esta mnemónica (Mensagem), auxiliar da memória, tornada
título de uma das melhores obras primas de Fernando Pessoa sobre a
portugalidade, revela que também as telecomunicações se inspiram na informação
breve / telegráfica para comunicar o essencial.
Cerca de 1845 uma goma chamada guta-percha, extraída de
árvores da Malásia veio permitir o eficaz isolamento dos cabos telegráficos em
meios aquáticos. Doravante foi possível estender cabos pelos mares e oceanos e
transmitir mensagens velozes, quase instantâneas, quando dantes levariam meses,
tal como aconteceu com a célebre Carta de Pero Vaz de Caminha, enviada a D.
Manuel I, sobre o achamento do Brasil e as primeiras relações entre os povos
europeus (portugueses) e ameríndios.
Por volta de 1930 já havia no mundo,
cerca de um milhão de quilómetros de cabos: subaquáticos (submarinos
/subfluviais) e terrestres; para lá de uma extensa rede de postes, isoladores
de porcelana e fios nus, vencendo geografias, constituindo uma rede
praticamente global antes da www.
Em 1855, com a regeneração económica e
política é inaugurada a telegrafia elétrica em Portugal com equipamento
baseado em aparelhos com caracteres alfanuméricos sem necessidade de código.
Tratava-se de um meio inovador, até pela facilidade de transmissão e receção.
Qualquer oficial do corpo telegráfico, sem ciência especial, conseguia operar
mensagens através de equipamento constituído por: uma mesa; um transmissor com
caracteres alfanuméricos e pontuação; um recetor com o mesmo tipo de carateres,
parecido a um relógio de parede; uma bússola; um para-raios e um vaso de pilha
voltaica.
Este tipo de telegrafia foi inaugurado
em Portugal pelo então jovem rei D. Pedro V, no preciso dia que fez 16 anos de
idade, assumiu a maioridade e o trono (16.9.1855). À frente do Ministério das
Obras Públicas, Comércio e Indústria estava o ministro e conselheiro de sua
majestade e de Estado, António Maria Fontes Pereira de Melo.
Uma pequena rede relacionada com o
poder e a alta administração iniciou a telegrafia elétrica: Terreiro do Paço
(nome oficial, Praça do Comércio), Cortes (atual Assembleia da República),
Necessidades (atual palácio dos Negócios Estrangeiros) e Sintra (palácio da
Vila). Em seguida e quase num ápice, tendo em conta as tecnologias da altura,
foram construídas as linhas telegráficas entre Lisboa, Santarém, Coimbra, Porto;
Lisboa/ Elvas. Também de uma forma muito veloz, o país passou a dispor de um
segundo sistema de transmissão e receção, baseado no código de Samuel Morse.
Porquê mais um novo sistema de
transmissão se já tínhamos o inicial, francês, da família Bréguet? A explicação
deve-se, entre outras, à eficiência dos aparelhos morse. De construção mais
económica e permitindo o registo automático dos sinais em fita de papel, ou a
receção auditiva, enquanto nos equipamentos franceses de Bréguet o telegrafista
na receção tinha que copiar as mensagens manualmente letra a letra, ponto a
ponto, à medida que um ponteiro assinalava os carateres num mostrador.
Entretanto, em 1856, é lançado o
primeiro cabo telegráfico subfluvial que saía de Lisboa, via Ria de Samora e
Alcochete. Daqui até Elvas seguia pelos postes de fios aéreos.
Data
ainda deste ano de 1856 a inauguração da primeira fase do caminho-de-ferro,
entre Lisboa e o Carregado. A telegrafia eléctrica acompanhou as linhas e os
serviços do novo meio de transporte movido a carvão.
O Instituto Industrial de Lisboa
(precursor do Instituto Superior Técnico) teve a sua sede na Rua deste nome, situada
entre o cais do Sodré e Santos. Aqui funcionou a formação para as comunicações
telegráficas na Rua do Instituto Industrial / esquina com a Rua de D. Luís I,
onde se localiza desde 1997 a Fundação Portuguesa das Comunicações e o Museu.
Caso para dizer, o “bom filho à casa torna”.
Tudo parece indicar que foi nesta zona
da Rua do Instituto Industrial que teve início o curso para telegrafistas de
1856/1857 com um programa que incluía diversas matérias, entre elas a
manutenção de equipamentos, aprendizagem de códigos alfanuméricos e a operação
com o sistema morse. A utilização deste código manteve-se em ascensão até aos
anos 30 do século XX, altura em que as tecnologias proporcionaram novamente a
transmissão com equipamentos sem necessidade de código.
O telex com grande notoriedade quase
leva à extinção das transmissões em morse, a partir dos anos 1940`s. Porém, o
velho código resistiu nas transmissões militares, acabando mesmo por perdurar
para lá da telegrafia inovadora com teleimpressores (vulgo telex) muito em voga
na segunda metade do século XX.
Do primeiro cabo telegráfico
subfluvial, instalado em 1856, nada parece restar; nem o cabo, nem as marcas
toponímicas e edifícios de amarração entre Lisboa, Samora e Alcochete. Estas
marcas seriam uma mais-valia para os sítios e localidades; todavia as urbanizações
sem critério, eliminaram as marcas que tornariam mais atrativas e compreensivas
as atividades humanas e o próprio território.
Em 1857 com pouco mais de um ano de
vida da telegrafia elétrica, Portugal assina com Espanha uma Convenção
Telegráfica, abrindo-se a outros países. A interligação fez-se então, unindo
Lisboa, Elvas, Badajoz, Madrid, alargando-se progressivamente à Europa e à
Ásia.
Via
marítima
Esta via foi, mais uma vez, essencial
para as comunicações a longas distâncias. Portugal inicia-se nas transmissões
por cabo submarino a partir de 1870, através da Estação de Cabos de Carcavelos
para Inglaterra e Gibraltar, permitindo a conexão com a Europa Ocidental,
Estados Unidos da América, Índia e China; seguindo-se a ligação com a Madeira,
Cabo Verde e Brasil nos anos seguintes e já na década de 80 estabelece-se a
ligação com o Senegal, Angola e África do Sul.
Nos anos 90 (1893) entra em
funcionamento a Estação da Horta-Faial-Açores, um dos mais importantes nós e relés de
comunicações a nível mundial, chegando a albergar, em 1928, quinze cabos com ligação a
Carcavelos, Inglaterra, Alemanha, EUA, Canadá, Irlanda, França, Itália, Cabo
Verde; permitindo a interligação com vários outros países.
Na Horta chegaram a viver e trabalhar diversas
nacionalidades nas operações telegráficas e na manutenção de equipamentos,
entre ingleses/escoceses, alemães, canadianos, irlandeses, americanos e
portugueses do Faial e Cabo Verde. Este importante nó da Horta só viria a
encerrar completamente em 1969, sendo das últimas empresas ali envolvidas, a
Cable & Wireless e a Comercial Cable Company.
Entre as razões para o fecho destas instalações
de telegrafia tradicional por cabos submarinos, contam-se as inovações das
tecnologias do século XX com mais capacidades, atingindo o sinal de telecomunicações
maiores distâncias, sem necessidades de estações intermédias e mais
facilitadas, dispensando-se mesmo o uso de códigos pelos operadores (emissores e
recetores).
Desta época de ouro para a ilha do
Faial ficaram saudades nas populações; houve interinfluências no desporto, na
cultura e nas convivências entre as várias nacionalidades presentes na Horta
das transmissões telegráficas submarinas.
O Grupo de Amigos da Horta dos Cabos Submarinos
com o Museu da Horta estão a trabalhar no sentido de ativarem um museu temático
dos cabos e tecnologias afins, com os espólios imateriais e materiais
recuperados; nomeadamente equipamentos técnicos, arquitetura de instalação das tecnologias,
escritório de tratamento de telegramas e informação de gestão, habitações do
pessoal, informação toponímica, sinalética e expressões culturais.
A cooperação deste futuro museu local
e regional (que será provavelmente designado Museu da Horta dos Cabos
Submarinos) com o Museu das Comunicações reestruturado em Museu Nacional das
Comunicações permitirá uma nova dimensão, uma mais-valia e abrangência que só
poderá enriquecer o País no seu todo.
Deste sonhar e trabalhar nascerão
novos mares comunicacionais que unirão Portugal, a sua diáspora e a família
global.
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(1)
Extrato do poema de Fernando Pessoa em Mensagem.
Lisboa, 1934. Versos dedicados ao Infante D. Henrique que ousara a
globalização, através das rotas marítimas.
Fontes:
-Anciães,
Alfredo Ramos - Património
Museológico de Telecomunicações: Criação e Gestão em Contexto. in Revista
Códice, nº 5, Ano XI, II Série, 2008, p. 52-67;
---------------------
Telegrafia Eléctrica. in Revista
Códice, nº 2, Ano VIII, II Série, 2005, p. 80-95;
---------------------
Cento e Cinquenta Anos da Telegrafia
Eléctrica em Portugal – Dossier de Exposição, Fundação Portuguesa das
Comunicações. Lisboa, 2005
-Associação
dos Antigos Alunos do Liceu da Horta - O Tempo
dos Cabos Submarinos na Ilha do Faial: Valor Universal do Património Local.
Faial: Ed. do A. Impressão: Gráfica O Telégrapho, 2013
- Associação
dos Antigos Alunos do Liceu da Horta; Museu da Horta - O Porto da Horta na História do Atlântico: O Tempo dos Cabos Submarinos
– Ed. do A. Impressão: Gráfica O Telégrafo. Criação Gráfica: JCS/Açores. Horta,
2011
-Pessoa,
Fernando – Mensagem. Lisboa: Editorial Império; Livraria do Dr. Pedro de Moura
e Sá, 1934
-Varão,
Isabel - Os Cabos Submarinos
e a Expansão da Telegrafia Internacional no Século XIX. in Revista
Códice, nº 2, I Série, 1998, p. 58-62
Comentários:
Tambuladeira said:
É
muito graças a pessoas como o Fred que a portugalidade se perpetua. É que os meios
de comunicação só se tornam objectivos se houver quem os manipule e quem
através deles comunique. E foram muitos os que ao longo dos tempos o fizeram,
cientistas, técnicos, comunicadores para que todos estivéssemos mais próximos. É
salutar que se reúna em museu todo esse espólio em sequência lógia e natural. Parabéns,
amigo! # Março 3, 2014 19:16.
AlfredoRamosAnciaes said:
Caríssimo António e
Família, Obrigado pela visita ao meu blogue. Tem razão no que diz. O saber
resulta de um acumular de conhecimentos e experiências que apreendemos dos
outros e também da nossa ação. Com votos de que esteja a passar tempos bons e
felizes. P. S. Para si que gosta da filosofia e saberes inspirados pelo vinho
aqui vai uma frase adaptada do célebre Pasteur. «Existe mais filosofia numa boa
garrafa de vinho, à lareira e com bons amigos do que em todos os livros».
(Adaptado de uma frase de Pasteur). Um abraço. # Março 4, 2014 21:54
Brutus said:
Bem
haja por mais um excelente post! Todos os Lusófonos deviam lê-lo! Calculo o
trabalho que lhe deu investigar tudo quanto nos revela e que eu muito agradeço.
Um abraço amigo. # Março 4, 2014 23:44.
AlfredoRamosAnciaes said:
Caro Jorge / Brutus. Obrigado
eu pela sua visita e simpático comentário. Quanto ao trabalho que levou o poste
é verdade, implicou várias investigações e tornou-se mais fácil porque alguma
informação e pesquisas já tinham sido realizadas com precedência a esta
publicação. De outro modo levaria vários dias a preparar este poste. Um abraço
amigo e lusófono também para si. # Março 6, 2014 1:40
mitalaia said:
Fred, aqui está uma boa
resenha das fases que passaram as comunicações. Os longos cabos submarinos ou
não, acabaram por tornar-se démodés, com a entrada dos satélites. Eu que me
recordo de entrar na sala das comunicações do Diário Popular, e ouvir o ininterrupto
matraquear das tele - impressoras, por exemplo. Digo que será mui oportuna toda
a matéria que serviu a história das comunicações, virem a ser peças
museológicas. Um grande abraço. # Março 14, 2014 17:21.
AlfredoRamosAnciaes said:
Caro
Daniel Mitalaia. É pertinente a tua lembrança dos teleimpressores que emitiam e
recebiam os chamados telegramas ou telex`s, tão característicos da segunda
metade do século XX. Quanto as cabos submarinos eles não acabaram com a entrada
em funções da radiotelegrafia e dos satélites. Sofreram foi uma forte
concorrência. Hoje em dia continua a transmissão por cabos submarinos com muita
mais capacidade de tráfego: telefonia, telegrafia, imagens e dados, em cabos de
fibras óticas que atravessam praticamente todos os mares e oceanos. Um abraço. # Março 31, 2014 1:12.
Postado inicialmente: sexta-feira, 28 de Fevereiro de 2014 14:16 por Alfredo Ramos Anciães no blogue:
P.
S. A plataforma de blogues da comunidade http://comunidade.sol.pt/ tem estado indisponível
desde Setembro 2014, até … Desta forma resolvemos recuperar uma cópia que tínhamos
do poste em referência e editá-la nesta plataforma blogspot.pt .
No dia 3 de Outubro de 2014 às 15:03 Alfredo Anciães escreveu:
ResponderEliminarCaríssimos(as)
Junto informo que reeditei o poste revelando uma perspetiva da
RELAÇÃO DE PORTUGAL COM O MAR DAS COMUNICAÇÕES
Clicando no link seguinte: --»» http://cumpriraterra.blogspot.pt/
Com um abraço.
---Re: RELAÇÃO DE PORTUGAL COM O MAR DAS COMUNICAÇÕES
Data: Hoje, 15:13:44 WEST
---De: Ana Luísa Janeira Para: Alfredo Ramos Anciães
Gostei muito!
bj
Caríssima Professora e Amiga
EliminarAna Luísa Janeira
Obrigado pelo comentário que me enviou por e-mail
bj
caro Alfredo:
ResponderEliminarFez muito bem em recuperar este excelente post do 'Sol', pois este é um daqueles que não se pode perder.
Bem haja e um abraço
Caro Juiz e Amigo Jorge,
ResponderEliminarMais uma vez agradeço a sua presença. Vamos ver se conseguimos que seja reaberta a plataforma Sol. Já telefonei e enviei um e-mail e não tive, por enquanto, qualquer resposta.
Abraço