sexta-feira, 17 de outubro de 2014

16 FAIAL DAS COMUNICAÇÕES E DO SANTO ESPÍRITO


Entre o Faial e o Pico ouço uma canção no hidrofone. Será certamente o sinal de um cetáceo normal namorando  sua companheira (AA, agosto de 2014).

Situada no grupo central do arquipélago, a Ilha do Faial foi descoberta ou, quiçá, redescoberta por Gonçalo Velho Cabral em 1432, quem sabe se para cumprir a futura missão de bem acolher. Orgulhosa do passado e feliz por reabilitar patrimónios; com uma baía, a mais linda do mundo, segundo o que sinto e me dizem as fontes.
NAVEGADORES E AVENTUREIROS
No ADN dos habitantes do Faial reside um sentimento de bem acolher. Os navegadores e aventureiros que aportam à baía da Horta sentem o ensejo de aqui fazer escala e mesmo permanecer. A tradição do Peter Café Sport (1) como entreposto de correio e alimento é revelador de histórias reais. Os aventureiros do mar, mesmo os desconhecidos,  perguntam no Peter Café se têm correspondência, como se a Casa fosse uma central de comunicação à escala global. 
Mais recentemente e, hoje em dia, são reveladoras as aventuras do picoense/faialense Genuíno (sic) Madruga continuando a surpreender-nos e deliciar-nos com as suas viagens e investigações à volta do Mundo. Muitos são os que se dirigem ao restaurante/museu de Genuíno, na baixa da Horta, à procura de saberes, inspiração e aconchego para o corpo (cf. comentários 2 a 5 deste poste).
Na história da aviação, a Horta também tem os seus pergaminhos. A baía serviu como porto de hidroaviões; desde as viagens experimentais e pioneiras aos transportes comerciais com os célebres Clippers da Pan American.
OBSERVAÇÃO DE ESPÉCIES MARÍTIMAS
Nas atividades de pesca/baleação e indústrias derivadas, o Faial e o vizinho Pico foram uma referência. Desde a captura das espécies à transformação em produtos.
Atualmente continua o interesse na observação dos cetáceos contribuindo para o desenvolvimento do setor turístico. Estas atividades fazem uso frequente das comunicações, desde os vigias/postos de observação que utilizam como tecnologias: óculos/telescópios, sinais de bandeiras, foguetes, equipamentos radioelétricos e novos terminais de telecomunicações. Também na observação de espécies piscícolas locais e na defesa e assistência, as comunicações estão muito presentes.
ESTAÇÃO RADIONAVAL
A Estação Radionaval situada no monte entre o Hotel Faial (ex messe da comunidade americana dos cabotelegrafistas da Western Union) e o Observatório Príncipe Alberto do Mónaco (2) no alto do Monte das Moças funcionou desde 1928 a 2013. Foi o “melhor centro de propagação radionaval do arquipélago”(3).
A Marinha Nacional preserva importante património histórico, didático e museológico, cuja seleção, estudo, sistematização, divulgação e exposição estarão, certamente, a ser equacionados para bem da valorização identitária e turística do Faial.

Com a evolução tecnológica, nomeadamente a alteração das comunicações analógicas em digitais, esta Estação foi dispensada, um pouco à semelhança do que aconteceu com a Trinity House, ultrapassada com as novas tecnologias. O Poder Político, quiçá, secundado por Técnicos especialistas acharam que não valeria a pena reinvestir na renovação desta Central. Tal como aconteceu no território continental, S. Miguel também centralizou meios de outras Ilhas.
Contudo, o  sítio interessante da ex-Estação Radionaval tem valor paisagístico como miradouro, acrescido dos edifícios e equipamentos radioeletricos com importância histórica e interesse museológico. Parece que está previsto para o local a instalação de uma Escola de Pescas continuando a ser ali preservado e exposto, senão todo, pelo menos parte do património de comunicações: Recetores, emissores, telex`s, informação original ou cópia da mesma; aparelhos de medida e ensaio, energia/alimentação, ferramentas e mobiliário. Será mais um importante recurso para expor in situ as memórias das radiocomunicações navais, assistência às embarcações e populações. Os visitantes e investigadores, certamente, irão apreciar memórias de 85 anos.
ESTAÇÃO CABOTELEGRÁFICA REGIONAL E INTERCONTINENTAL
Mediadora de impulsos de ondas hertzianas que chegavam  atravessando montes, planaltos e vales submarinos.
Receber e comunicar está na alma e no sopro do espírito faialense 
A Trinity House era  essencialmente a casa de transito e operações telegráficas da Alemanha, Estados Unidos da América e Inglaterra mas por ali passavam comunicações relativas a vários outros países.
Esta Casa está a ser preservada para instalação de um museu que contribuirá para a renovação da imagem e da economia do Faial, procurando, em associação com outros atrativos, colmatar a perda da importância de outrora (finais do século XIX e até aos anos sessenta do século XX) tão bem caracterizada no seguinte extrato do conjunto de poemas de Pedro Silveira intitulados "Fui ao Mar Buscar Laranjas".
«[De] Horta Quase Réquiem” [a Fénix renascida]
Como isto foi grande, dinâmico, mercantil, aventureiro!
Homens de todas as raças no porto da Horta,
todas as línguas bandeiras […] e navios à carga, vozes, gritos,
o gemer dos guindastes […]
Era a mais alegre, a maior cidade pequena do Mundo!
Era riqueza de Londres
e de Nova York!
Era o requinte de Paris, o luxo
de Sanpetersburgo!
Todos mercavam, vendiam.
Embarcavam.
Tornavam.
[Estimada e desejada Horta]
O passado que esperas
em futuro renasça […]»

(SILVEIRA, Pedro -Fui ao Mar Buscar Laranjas - 1 (título do livro e poemas divulgados in O Porto da Horta na História do Atlântico … , ob. cit.)

O recurso patrimonial e turístico constituído pelo novo museu  com as peças específicas, aliadas à interpretação da urbanização contemporânea será uma maisvalia. Destaque-se que nem Lisboa (que começou com uma Estação Cabotelegráfica mais cedo do que o Faial e funcionando durante mais tempo (1870-1960`s) tem um projeto ou polo de museu cabotelegráfico tão assumido (4). É, pois, um motivo de orgulho para as populações do Faial e para os portugueses, a preservação e ativação de tão importante recurso. Ligado, por sua vez, a comunidades estrangeiras, ali se poderão rever nas suas identidades onde praticaram importante intercâmbio económico, cultural e social.
Lembro algumas cidades e zonas do globo relacionadas, direta ou indiretamente, com a Horta dos cabos submarinos: Carcavelos, Lisboa, São Miguel, Terceira, Flores, Pico, S. Jorge, Graciosa; Índia, Pacífico; Gibraltar, Países costeiros da Europa com predominância para a Inglaterra e do interior do continente através das redes aéreas (postes com fios de cobre) e redes subterrâneas de cabos de telecomunicações; S. Vicente – Cabo Verde, Guiné, Angola, São Tomé e Príncipe, Moçambique, África do Sul, Índia, Austrália; Madeira, Brasil; Irlanda, Estados Unidos da América, Canadá, Terra Nova ...
A cidade da Horta merece a criação de percursos pedestres ou com veículos não poluentes para visitar as diversas marcas, entre as quais destaco monumentos dedicados às telecomunicações: telegráficas e telefónicas via cabo, radionaval, rádios públicas, rádios privativas, rádios banda do cidadão (5) e postos de vigia do mar.
Verifiquei inclusivamente sinais nas calçadas e edifícios, relativos às comunicações, tal como a legenda “O Telégrapho” com interesse para figurar em percursos para os quais será editada informação sucinta (folhetos, pagelas, desdobráveis) disponível nos hotéis, autarquias, empresas e postos de turismo.
Um memorial no espaço público relativo a Marconi referindo a visita deste Prémio Nobel no dia 18 de julho de 1922 será de incluir nestes passeios, não obstante o próprio Marconi representar uma das formas de transmissão da comunicação que vieram contribuir para dispensar a Horta dos cabos submarinos.
Refira-se em abono da verdade que, se não fossem as radiocomunicações implementadas por Marconi - as inovações nos cabos e relés/repetidores iriam igualmente dispensar a Estação Cabotelegráfica da Horta, bem como dispensariam as comunidades de Técnicos que se fixaram no Faial, entre sensivelmente 1893 e 1969.
SEMANA DO MAR
A “Semana do Mar 2014” de 3 a 10 de agosto refletiu esse passado e festejou o presente com elementos culturais e etnográficos onde os transportes e comunicações estavam bem representados. Vários carros alegóricos com réplicas de hidroaviões, inclusivamente os Clippers e figuras históricas dos primeiros momentos da aviação transatlântica que aportaram no Faial; representação de Técnicos alemães, americanos e ingleses com as legendas das companhias cabotelegráficas sediadas na Horta; Telefonistas da rede de comutação manual dos CTT e Radioamadores com equipamento real e ao vivo.
Num dos pavilhões pude apreciar um vídeo e explicações de investigadores que operam no veiculo submarino dos Açores, demonstrando que também aqui se faz ciência, dando expressão ao novíssimo mapa português intitulado “Portugal é Mar” e sendo os Açores uma parte muito importante deste Portugal marítimo.
Fernando Pessoa diz-nos no seu poema (“O das Quinas” do livro Mensagem, verso sétimo) que “A vida é breve [mas] a alma é vasta”. Importa dar expressão a esta alma açoriana e portuguesa.


De Caminha ao Corvo, unidos pela tradição, língua/comunicação portuguesa que este ano comemora a bonita soma de 800 anos na versão oficial (6); o Faial será de novo um ponto de atração. Dizem que "nada acontece por acaso". Eu diria que também é necessária imaginação e querer para que as coisas sucedam. É preciso coordenar esforços e associar patrimónios de arte, diversão e ciência. A tradicional cultura, arte e religião ligada ao Espírito Santo poderá também contribuir para a realização de percursos/passeios pela Ilha. O Faial e os Açores têm muito património para comunicar.
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Notas:

  1. Café do Peter. Nome de batismo José Azevedo.
  2. Registe-se que este equipamento deveria igualmente ser musealisado e entrar nas marcas dos percursos turísticos, pelo valor histórico, a relação com o Mónaco e o Principado, o serviço que desempenhou, bem como a relação com as telecomunicações e os operadores da Estação Cabotelegráfica instalada na Trinity House da Horta.
  3. Segundo informação recolhida em agosto de 2014, esta Estação “era a que oferecia melhor propagação do Açores”. Está desativada sob o ponto de vista radioeletrico de comunicações navais.
  4. A Quinta de Santo António/Quinta Nova, ou Quinta dos Ingleses, tal como ficou conhecida deveria também ser classificada, tornando a S. Julians School de Carcavelos (ex Estação Cabotelegráfica) e/ou a referida Quinta num polo museológico, a par da Trinity House da Horta.
  5. Banda da Cidadão. Trata-se de uma banda de frequências hertzianas (radioeletricas) acessível a todos os cidadãos que queiram adquirir o equipamento e registar-se no serviço público regulado pelo ICP-ANACOM no caso português. Após a atribuição da licença o utente pode comunicar com outros em Portugal ou, algures, situados noutro ponto do Mundo, tendo à disposição cerca de 40 canais de frequências partilhadas.

Fontes:

-ANCIÃES, Alfredo Ramos Transmissões Telegráficas Submarinas e a Relação com o Desporto Cultura e Recreio em Carcavelos e Horta-Faial in http://comunidade.sol.pt/blogs/alfredoramosanciaes/default.aspx, acedido em 22.8.2014
-Associação dos Antigos Alunos do Liceu da Horta -O Tempo dos Cabos Submarinos na Ilha do Faial  -Valor Universal do Património Local -Evocação de Marconi nos 90 Anos de Cidadão Honorário da Horta. Horta: Gráfica O Telégrapho, 2013
-Associação dos Antigos Alunos do Liceu da Horta -Boletins: Nº 23, dezembro, 2010; Nº 24, junho, 2011; Nº 25, dezembro, 2011; Nº 26, dezembro, 2012; Nº 27, janeiro-junho, 2013; Nº 28, julho-dezembro, 2013.
-BARREIROS, Henrique Melo (professor colaborador da Associação dos Antigos Alunos do Liceu da Horta), a quem agradeço documentos e informações pessoais e o guiamento no percurso que fizemos em torno das marcas de “O Tempo dos Cabos Submarinos”.
-COSTA, Ricardo Manuel – “Breve Esboço sobre a História do Faial” in http://www.inventario.iacultura.pt/faial/horta/historia.html, 2007
LEONARDO, A.J.F.; MARTINS, D.R.; FIOLHAIS, C. – A Telegrafia Eléctrica nas Páginas de “O Instituto”, 2009. Disponível em https://estudogeral.sib.uc.pt/bitstream/10316/12323/1/A%20telegrafia.pdf, acedido em 7.4.2014
-COUTO, António – Velharias com História. O colecionismo como histórica e cultural in http://philangra.blogspot.pt/2013_02_01_archive.html, acedido em 21.8.2014
-GLOVER, Bill – History of the Atlantic & Undersea Communications from the first submarine cable to the worldwide fiber optic network, 2010 in http://atlantic-cable.com/CableCos/WesternUnion/index.htm, acedido em 22.8.2014
-MORENO, Roberto - GEOLÍNGUA in https://www.youtube.com/watch?v=aisI7SEry4c, acedido em 26.8.2014 
-Museu da Horta; Associação dos Antigos Alunos do Liceu da Horta -O Porto da Horta na História do Atlântico: O Tempo dos Cabos Submarinos, Ed. do Museu da Horta; Associação dos Antigos Alunos do Liceu da Horta. Impressão: Gráfica O Telégrafo. Criação Gráfica: JCS/Açores. Horta, 2011.

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