sábado, 11 de outubro de 2014

20 DA GRAÇA À SENHORA DO MONTE


Desde a pré-história aos nossos dias a orografia preserva sinais e valores com motivações religiosas: caso de libações e ritos sobre as rochas; santuários no alto dos montes, como é o caso da capela de Nossa Senhora do Monte e o Convento/Igreja da Graça. Para lá da religiosidade os montes e colinas foram frequentemente aproveitados como locais de defesa, energia dos ventos, comunicações, pontos de vigia e miradouros para fruição de belezas paisagísticas ou simplesmente como motivo de evasão.

7 colinas. Diga-se de passagem que as 7 elevações ou colinas de Lisboa, tanto poderiam ser 7 como um outro número, para mais ou para menos; isso depende, em nosso modo de ver, da forma como queiramos associar ou diferenciar esses lugares. Segundo o que vi, e li, parece-me que há, nesta matéria, algum artifício na obtenção do nº 7, provavelmente por ser considerado um número mágico. A associação por comparação, de Lisboa ao mundo antigo e clássico: judaico e romano dá-nos uma explicação na forma como se catalogaram na capital portuguesa as 7 colinas. Lisboa, Roma, Jerusalém e Constantinopla (atual Istambul) têm algumas semelhanças, naturais e também artificiais. Os lugares altos sempre exerceram atração.

Terá sido o primeiro Rei de Portugal um dos primeiros estrategas da cristandade a aproveitar as condições orográficas da zona da Graça e envolvência, também chamada colina de Santo André. Em 1147 instala por aqui as suas tropas.

Com o terramoto de 1551, a população de Lisboa procura novos lugares para viver. As zonas de Santo André/Graça estão na proximidade e são ocupadas, quer por motivos de segurança, quer por medidas de salubridade. As famílias nobres instalaram-se aqui em casas e palácios. Considere-se que no século XIX e XX a nobreza procura zonas mais sossegadas e distantes, deixando a Graça para outras classes e estratos sociais.

É assim que é edificado, cerca de 1908, o Bairro Estrela d'Ouro, para operários, situado entre a Rua da Graça e a Senhora do Monte, mandado construir pelo comerciante e industrial galego de nome Agapito Serra Fernandes. Se entrarmos nesta zona viajando no tradicional Elétrico 28, após a entrada na Rua da Graça, deparamos com um painel mural figurativo e a seguinte inscrição: “Bairro Estrela D`Douro  / 1908 / Agapito Serra Fernandes”.

Junto à legenda uma estrela amarela com 5 pontas porquê?

A pertença de Agapito à família maçónica que utiliza frequentemente as referidas estrelas não é suficientemente evidente. Há quem considere Agapito um maçom, provavelmente por adotar o símbolo da estrela/pentagrama que deu o nome ao restaurante da Rua da Prata, de sua propriedade, bem como ao bairro que fez construir para albergar trabalhadores. A estrela de cinco pontas indica, porém, o Homem perfeito com os braços abertos; comunica paz, acolhimento e amizade. Este tipo de pentagrama tem sido escolhido por várias organizações, incluindo católicas.

Há quem diga que Agapito tinha “um remoinho no cabelo em forma de estrela” e outros ainda, referem que tomou a estrela como marca devido à tradição cultural da sua terra natal na Galiza.

Conta a lenda que um pastor ouviu vozes e avistou um campo de estrelas sinalizando a terra onde estava sepultado e esquecido, desde alguns séculos, o apóstolo Santiago. A tradição da estrela sinalizadora vem de tempos remotos, tendo inclusivamente orientado os reis magos ao local em que Jesus terá sido visitado e adorado.

Certo é que Agapito Serra Fernandes mandou desenhar e esculpir estrelas por várias ruas, em edifícios e passeios. É esta iconografia que dá um toque especial à Graça e Bairro Estrela D`Ouro.

Para a fruição dos momentos de lazer foram introduzidas as então novas tecnologias de animação, informação e comunicação. Foi instalado o Royal Cine onde consta que foi projetado o primeiro filme sonoro, a nível do território português, em abril de 1930.

A colina da Graça e envolvimento, como local de receção e propagação foi igualmente aproveitada para as telecomunicações militares. Aqui instalaram o Regimento de Transmissões (herdeiro do Corpo Telegráfico, Serviço Telegráfico Militar, Batalhão de Telegrafistas, Serviço de Telégrafos de Guarnição, Pombais e Serviço de Telecomunicações Militares).

Nesta colina / Bairro da Graça não poderia faltar a radiodifusão. A Rádio Graça começou as suas emissões no ano de 1932 pelos amadores: Américo Francisco Santos, Alice Santos e Alberto dos Santos, a partir da Rua Machado de Castro nº 3, 1º; tendo-se deslocado posteriormente para outros locais. A falta de recursos económicos leva à criação da “União dos Amigos da Rádio Graça” que contribuíram com quotas e donativos, até que o principal radiocomunicador Américo Francisco Santos passou a colaborar com os “Emissores Associados de Lisboa” (Rádio Graça, Clube Radiofónico de Portugal, Rádio Peninsular, Rádio Voz de Lisboa/Rádio Alfabeta).

A zona da Graça conta com dois importantes miradouros. A Senhora do Monte e o Largo da Graça. A este miradouro também foi dado o nome da poetisa Sophia de Mello Breyner Andersen, onde há poucos anos foi colocado um busto em sua homenagem. Em frente da Igreja, Sophia olha para a cidade sobre a qual refletiu e escreveu, entre outros, o seguinte poema.

«Cidade

Cidade, rumor e vaivém sem paz das ruas

Ó vida suja, hostil, inutilmente gasta,

Saber que existe o mar e as praias nuas,

Montanhas sem nome e planícies mais vastas

Que o mais vasto desejo,

E eu estou em ti fechada e apenas vejo,

Os muros e as paredes, e não vejo

Nem o crescer do mar, nem o mudar das luas.

Saber que tomas em ti a minha vida

E que arrastas pela sombra das paredes

A minha alma que fora prometida

Às ondas brancas e às florestas verdes».

 O poema é contemporâneo do Estado Novo (1944). Tempo da II Guerra Mundial. Portugal fica de fora da guerra mas nem por isso Sophia evitou  escrever “Cidade / rumor e vaivém sem paz das ruas”[...] E eu estou em ti fechada e apenas vejo / Os muros e as paredes”. (1)

O impedimento de comunicar e viajar livremente era para Sophia ausência de paz. A poetisa demonstra nos seus versos, outra forma de guerra; não a dos canhões e baionetas mas a negação de  convivência que impõe a ignorância, ameaça com prisões e priva as almas sedentas da livre comunicação nas formas: direta, escrita ou mediática.

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          Nota:           (1) O destaque em itálico é nosso.

          Fontes:


-A Radiodifusão em Lisboa  in  http://telefonia.no.sapo.pt/lisbon.htm



-Constantinopla atual Istambul Cidade das 7 colinas in http://pt.wikipedia.org/wiki/Istambul






2 comentários:

  1. Bem pensado e bem escrito.
    Obrigado amigo.
    Um abraço

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  2. Caro Juiz e amigo Jorge,

    mais uma vez agradeço a sua atenção e comentário.

    Um abraço no dia de Nossa Senhora Aparecida.

    AA

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