Desde a pré-história
aos nossos dias a orografia preserva sinais e valores com motivações religiosas:
caso de libações e ritos sobre as rochas; santuários no alto dos montes, como é
o caso da capela de Nossa Senhora do Monte e o Convento/Igreja da Graça. Para
lá da religiosidade os montes e colinas foram frequentemente aproveitados como locais
de defesa, energia dos ventos, comunicações, pontos de vigia e miradouros para
fruição de belezas paisagísticas ou simplesmente como motivo de evasão.
7 colinas. Diga-se
de passagem que as 7 elevações ou colinas de Lisboa, tanto poderiam ser 7 como
um outro número, para mais ou para menos; isso depende, em nosso modo de ver,
da forma como queiramos associar ou diferenciar esses lugares. Segundo o que vi,
e li, parece-me que há, nesta matéria, algum artifício na obtenção do nº 7,
provavelmente por ser considerado um número mágico. A associação por
comparação, de Lisboa ao mundo antigo e clássico: judaico e romano dá-nos uma
explicação na forma como se catalogaram na capital portuguesa as 7 colinas. Lisboa,
Roma, Jerusalém e Constantinopla (atual Istambul) têm algumas semelhanças,
naturais e também artificiais. Os lugares altos sempre exerceram atração.
Terá sido o primeiro
Rei de Portugal um dos primeiros estrategas da cristandade a aproveitar as
condições orográficas da zona da Graça e envolvência, também chamada colina de
Santo André. Em 1147 instala por aqui as suas tropas.
Com o terramoto de 1551, a população de
Lisboa procura novos lugares para viver. As zonas de Santo André/Graça estão na
proximidade e são ocupadas, quer por motivos de segurança, quer por
medidas de salubridade. As famílias nobres instalaram-se aqui em casas e
palácios. Considere-se
que no século XIX e XX a nobreza procura zonas mais sossegadas e distantes,
deixando a Graça para outras classes e estratos sociais.
É
assim que é edificado, cerca de 1908, o Bairro Estrela d'Ouro, para operários, situado
entre a Rua da Graça e a Senhora do Monte, mandado construir pelo comerciante e
industrial galego de nome Agapito Serra Fernandes. Se entrarmos nesta zona
viajando no tradicional Elétrico 28, após a entrada na Rua da Graça, deparamos
com um painel mural figurativo e a seguinte inscrição: “Bairro
Estrela D`Douro / 1908 / Agapito Serra
Fernandes”.
Junto à legenda uma estrela amarela com 5 pontas porquê?
A pertença de Agapito à família maçónica que utiliza frequentemente as
referidas estrelas não é suficientemente evidente. Há quem considere Agapito um
maçom, provavelmente por adotar o símbolo da estrela/pentagrama que deu o nome ao restaurante da Rua da Prata, de sua propriedade,
bem como ao bairro que fez construir para albergar trabalhadores. A estrela de
cinco pontas indica, porém, o Homem perfeito
com os braços abertos; comunica paz,
acolhimento e amizade. Este tipo de pentagrama tem sido escolhido por várias organizações, incluindo católicas.
Há quem
diga que Agapito tinha “um remoinho no cabelo em forma de estrela” e outros
ainda, referem que tomou a estrela como marca devido à tradição cultural da sua
terra natal na Galiza.
Conta a
lenda que um pastor ouviu vozes e
avistou um campo de estrelas sinalizando
a terra onde estava sepultado e esquecido, desde alguns séculos, o apóstolo
Santiago. A tradição da estrela
sinalizadora vem de tempos remotos, tendo inclusivamente orientado os reis
magos ao local em que Jesus terá sido visitado e adorado.
Certo é que Agapito Serra Fernandes mandou desenhar e esculpir estrelas
por várias ruas, em edifícios e passeios. É esta iconografia que dá um toque
especial à Graça e Bairro Estrela D`Ouro.
Para a
fruição dos momentos de lazer foram introduzidas as então novas tecnologias de animação,
informação e comunicação. Foi instalado o Royal Cine onde consta que foi
projetado o primeiro filme sonoro, a nível do território português, em abril
de 1930.
A colina
da Graça e envolvimento, como local de receção e propagação foi igualmente aproveitada
para as telecomunicações militares. Aqui instalaram o Regimento de Transmissões
(herdeiro do Corpo Telegráfico, Serviço Telegráfico Militar, Batalhão
de Telegrafistas, Serviço de Telégrafos de Guarnição, Pombais e Serviço de
Telecomunicações Militares).
Nesta colina / Bairro da Graça não poderia faltar a radiodifusão. A Rádio Graça começou as suas
emissões no ano de 1932 pelos amadores: Américo Francisco Santos, Alice Santos e Alberto dos Santos, a partir da
Rua Machado de Castro nº 3, 1º; tendo-se deslocado posteriormente para outros
locais. A falta de recursos económicos leva à criação da “União dos Amigos da
Rádio Graça” que contribuíram com quotas e donativos, até que o principal radiocomunicador Américo Francisco Santos
passou a colaborar com os “Emissores Associados de Lisboa” (Rádio
Graça, Clube Radiofónico de Portugal, Rádio Peninsular, Rádio Voz de
Lisboa/Rádio Alfabeta).
A zona da
Graça conta com dois importantes miradouros. A Senhora do Monte e o
Largo da Graça. A este miradouro também foi dado o nome da poetisa Sophia de Mello Breyner
Andersen, onde há poucos anos foi
colocado um busto em sua homenagem. Em frente da Igreja, Sophia olha para a cidade sobre a qual refletiu e escreveu, entre
outros, o seguinte poema.
«Cidade
Cidade,
rumor e vaivém sem paz das ruas
Ó vida
suja, hostil, inutilmente gasta,
Saber que
existe o mar e as praias nuas,
Montanhas
sem nome e planícies mais vastas
Que o
mais vasto desejo,
E eu estou em ti fechada e apenas vejo,
Os muros e as paredes, e não vejo
Nem o
crescer do mar, nem o mudar das luas.
Saber que
tomas em ti a minha vida
E que
arrastas pela sombra das paredes
A minha
alma que fora prometida
Às ondas
brancas e às florestas verdes».
O impedimento
de comunicar e viajar livremente era para Sophia ausência de paz. A
poetisa demonstra nos seus versos, outra forma de guerra; não a dos canhões e
baionetas mas a negação de convivência que impõe a ignorância, ameaça
com prisões e priva as almas sedentas da livre comunicação nas formas:
direta, escrita ou mediática.
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Nota: (1) O
destaque em itálico é nosso.
Fontes:
-7 Colinas de Lisboa in http://salteadoresdaarca.wordpress.com/2008/01/06/7-colinas-de-olissipo-hoje-lisboa/#coment-820; Estrela d`Ouro in http://pt.wikipedia.org/wiki/Estrela_d%27Ouro
-A Radiodifusão
em Lisboa in http://telefonia.no.sapo.pt/lisbon.htm
-Bairro Estrela de Oiro in http://apontamentoslisboa.blogspot.pt/2014/05/bairro-estrela-de-oiro.html
-Família
Serra Fernandes in http://eliag8188.wordpress.com/bairro-estrela-douro/8-a-familia-serra-fernandes/
-Galeria de imagens do
Bairro Estrela d`Ouro in https://www.google.pt/search?q=bairro+estrela+d'ouro&biw=1024&bih=682&tbm=isch&tbo=u&source=univ&sa=X&ei=Mr8xVPcZipXsBv2zgLgE&sqi=2&ved=0CCUQsAQ
-Regimento
de Transmissões et al. in http://www.exercito.pt/historiatm/Documentos/Livros/30AnosRTm.pdf
-Simbolos no Bairro Estrela D`Ouro à Graça in https://www.google.pt/search?q=simbolos+no+Bairro+Estrela+D%60Ouro+%C3%A0+Gra%C3%A7a&biw=1024&bih=682&tbm=isch&tbo=u&source=univ&sa=X&ei=wiIzVP_hNKOE7gbqiICgCg&ved=0CCsQ7Ak#imgdii=_ , acedidos em 4, 9 e 11.10.2014
Bem pensado e bem escrito.
ResponderEliminarObrigado amigo.
Um abraço
Caro Juiz e amigo Jorge,
ResponderEliminarmais uma vez agradeço a sua atenção e comentário.
Um abraço no dia de Nossa Senhora Aparecida.
AA