quarta-feira, 26 de março de 2014

06 MUSEU DE COMUNICAÇÕES: RELAÇÃO COM AS NOVAS MUSEOLOGIAS

O desejo comum, outrora manifestado, da ANA, ANACOM, CTT, DN, FPC, Lusa, PT, RDP - Radiodifusão Portuguesa, RTP - Rádio e Televisão de Portugal no sentido de reunirem patrimónios museológicos - poderá ainda ser concretizado. Para este desiderato conviria assumir, não só os valores empresariais mas também uma atitude de valores de museologia com alma e afeto (1).

Um museu da área das comunicações transmite, não apenas os testemunhos físicos (ex. telégrafo, telegrama, telefone, telex, central, rádio, televisor, satélite ..., marco de correio, carruagem, divisor, carteiro, carta, selo, poema, ...) mas também os sinais, símbolos, códigos, estilos e teorias da comunicação, de modo a facilitar o entendimento humano que vai muito para lá da oralidade e da escrita comum.

Os públicos em minoria: surdos, surdos-mudos, cidadãos com deficiências motoras e invisuais deverão ter formas adequadas de atendimento e de interpretação museológica.

Os patrimónios históricos de correios e telecomunicações tiveram um marco inicial de salvaguarda e preservação em 1878 com a criação do Museu Postal e Biblioteca; contudo, só na segunda metade dos anos 90 (séc. XX) e primeiros seis anos do séc. XXI foram incorporados no inventário dois terços de todas as peças do acervo de telecomunicações.

Esta riqueza patrimonial, em quantidade e qualidade, envolve agora ainda mais esforços de preservação, documentação, divulgação e exposição. Entretanto, mudou a relação de propriedade das peças. Antes as peças eram maioritariamente pertença do Estado ou de Empresas Públicas, atualmente são maioritariamente pertença de Empresas, S.A.; daí o consideramos útil e urgente:

A) Reorganizar os patrimónios e sua gestão, de modo a desenvolver uma missão e objetivos relativos a um Museu Nacional das Comunicações e Transportes onde teriam papel relevante os atuais fundadores e proprietários: ANACOM, CTT, PT, FPC – Fundação Portuguesa das Comunicações em Associação com a Rede Portuguesa de Museus. Deveriam também estar presentes: O Ministério das Obras Públicas Transportes e Comunicações e o Ministério da Defesa Nacional de modo a assegurar a participação dos patrimónios a cargo da Direção Geral de Faróis (outrora integrados no setor postal e de telecomunicações). Eventualmente poderiam entrar outras entidades ligadas aos patrimónios em referência.

B) Acautelar/preservar os acervos, classificando as peças mais significativas: inventadas, inovadas, fabricadas, editadas e as que tiveram o seu curso marcante de vida em Portugal e nos espaços da lusofonia. As peças únicas ou raras, embora inventadas e construídas no exterior poderiam também ser classificadas, dependendo da sua relevância museológica nacional, regional ou local.

Dadas as mudanças políticas e económicas recentes, o acervo das comunicações e transportes é um dos que carece  salvaguarda especial. O simples registo de inventário, só por si, não garante proteção suficiente para um futuro incerto de proprietários de bens culturais. Estão em causa essencialmente bens informativos, de ciência e técnica, de reconstituição de memórias e de identidades, mais do que peças decorativas, como se de bibelots ou peças de redoma se tratasse.

  1. cf. Chagas; Delambre; Moutinho in Museologia do Afeto – MINOM 2013.

Para uma proposta de salvaguarda, preservação, valorização e classificação de patrimónios em benefício das populações sugerimos uma leitura dos seguintes documentos:


-Lei de Bases do património Cultural Português in




Posted: segunda-feira, 24 de Março de 2014 1:49 por AlfredoRamosAnciaes Editar

segunda-feira, 17 de março de 2014

ESTÓRIAS DA MINHA ALDEIA in memoriam

                   
Soubemos da recente “despedida” do José David, falecido em França, através do blogue “Os Ceireiros” http://ceireiros.blogspot.pt/.
O José nasceu pelos finais da 2ª guerra mundial. Portugal não entrara no teatro de guerra e dela até beneficiara, durante certo tempo. Quando, porém, a venda do volfrâmio foi interrompida, a miséria acentuou-se nas terras beiraltinas.
O avô paterno do José (marido da Srª Cacilda Eiras) havia falecido prematuramente numa fatídica noite ao regressar da festa da Senhora da Cabeça. A família sentiu sérios reveses, uma vez que partira inesperadamente o ganha-pão. Filhos e netos foram afetados. O José David, ainda menor de idade, teve que migrar, aproveitando trabalhos sazonais em Portugal e, logo que pôde, em meados dos anos 60 emigrou para França, onde viveu e acabaria por falecer.
Amante da aldeia e do concelho, o José não faltava às festas. Via-se, muitas vezes, com um foguete na mão. Um dia interpelei-o dizendo-lhe que podia rebentar-lhe nas mãos e causar-lhe danos e a quem estivesse por perto. Começou a rir-se, sem nada dizer, até que o António da Zefa ali presente me sossegou dizendo que o engenho, aparentemente novo e intacto, estava destituído de qualquer material explosivo, pois o mesmo havia sido extraído sem que nada se notasse.  
Quando fui mordomo da festa, a banda de música deu a primeira volta ao povo de manhã cedo, como é habitual. Ao chegar ao pé da igreja, em vez de contornar pela porta principal e Adro de Cima (também denominado Largo Pe. Donaciano Lages), atalhou pelo lado do Evangelho. O José protestou e acho que não reagiu de forma mais brusca pelo respeito mútuo que entre nós havia mas, mesmo assim, indignou-se publicamente. Garanti-lhe que o procedimento não voltava a acontecer. Os mordomos e a banda ficaram avisados de que a volta era mesmo contornando a igreja passando em frente do Santíssimo.
Lembro-me de jogar à bola com o José no velho quintal da Don`Ana, quando ali se realizavam os jogos de treino e brincadeiras. Recordo também um outro episódio: Na altura da juventude falava-se em jogos, namoricos, festas, música, estórias e lendas. Constava que para lá do Covêlo havia uma moira encantada que durante a noite se passeava por cima de uma grande pedra quase paralelepípeda (produto da natureza? chamada arca da moira) onde estendia os seus haveres, os quais desapareciam antes do nascer do sol. Ninguém se atrevia a ir aquelas bandas noite dentro.
Contada a estória, houve precisamente quem se dispusesse a ir à arca da moira à meia-noite certa. Na altura não havia luz elétrica. A iluminação fazia-se com candeias e candeeiros a petróleo e velas de cera.
Organizou-se um grupo de voluntários para ir à arca e às galerias subterrâneas onde a moira vivia. O grupo de curiosos contava com vários elementos: Entre eles destacava-se o José David pela sua maior experiência de vida e o Neca, o único que estudara no secundário, e que se dispôs a fazer uso dos conhecimentos, inclusivamente de química para entrar nas galerias.
Levou-se um engenho, constituído por uma vara, que segurava uma vela acesa. O objetivo era, não só alumiar mas, indicar se havia ou não atmosfera respirável. Para que ninguém se perdesse, o avanço foi feito em fila indiana, até chegar a um ponto em que a entrada se encontrava praticamente obstruída. Alguém disse que a moira tinha tapado de propósito o acesso à parte principal da morada, impedindo assim os curiosos de invadir o espaço reservado. No momento foi impossível avançar por falta de ferramenta. Era preciso voltar devidamente equipado com enxadas, ferros e picaretas.
Entretanto a emigração começou a subtrair os mais corajosos. Até hoje parece que ninguém conseguiu visitar o lugar onde se encontram os valiosos tesouros.
O Zé David e o Neca gostariam, certamente, que alguém continuasse a decifrar o enigma da arca da moira (1).
Que Deus os tenha em Bom lugar.
  1. Em prol do desenvolvimento cultural da região seria de bom tom entregar a prospeção a uma equipa de arqueólogos credenciados. O espólio encontrado e a informação respetiva reverteriam para o museu local.

domingo, 2 de março de 2014

07 DO MAR QUE SEPARA AO MAR QUE UNE

              
07 DO MAR QUE SEPARA AO MAR QUE UNE
 

“Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.

Deus quiz que a terra fosse toda uma,

Que o mar unisse, já não separasse [...]” (1)
 

        O poeta da Mensagem interpreta a história de Portugal evocando a relação com o mar. Esta mnemónica (Mensagem),  auxiliar da memória, tornada título de uma das melhores obras primas de Fernando Pessoa sobre a portugalidade, revela que também as telecomunicações se inspiram na informação breve / telegráfica para comunicar o essencial.

         Cerca de 1845 uma goma chamada guta-percha, extraída de árvores da Malásia veio permitir o eficaz isolamento dos cabos telegráficos em meios aquáticos. Doravante foi possível estender cabos pelos oceanos e transmitir mensagens velozes, quase instantâneas, quando dantes levariam meses, tal como aconteceu com a célebre Carta de Pero Vaz de Caminha, enviada a D. Manuel I, sobre o achamento do Brasil e as primeiras relações entre os povos europeus (portugueses) e ameríndios.

           Por volta de 1930 já havia no mundo, cerca de um milhão de quilómetros de cabos: subaquáticos (submarinos /subfluviais) e terrestres; para lá de uma extensa rede de postes, isoladores de porcelana e fios nús, vencendo geografias, constituindo uma rede praticamente global antes da www.

          Em 1855, com a regeneração económica e política é inaugurada a telegrafia eléctrica em Portugal com equipamento baseado em aparelhos com caracteres alfanuméricos  sem necessidade de código. Tratava-se de um meio inovador, até pela facilidade de transmissão e receção. Qualquer oficial do corpo telegráfico, sem ciência especial, conseguia operar mensagens através de equipamento constituído por: uma mesa; um transmissor com caracteres alfanuméricos e pontuação; um recetor com o mesmo tipo de carateres, parecido a um relógio de parede; uma bússula; um pára-raios e um vaso de pilha voltaica.   

          Este tipo de telegrafia foi inaugurado em Portugal pelo então jovem rei D. Pedro V, no preciso dia que fez 16 anos de idade e assumiu o trono (16.9.1855). À frente do Ministério das Obras Públicas, Comércio e Indústria estava o ministro e conselheiro de sua majestade e de Estado, António Maria Fontes Pereira de Melo.

          Uma pequena rede relacionada com o poder e a alta administração iniciou a telegrafia elétrica: Terreiro do Paço (nome oficial, Praça do Comércio), Cortes (atual Assembleia da República), Necessidades (atual palácio dos Negócios Estrangeiros) e Sintra (palácio da Vila). Em seguida e quase num ápice, tendo em conta as tecnologias da altura, foram construídas as linhas telegráficas entre Lisboa, Santarém, Coimbra, Porto; Lisboa/ Elvas. Também de  uma forma muito veloz, o país passou a dispor de um segundo sistema de transmissão e receção, baseado no código de Samuel Morse.

          Porquê mais um novo sistema de transmissão se já tinhamos o inicial, francês, da família Bréguet? A explicação deve-se, entre outras, à eficiência dos aparelhos morse. De construção mais económica e  permitindo o registo automático dos sinais em fita de papel, ou a receção auditiva, enquanto nos equipamentos franceses de Bréguet o telegrafista na receção tinha que copiar as mensagens manualmente letra a letra, ponto a ponto, à medida que um ponteiro assinalava os carateres num mostrador.

          Entretanto, em 1856, é lançado o primeiro cabo telegráfico subfluvial que saía de Lisboa, via Ria de Samora e Alcochete. Daqui até Elvas seguia pelos postes de fios aéreos.

Data ainda deste ano de 1856 a inauguração da primeira fase do caminho-de-ferro, entre Lisboa e o Carregado. A telegrafia eléctrica acompanhou as linhas e os serviços do novo meio de transporte movido a carvão.

          O Instituto Industrial de Lisboa (precursor do Instituto Superior Técnico) teve a sua sede na Rua deste nome, situada entre o cais do Sodré e Santos. Aqui funcionou a formação para as comunicações telegráficas na Rua do Instituto Industrial / esquina com a Rua de D. Luís I, onde  se localiza desde 1997 a Fundação Portuguesa das Comunicações e o Museu. Caso para dizer, o “bom filho à casa torna”. Foi por aqui que teve início o curso para telegrafistas de 1856/1857 com um programa que incluía diversas matérias, entre elas a manutenção de equipamentos, aprendizagem de códigos alfanuméricos e a operação com o sistema  morse. A utilização deste código manteve-se em ascensão até aos anos 30 do século XX, altura em que as tecnologias proporcionaram novamente a transmissão com equipamentos sem necessidade de código.

          O telex com grande notoriedade quase leva à extinsão das transmissões em morse, a partir dos anos 1940`s. Porém, o velho código resistiu nas transmissões militares, acabando mesmo por perdurar para lá da telegrafia inovadora com teleimpressores (vulgo telex) muito em voga na segunda metade do século XX.

          Do primeiro cabo telegráfico subfluvial, instalado em 1856, nada parece restar; nem o cabo, nem as marcas toponímicas e edifícios de amarração entre Lisboa, Samora e Alcochete. Estas marcas seriam uma mais-valia para os sítios e localidades; todavia a urbanização sem critério, eliminou sem dó nem piedade marcas que tornariam mais atrativas e compreensivas as atividades humanas.

          Em 1857 com pouco mais de um ano de vida da telegrafia elétrica, Portugal assina com Espanha uma Convenção Telegráfica, abrindo-se a outros países.  A interligação fez-se então, unindo Lisboa, Elvas,  Badajoz, Madrid, alargando-se progressivamente à Europa e à Ásia.  

Via marítima

          Esta via foi, mais uma vez, essencial para as comunicações a longas distâncias. Portugal inicia-se nas transmissões por cabo submarino a partir de 1870, através da estação de cabos de Carcavelos para Inglaterra e Gibraltar, permitindo a conexão com a Europa Ocidental, Estados Unidos da América, Índia e China; seguindo-se a ligação com a Madeira, Cabo Verde e Brasil nos anos seguintes e já na década de 80 estabelece-se a ligação com o Senegal, Angola e África do Sul.

          Nos anos 90 (1893) entra em funcionamento a Estação da Horta-Faial-Açores um importante nó e relé de comunicações, chegando a albergar em 1928 quinze cabos com ligação a Carcavelos, Inglaterra, Alemanha, EUA, Canadá, Irlanda, França, Itália e Cabo Verde.

          Na Horta chegaram a viver e trabalhar várias nacionalidades nas operações telegráficas e na manutenção de equipamentos, entre ingleses/escoceses, alemães, canadianos, irlandeses, americanos e portugueses do Faial e Cabo Verde. Este importante nó da Horta só viria a encerrar completamente em 1969, sendo das últimas empresas ali envolvidas, a Cable & Wireless e a Comercial Cable Company, devido às inovações das tecnologias do século XX com mais capacidades, atingindo maiores distâncias, sem necessidades de relés de Estações, e mais facilitadas, dispensando o uso de códigos.

          Desta época de ouro para a ilha do Faial ficaram saudades nas populações; houve interinfluências no  desporto, na cultura e nas convivências entre as várias nacionalidades presentes na Horta das transmissões submarinas.  

          O Grupo de Amigos da Horta dos Cabos Submarinos com o Museu da Horta estão a  trabalhar no sentido de ativarem um museu temático dos cabos e tecnologias afins, com os espólios imateriais e materiais recuperados; nomeadamente equipamentos técnicos, arquitetura de instalação das  tecnologias, escritório de tratamento de telegramas e informação de gestão, habitações do pessoal, informação toponímica, sinalética e expressões culturais.

         A cooperação deste futuro museu local e regional (que se será designado Museu da Horta dos Cabos Submarinos?) com o Museu das Comunicações reestruturado em Museu Regional e Nacional das Comunicações permitirá uma nova dimensão, uma mais-valia e abrangência que só poderá enriquecer o País no seu todo. Deste sonhar nascerão novos mares comunicacionais que unirão Portugal, sua diáspora e família global.

 

 

------------- (1) Extrato do poema de Fernando Pessoa em Mensagem. Lisboa: Livraria do Dr. Pedro de Moura e Sá, 1984. Versos dedicados ao Infante D. Henrique que ousara a globalização, através das rotas marítimas.
Fontes:

- Anciães, Alfredo Ramos - Património museológico de telecomunicações: criação e gestão em contexto. in Revista Códice, nº 5, Ano XI, II Série, 2008, p. 52-67;

- Id - Telegrafia eléctrica. in Revista Códice, nº 2, Ano VIII, II Série, 2005, p. 80-95;

- Id - Cento e cinquenta anos da telegrafia eléctrica em Portugal – Dossier de Exposição, Fundação Portuguesa das Comunicações. Lisboa, 2005
- Museu da Horta; Associação dos Antigos Alunos do Liceu da Horta - O Porto da Horta na História do Atlântico: O Tempo dos Cabos Submarinos – Ed. do A. Museu da Horta; Associação dos Antigos Alunos do Liceu da Horta. Impressão: Gráfica O Telégrafo. Criação Gráfica: JCS/Açores. Horta, 2011


- Pessoa, Fernando – Mensagem. Lisboa: Livraria do Dr. Pedro de Moura e Sá, 1984

- Varão, Isabel - Os cabos submarinos e a expansão da telegrafia internacional no século XIX. in Revista Códice, nº 2, I Série, 1998, p. 58-62