sábado, 8 de fevereiro de 2020

SEMANA MUNDIAL DA RÁDIO: A TSF E A RÁDIO PÚBLICA NO ANTES DE 25 ABRIL DE 1974

Edifício onde nasceu a primeira Rádio Pública de Portugal, no Alto de Barcarena, hoje em dia ao serviço da ANACOM - Autoridade Nacional de Comunicações
"16 Em verdade, em verdade vos digo: o servo não está acima do seu senhor e o mensageiro [mensageiro da rádio ou de qualquer outro meio] não é maior que aquele que o enviou. 17 Se sabeis isto, e o puserdes em prática, sereis felizes” (Jo 13, 16-17).
«O Dia Mundial da Rádio celebra-se anualmente a 13 de fevereiro. A data foi escolhida neste dia em que a United Nations Radio [UNR ; em português Rádio Nações Unidas RNA] emitiu pela primeira vez, em 1946, um programa em simultâneo para um grupo de seis países. A data foi declarada em 2011 pela UNESCO e o primeiro Dia Mundial da Rádio foi celebrado em 2012.
A rádio continua a ser o meio de comunicação social que atinge  maiores audiências, continuando a adaptar-se às novas tecnologias e a novos equipamentos […]» (Cf. https://www.calendarr.com/portugal/dia-mundial-da-radio/ )
Em Portugal as experiências radioelétricas já vinham dos finais do regime monárquico; conhecidos que eram os trabalhos de Gago Goutinho (1) precedidos e continuados por figuras da telegrafia e telefonia sem fios (2).
(1)São conhecidas as investigações e a apresentação duma patente por parte de Gago Coutinho. “Preocupando-se de igual modo com os problemas das comunicações entre o mar e a terra, escreveu sobre telegrafia sem fio, advogando que se montassem estações na costa de Portugal, de modo a salvaguardar a segurança das embarcações”. Em 1900 “Coutinho registou duas patentes de invenção em telegrafia eléctrica, uma das quais para um sistema de radiocondutor […]”. (Cf. fontes infra: COUTINHO, Gago) ;
(2)O ano de 1925 marcou outra etapa de desenvolvimento das telecomunicações em Portugal com a criação da Companhia Portuguesa Rádio Marconi, chegando a ser uma das maiores redes de radiocomunicações a nível mundial, operando de Portugal a Timor.
Quanto à radiodifusão (programas públicos de fonia, via rádio, para auditório aberto) é assinado em 1930 o decreto que cria a Direcção dos Serviços Radioeléctricos dos CTT (3). 
(3)Os Serviços Radioeléctricos dos CTT são o embrião do ICP – Instituto das Comunicações de Portugal, agora com a designação de ANACOM – Autoridade Nacional das Comunicações.
Em 1932 o Ministro das Obras Públicas e Comunicações, eng.º Duarte Pacheco aprova as experiências radioelétricas ; em Barcarena, mais concretamente no Alto do Paimão, concelho de Oeiras são instalados os primeiros estúdios e o emissor público. Esta primeira estação estatal, cedo começa a ser desdobrada e deslocada para outros locais. Em 1934 vários serviços de Barcarena são transferidos para a Rua do Quelhas - Lisboa, tendo nesta localidade feito uma longa história, até finais do século XX, se considerarmos os estúdios e o simpático ex Museu da Rádio. Desde os anos 30 a rádio pública/estatal foi designada por Emissora Nacional de Radiodifusão Portuguesa. (4)
(4)Com as vicissitudes da História, o nome acabou por ser alterado; atualmente a estação e museu estão fundidos na RTP – Rádio e Televisão de Portugal com estúdios e emissores na Avenida Marechal Gomes da Gosta, 37. A RTP tem ainda outras sedes, emissores e estúdios no Porto, Madeira e Açores.
A tecnologia adotada na Emissora era a de onda média, seguindo-se outras transmissões em onda curta para a longa distância: ultramar e estrangeiro. Em 1935, após quase cinco anos de preparação, é inaugurada com pompa e circunstância a Emissora Nacional pelo Estado Novo, tendo participado na cerimónia o Presidente da República General Carmona, o capitão Henrique Galvão, o Ministro das Obras Públicas e Comunicações – eng.º Duarte Pacheco, o técnico Manuel Rodrigues Júnior, entre outras personalidades.
A onda curta foi a nova realidade que permitiu o programa Hora da Saudade. Com este programa “[…] estabelecíamos uma forte ligação à nossa casa, à nossa terra. Durava pouco, mas sabia muito bem. O procedimento mais usual era, quando os pescadores estavam a trabalhar, o capitão ia de imediato ouvir as mensagens recebidas em directo a partir de Portugal, retransmitindo-as de seguida pelo navio”. (Capitão João Braz, entrevistado por Luís Manuel Martins (5).
(5)O programa “Hora da Saudade”, foi iniciado em 1937 pela Emissora Nacional de Radiodifusão Portuguesa. Apresentado por Curado Ribeiro, dirigia-se aos emigrantes no continente americano e aos tripulantes e pescadores dos navios bacalhoeiros na Terra Nova. (Cf. Blogue Aqui e Agora – Hora da Saudade in http://oaquieagora.blogspot.pt/2007/07/hora-da-saudade.html, acedido em 16.5.2014).
Nos finais dos anos 30 a tecnologia de onda curta em Barcarena beneficiou do aumento de potência dos 2 para os 10 kw permitindo melhores captações de som e o aumento do alcance da transmissão e da receção (6).
(6)Cf. RTP 75 Anos Rádio Pública Portuguesa in  http://www.rtp.pt/wportal/sites/radio/75anos/historia.php
Formalmente só em 1940 a Emissora Nacional saiu da esfera tutelar dos CTT – Correios Telégrafos e Telefones, na altura integrados no Ministério das Obras Públicas e Comunicações e hoje designados CTT – Correios de Portugal, S. A.
A mudança fez-se através do Decreto-Lei 30752. Começou então a descentralização de tecnologias e serviços com a criação de emissores: no Porto, Coimbra e Faro. Cerca de 1944 em Castanheira do Ribatejo, concelho de Vila Franca de Xira é instalado um emissor de ondas médias com 50 kw de potência. O objetivo foi conseguido: a difusão de programas radiofónicos da parte da manhã. Em Barcarena ficou o emissor de ondas médias para transmitir os programas noturnos, encerrando contudo as emissões antes da meia-noite.  
Nos anos 40 foram célebres as temporadas de ópera, transmitidas a partir do Teatro de S. Carlos. A emissão de música tinha origem na atuação ao vivo com a Orquestra Sinfónica da Emissora Nacional regida pelo maestro Pedro de Freitas Branco que animava sobremaneira o país numa altura em que não tinha ainda chegado a televisão a Portugal. Em 1936 começaram as gravações em discos, tentando assim disponibilizar melodias a qualquer hora e a custos reduzidos. As novas tecnologias de então contribuíram para fazer chegar aos públicos um serviço com tendência a universal.
Em 1952 o Instituto Superior Técnico recebeu estúdios de gravação e emissão de programas no âmbito das conferências da NATO, realizadas em Lisboa. Chegados a 1954 é a vez do presidente da República General Craveiro Lopes inaugurar o Centro Emissor de ondas curtas e médias de S. Gabriel (7) de Pegões.
(7)Note-se que o Arcanjo S. Gabriel é o padroeiro das telecomunicações. 
Esta estação emitia para longas distâncias em ondas curtas através de dois emissores, servindo o ultramar português e o sudoeste asiático.
Em meados dos anos cinquenta introduziu-se nova tecnologia permitindo a emissão e receção da Frequência Modulada (FM). Equipamentos de 100 kw em Lisboa e na Lousã são postos ao serviço da Emissora Nacional (8).
(8)Atualmente a rádio em  FM é a mais utilizada em Portugal, emitindo em cerca de 300 estações neste tipo de frequências.
Quanto à rádio pública internacional, esta ganha visibilidade em 1957 com os estúdios no Bairro Alto, Rua de S. Marçal, inaugurados na altura da visita da raínha Isabel II.
A estereofonia em Frequência Modelada (FM) foi aproveitada no tempo da primavera marcelista para a emissão de música gravada em onda média das 9 às 11 da noite e das 11 à uma e tal da manhã. A difusão de informação e propaganda tenta influenciar a Europa nas línguas: francesa, inglesa e alemã. A Voz do Ocidente da Emissora Nacional insistia em ganhar adeptos em relação à política com as províncias ultramarinas destacando a missão da defesa militar. Esta Voz do Ocidente combatia as emissões clandestinas comandadas por Moscovo, aproveitando-se o ambiente da guerra fria.
Ficou na memória de muitos contemporâneos o slogan “Aqui, Voz do Ocidente, Rádio Moscovo não fala verdade”.
As emissões do exterior eram, por sinal boicotadas, tanto quanto possível, através dos Serviços Radioeléctricos dos CTT, organismo estatal até 1968 e empresa pública a partir de 1969. A instalação de Barcarena onde funcionara a primitiva Emissora Nacional passou a ter também a função de provocar artificialmente interferências ao sinal das rádios políticas estrangeiras, tais como a Rádio Moscovo, a Voz da Liberdade (Rádio Argel) e a Rádio Portugal Livre (Bucareste – Roménia).
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Fontes:

-ANCIÃES, Alfredo Ramos – “Da História das Telecomunicações na I República”;
-ANCIÃES, Alfredo Ramos. Da História das Telecomunicações no Estado Novo (1926-1974)”;
-ANCIÃES, Alfredo Ramos – “Da História das Telecomunicações na Democracia (1974-2010)” in Comunicar na República 100 Anos de Inovação e Tecnologia. FPC - Fundação Portuguesa das Comunicações. Lisboa: FPC, 2010;
-ANCIÃES, Alfredo Ramos – “Património museológico de telecomunicações: Criação e gestão em contexto”. Lisboa: FPC Códice Ano XI Série II, 2008, págs 52-67
 -COUTINHO, Gago - Biografia de Carlos Viegas Gago Coutinho (1869-1958) in http://www.ihc.fcsh.unl.pt/pt/recursos/biografias/item/4394-coutinho-carlos-viegas-gago-1869-1958, acedido em 16.5.2014;
-COUTINHO, Gago.- Obras de Gago Coutinho in http://www.citi.pt/cultura/historia/personalidades/gago_coutinho/obras_de_gago_coutinho.html, acedido em 16.5.2014
-FARIA, Miguel Ferreira de - Marconi 75 anos de comunicações internacionais. Lisboa: Companhia Portuguesa Rádio Marconi, SA ; Printer Portuguesa, Ldª, 2000
-FONSECA, Moura da – As Comunicações navais e a TSF na Armada: subsídios para a sua história (1900-1985). Lisboa: Edições Culturais da Marinha, 1988
-MARCONI, Guglielmo – Marconi em Portugal: Ciência e engenharia na génese das radiocomunicações in  http://www.ordemengenheiros.pt/pt/centro-de-informacao/dossiers/historias-da-engenharia/marconi-em-portugal-ciencia-e-engenharia-na-genese-das-radiocomunicacoes/, acedido em 16.5.2014
-MATOS, Artur Teodoro de – Transportes e Comunicações em Portugal, Açores e Madeira: 1750-1850. Ponta Delgada: Universidade dos Açores, 1980
-RDP Internacional in http://pt.wikipedia.org/wiki/RDP_Internacional, acedido em 16.5.2014
-ROLO, Maria Fernanda – História das Telecomunicações em Portugal: da Direcção Geral dos Telégrafos do Reino à Portugal Telecom. Lisboa: Fundação Portugal Telecom, 2009
-RTP 75 Anos Rádio Pública Portuguesa in  http://www.rtp.pt/wportal/sites/radio/75anos/historia.php; acedido em 16.5.2014
 -UIT - Union Internationale des Télécomunications. Du sémaphore au satellite. -Geneve: UIT, 1965
 Palavras-chave: Dia Mundial da Rádio; TSF - Telegrafia Sem Fios, Radiodifusão, Rádio Bucareste – Roménia, Rádio Portugal Livre, Voz da Liberdade Rádio Argel, Rádio Moscovo
OBS.: Seguem-se alguns comentários realizados na plataforma de blogues do Jornal semanário “SOL”. Lamentavelmente o “SOL” decidiu descontinuar o sistema de blogues, alegando que a manutenção era cara para os recursos disponíveis; a primeira edição deste artigo no SOL data de 17 de Maio de 2014 0:35 por Alfredo Ramos Anciães 
Comentários:

Brutus said: http://comunidade.sol.pt/Themes/Blogs/paperclip/images/spacer.gif
Obrigado amigo por mais este excelente post histórico-pedagógico.
Um abraço.
# Maio 19, 2014 15:20

Caro Juiz, obrigado por estar presente e pela sua atenção na leitura. Os seus postes não são menos didáticos e são muitos atuais.
Um abraço
# Maio 19, 2014 15:34

mitalaia said: http://comunidade.sol.pt/Themes/Blogs/paperclip/images/spacer.gif
Fred
Como gosto sempre de aprender, de tudo, inclusive comunicações, aproveitei bem a grande lição. Tanto mais que encontrei acontecimentos de antes do meu nascimento. Ações conhecidas, mais recentes, também há, mas deu para concertar ideias.
Grande abraço
# Maio 21, 2014 10:39

Caro Daniel Mitalaia
É sempre um prazer receber-te e seria ainda mais prazer ver-te como sócio do Grupo de Amigos do Museu das Comunicações com a experiência que tens na Filatelia e não só.
Um abraço e obrigado pelas tuas palavras.
# Maio 22, 2014 23:42

Leonor C.  said: http://comunidade.sol.pt/Themes/Blogs/paperclip/images/spacer.gif
Caro amigo,
Parabenizo-o pelo fantástico, histórico e pedagógico post.
Muito obrigada.
Grande abraço,
# Leonor C. From: e-mail. Date: Tue, 20 May 2014 22:21:43 +0100 

terça-feira, 4 de fevereiro de 2020

PARA UMA MUSEOGRAFIA DA ARTE E DO SOCIAL


 
Paramento: foto gentileza de Elvira Silva
 
 
Do passado, ao futuro, passando pelos presentes:
Bordados feitos pelos PRÓPRIOS IRMÃOS do sexo masculino. Como costuravam as suas próprias vestes, eram sapateiros, alfaiates, trabalhavam a terra, o metal, ministravam o ensino aos seus pupilos e aos alunos da sociedade civil, curavam e promoviam os enfermos, etc. etc. Hoje, já não têm tempo e, felizmente, também não têm necessidade de acorrer em tantas frentes.
A peça - paramento em anexo encontra-se exposta no Museu da Casa de Saúde de S. João de Deus do Telhal – Sintra.
Segundo tudo parece indicar é o primeiro Museu tão organizado e único no Mundo das Irmandades religiosas, especialmente dedicadas à saúde pública na vertente das doenças “psi” e outras, dos mais necessitados mas não só.
1-Apela-se à observação de peças fratrimoniais, não só de etnografia, arte, e ciência criadas e / ou promovidas pelas irmandades, bem como:
2-À ORGANIZAÇÃO SOCIAL e peças de ARTE AO AR LIVRE, entre COMUNIDADES, como a da Quinta do Mocho – Sacavém – Loures que será objeto de visita no curto prazo através da USMMA – Universidade Sénior de Massamá e Monte Abraão, se tudo correr bem e como esperado.
Uma ocasião a não perder, naquela que será a nossa quarta visita deste ano letivo 2019-2020 para conhecer um espaço para-museológico ao ar livre, em sítio que foi visto como improvável. Todavia vem sendo estudado por gentes e colaboradores de Universidades portuguesas e não só. O projeto para-museológico da Quinta do Mocho está contribuindo para a integração, felicidade e pacificação entre portugueses, oriundos de várias partes, especialmente das áreas da lusofonia.
Porque é de Paz e não de desconfianças que teremos de evoluir, apela-se à participação nesta visita, cujo dia será informado oportunamente.
Palavra-chave: arte, Casa de Saúde de S. João de Deus, fratrimoniologia, Quinta do Mocho, museografia, museologia, museu ao ar livre, Telhal - Sintra

domingo, 2 de fevereiro de 2020

OS FUNDAMENTOS DA ONU OU OS PAIS QUE SE TORNARAM FILHOS


(Imagem gentileza da Fundação Portuguesa das Comunicações / Museu)


As primeiras Instituições mundiais ligadas às comunicações foram:
-- A UITUnião Internacional de Telecomunicações, na versão inicial de (International Telegraph Union  - União Internacional de Telégrafos), fundada em Paris, no dia  17.05.1865, organização internacional, de abrangência mundial mais antiga do mundo. Filiada na ONU, sendo esta de criação mais recente;  
-- A UPUUnião Postal Universal. Esta União nasce em 1878, posteriormente sedeada na ONU – Organização das Nações Unidas.
Obs.: Apesar da UIT e da UPU serem mais antigas e terem, em nossa opinião, inspirado a ONU, esta Organização de vocação mundial é hoje “mãe” da UIT e da UPU.

(Imagem gentileza da Fundação Portuguesa das Comunicações / Museu)
 
A organização e experiências da UIT e da UPU vieram trazer conhecimentos e vontades de replicarem ideias internacionais e mundiais nas esferas da cultura e da paz. É neste encalce que surge o Mundaneum (que em seguida descrevemos mais detalhadamente), bem como a ONU – Organização das Nações Unidas e a sua associada da área cultural – Unesco.
Paul Otlet foi um autor, empresário, visionário, advogado e ativista da paz; uma das pessoas consideradas «pais da ciência da informação, a que chamava "documentação"».
Otlet criou a Classificação Decimal Universal, escreveu ensaios, recolheu e organizou, peças; indexou e realizou fichas de assuntos e documentos para divulgar o mundo do conhecimento biblioteconómico e museológico. Escreveu, entre outras publicações, os seguintes livros:

1-                   Traité de documentation” (1934) e

2-                   2- “Monde: Essai d’universalisme” (1935).

Em 1907, na sequência de grande conferência internacional.- Henri La Fontaine (*) e Paul Otlet criaram o Escritório Central de Associações Internacionais. Designado “União das Associações Internacionais”, em 1910, localizado em Bruxelas.
(*) Henri La Fontaine ganhou o Prémio Nobel da Paz em 1913.

Estes precursores criaram o grande centro internacional - «Palais Mondial (World Palace)», mais tarde, intitulado «Mundaneum» para preservar coleções,  organismos e institutos da área cultural que vieram dar origem à UNESCO.

Paul Otlet formou-se na Universidade Católica e na Universidade Livre de Bruxelas. A carreira jurídica não o cativou. Começou a ter interesse pela bibliografia, daí que no seu primeiro trabalho publicado se tenha dedicado ao ensaio de “Algo sobre bibliografia” (Something about bibliography), datado de 1892.
Otlet alega que «os livros são uma forma inadequada de armazenar informações: porque a disposição dos fatos contidos dentro deles é uma decisão arbitrária por parte do autor, tornando cada facto difícil de ser localizado» .
Propôs, então, um «sistema de armazenamento, usando cartões contendo pequenos trechos com informação». Em 1891, conhece Henri La Fontaine, igualmente interessado na bibliografia e nas relações internacionais.
Estes dois precursores foram solicitados em 1892 pela Sociedade Belga de Ciências Sociais e Políticas para criarem bibliografias para diversas ciências sociais, trabalho que os terá particularmente motivado.

No ano de 1895 têm a sorte de conhecer a Classificação Decimal de Dewey.

Melvil Dewey era o norte-americano que havia iniciado um sistema decimal cerca de 18 anos antes da Classificação Decimal Universal de Otlet e La Fontaine que decidiram expandir o trabalho de Dewey, praticamente recriando uma nova classificação, após a autorização concedida pelo norte-americano. (cf. https://en.wikipedia.org/wiki/Dewey_Decimal_Classification ).

Otlet fundou o Institut International de Bibliographie (IIB), em 1895, organismo renominado “International Federation for Information and Documentation (FID)” “(Federação Internacional de Informação e Documentação)”.

A Classificação Decimal Universal nasce em termos públicos em 1904, quando Otlet e La Fontaine começam a sua divulgação.
Em 1907 já tinham o sistema relativamente desenvolvido mas de seguida começam os problemas inerentes à Grande Guerra. Por ironia do destino (imediatamente antes do início dos conflitos, em 1913) La Fontaine ganha o Prémio Nobel da Paz.

Todavia, Otlet e La Fontaine passam a maior parte do «tempo durante a Guerra a procurar a paz». Criam instituições que acreditam poder evitar futuras guerras. Em 1914, Otlet publica o livro, "La Fin de la Guerre" ("O Fim da Guerra").

Consta que Otlet tentou tudo para promover um documento «mundial dos direitos humanos e uma federação internacional de vontades para a paz».
Em 1910 surge o “Mundaneum onde Otlet e La Fontaine começam a "cidade do conhecimento", também designada por "Palais Mondial" ("World Palace", "Palácio Mundial"), a fim de reunirem documentos e informações de qualquer parte do mundo a que tivessem acesso.

«Em 1913, o rei do aço norte-americano,  Andrew Carnegie, visita Bruxelas e conhece o projeto de Paul Otlet. Fica encantado e faz doações para avanço do projeto.»

Em 1919, após o fim da Guerra convencem o governo da Bélgica a dar-lhes espaço e financiamento. Argumentam que o projeto ajudaria a instalar a sede da Liga das Nações. Conseguem terreno em área nobre de Bruxelas e desenvolvem a "Universal Bibliographic Repertory" mas o "Palais Mondial" foi pontualmente fechado em 1922, devido à falta de apoio do governo e do primeiro-ministro.

Contudo o "Palais Mondial" foi, pouco tempo após, reaberto. Otlet não parou de imaginar e de trabalhar. Lembrou-se de renomear o "Palais Mondial" com a designação de "Mundaneum", em 1924.

Mundaneum é assim como um mundo globalizado de documentação e informação, um protótipo ideal da Web (rede mundial), mas sem as redes informáticas, de tecnologias digitais que ainda teriam de ser inventadas.

Otlet e La Fontaine criam um sistema de fichas, tipo cartolina com as quais desenvolvem a "Universal Bibliographic Repertory”. Estas fichas assentam na indexação de assuntos baseados na Classificação Decimal Universal que servia para livros, arquivos, cartas, relatórios, artigos e outros géneros documentais, independentemente dos suportes da informação. Assim o Mundaneum chegou a conter mais de 100.000 unidades informativas de livros, e peças tipo arquivístico e museológico.
Mas em 1934, o governo belga volta a cortar o apoio a este projeto, levando ao fecho do Mundaneum. Otlet procurou por várias formas reativar o projeto, sem que o tivesse conseguido, com a devida eficácia.
As coleções ficaram sem a proteção diária, praticamente abandonadas e sujeitas aos perigos dos micro-organismos. A falta de arejamento e devida observação de conservação preventiva, continuaram; até que em 1940 a Alemanha invade a Bélgica. Ali se instalaram tropas, alegando em primeira instância «expor uma mostra de arte do Terceiro Reich alemão». Mas o que conseguem é destruir peças e coleções. Otlet e os colaboradores que ainda permaneciam foram obrigados a abandonar o local.
Ainda foram para um mísero edifício no Parque Leopold, onde reinstalaram parte do Mundaneum. Ali permaneceu até que foi novamente transferido, em 1972, já muito após a morte de Otlet que ocorreu em 1944.

Outros contributos: A “World City" ou "Cité Mondiale" .

Esta ideia da cidade de informação mundial foi, ao que tudo indica, uma visão de Paul Otlet e de La Fontaine. Uma cidade que seria como um repositório abrangente de informação e uma Exposição Universal, as quais reuniriam todas as principais instituições do mundo. A "World City" transmitiria conhecimentos para o resto do mundo e iria propor a cooperação universal.
Como se depreende a ONU foi, de certo modo, decalcada dos projetos destes visionários, desenvolvendo uma cidade internacional, também inspirada na publicação do escultor norueguês-americano Hendrik Christian Andersen e ainda no arquiteto francês Ernest Hébrard que tinham uma série de planos baseados nas belas-artes para um Centro de Comunicação Mundial (World Centre of Communication) iniciados na segunda década do século XX, por volta de 1913.

Outra figura colaborativa para o design do Mundaneum e a World City foi Le Corbusier. Que nos finais da segunda década, cerca de 1929, trabalha para a reinstalação destas Organizações, já não na Bélgica, mas em Genebra, na Suíça.

Os desenhos continham, então, a possibilidade de instalar um Museu e uma Universidade Mundiais, bem como uma grande Biblioteca e documentação de interesse para a humanidade.

No mesmo projeto Le Corbusier incluía gabinetes, escritórios, embaixadas, associações, um centro olímpico, áreas residenciais para os técnicos e investigadores e um parque de lazer.

Outros projetos: No início dos anos 1900, Otlet também trabalha com o físico e engenheiro belga Robert Goldschmidt.

O projeto assentava na realização de microfilmes de dados bibliográficos. Então, este trabalho era conhecido como "micro-fotografia", um processo que mais tarde vem a ser retomado por várias bibliotecas e arquivos de vários países, incluindo em Portugal, como é o caso da Biblioteca Nacional que antes e até depois da digitalização apostava nestes suportes de memória e de preservação de documentos.

«Estas experiências continuaram nos anos 1920 [… a fim de criarem] uma enciclopédia inteiramente em película, conhecida como a encyclopedia Microphotica Mundaneum»

Entre 1920 e 1930, Otlet ainda escreveu sobre os novos media - rádio e televisão como outras formas de transmitir informação. Em 1934 escreveu o "Traité de documentation" Neste livro previu que os media «transmitiriam sensações, sabores e cheiros».

Otlet e seus colaboradores acreditavam piamente na cooperação internacional, como forma de promover a difusão do conhecimento, que levaria à paz entre as nações.

Tudo parece indicar que a "Union of International Associations" (União das Associações Internacionais), que Otlet fundou em 1907 com o seu amigo Henri La Fontaine, levou ao desenvolvimento da Liga das Nações e do Instituto Internacional de Cooperação Intelectual, organizações mais tarde incorporadas na UNESCO.

Consta ainda que o desenvolvimento da «gigantesca e natural World City», teve como objetivo empregar mão-de-obra resultante da Grande Depressão de 1929 e anos seguintes.

No rescaldo da II Guerra Mundial, muitas contribuições para o campo da ciência e informação foram perdidas. Mas eis que surge uma:

“Redescoberta” na década de 1980, e especialmente após o advento da World Wide Web.
No início de 1990 surgem novos desenvolvimentos, com a utilização das tecnologias da informação e da globalização, anteriormente preconizadas por Otlet no chamado Mundaneum.
É assim que o livro "Traité de documentation" de 1934 é reimpresso em 1989.
 
«Em 1985, o académico belga André Canonne levantou a possibilidade de recriar o Mundaneum como um arquivo e museu dedicado à Otlet […] Finalmente conseguiu abrir [como uma certa réplica, ainda que mais contida do] Mundaneum, em Mons, na Bélgica, no ano de 1998.»

Não são alheios aos ideais dos proponentes e colaboradores do Mundaneum, o pensamento filosófico do positivismo, bem como uma época de inspiração e de vontades proporcionadas pela Belle Époque, período de Pré Grande Guerra.

Assim, «os manuscritos de Otlet têm sido reconhecidos como os precursores da atual World Wide Web».
Diga-se, de passagem que a ONU foi inspirada pelas Organizações mundiais precedentes: de Telecomunicações e de Correios (UIT e UPU), bem como teve a influência do projeto designado por Mundaneum determinado este pela biblioteconomia e museologia.- e inspirado pelos valores da cultura e da paz.


Outras Referências
  1. «THE UNIVERSE OF INFORMATION_livro rayward.pdf». Consultado em 24 de agosto de 2016 
Ligações externas