domingo, 2 de fevereiro de 2020

OS FUNDAMENTOS DA ONU OU OS PAIS QUE SE TORNARAM FILHOS


(Imagem gentileza da Fundação Portuguesa das Comunicações / Museu)


As primeiras Instituições mundiais ligadas às comunicações foram:
-- A UITUnião Internacional de Telecomunicações, na versão inicial de (International Telegraph Union  - União Internacional de Telégrafos), fundada em Paris, no dia  17.05.1865, organização internacional, de abrangência mundial mais antiga do mundo. Filiada na ONU, sendo esta de criação mais recente;  
-- A UPUUnião Postal Universal. Esta União nasce em 1878, posteriormente sedeada na ONU – Organização das Nações Unidas.
Obs.: Apesar da UIT e da UPU serem mais antigas e terem, em nossa opinião, inspirado a ONU, esta Organização de vocação mundial é hoje “mãe” da UIT e da UPU.

(Imagem gentileza da Fundação Portuguesa das Comunicações / Museu)
 
A organização e experiências da UIT e da UPU vieram trazer conhecimentos e vontades de replicarem ideias internacionais e mundiais nas esferas da cultura e da paz. É neste encalce que surge o Mundaneum (que em seguida descrevemos mais detalhadamente), bem como a ONU – Organização das Nações Unidas e a sua associada da área cultural – Unesco.
Paul Otlet foi um autor, empresário, visionário, advogado e ativista da paz; uma das pessoas consideradas «pais da ciência da informação, a que chamava "documentação"».
Otlet criou a Classificação Decimal Universal, escreveu ensaios, recolheu e organizou, peças; indexou e realizou fichas de assuntos e documentos para divulgar o mundo do conhecimento biblioteconómico e museológico. Escreveu, entre outras publicações, os seguintes livros:

1-                   Traité de documentation” (1934) e

2-                   2- “Monde: Essai d’universalisme” (1935).

Em 1907, na sequência de grande conferência internacional.- Henri La Fontaine (*) e Paul Otlet criaram o Escritório Central de Associações Internacionais. Designado “União das Associações Internacionais”, em 1910, localizado em Bruxelas.
(*) Henri La Fontaine ganhou o Prémio Nobel da Paz em 1913.

Estes precursores criaram o grande centro internacional - «Palais Mondial (World Palace)», mais tarde, intitulado «Mundaneum» para preservar coleções,  organismos e institutos da área cultural que vieram dar origem à UNESCO.

Paul Otlet formou-se na Universidade Católica e na Universidade Livre de Bruxelas. A carreira jurídica não o cativou. Começou a ter interesse pela bibliografia, daí que no seu primeiro trabalho publicado se tenha dedicado ao ensaio de “Algo sobre bibliografia” (Something about bibliography), datado de 1892.
Otlet alega que «os livros são uma forma inadequada de armazenar informações: porque a disposição dos fatos contidos dentro deles é uma decisão arbitrária por parte do autor, tornando cada facto difícil de ser localizado» .
Propôs, então, um «sistema de armazenamento, usando cartões contendo pequenos trechos com informação». Em 1891, conhece Henri La Fontaine, igualmente interessado na bibliografia e nas relações internacionais.
Estes dois precursores foram solicitados em 1892 pela Sociedade Belga de Ciências Sociais e Políticas para criarem bibliografias para diversas ciências sociais, trabalho que os terá particularmente motivado.

No ano de 1895 têm a sorte de conhecer a Classificação Decimal de Dewey.

Melvil Dewey era o norte-americano que havia iniciado um sistema decimal cerca de 18 anos antes da Classificação Decimal Universal de Otlet e La Fontaine que decidiram expandir o trabalho de Dewey, praticamente recriando uma nova classificação, após a autorização concedida pelo norte-americano. (cf. https://en.wikipedia.org/wiki/Dewey_Decimal_Classification ).

Otlet fundou o Institut International de Bibliographie (IIB), em 1895, organismo renominado “International Federation for Information and Documentation (FID)” “(Federação Internacional de Informação e Documentação)”.

A Classificação Decimal Universal nasce em termos públicos em 1904, quando Otlet e La Fontaine começam a sua divulgação.
Em 1907 já tinham o sistema relativamente desenvolvido mas de seguida começam os problemas inerentes à Grande Guerra. Por ironia do destino (imediatamente antes do início dos conflitos, em 1913) La Fontaine ganha o Prémio Nobel da Paz.

Todavia, Otlet e La Fontaine passam a maior parte do «tempo durante a Guerra a procurar a paz». Criam instituições que acreditam poder evitar futuras guerras. Em 1914, Otlet publica o livro, "La Fin de la Guerre" ("O Fim da Guerra").

Consta que Otlet tentou tudo para promover um documento «mundial dos direitos humanos e uma federação internacional de vontades para a paz».
Em 1910 surge o “Mundaneum onde Otlet e La Fontaine começam a "cidade do conhecimento", também designada por "Palais Mondial" ("World Palace", "Palácio Mundial"), a fim de reunirem documentos e informações de qualquer parte do mundo a que tivessem acesso.

«Em 1913, o rei do aço norte-americano,  Andrew Carnegie, visita Bruxelas e conhece o projeto de Paul Otlet. Fica encantado e faz doações para avanço do projeto.»

Em 1919, após o fim da Guerra convencem o governo da Bélgica a dar-lhes espaço e financiamento. Argumentam que o projeto ajudaria a instalar a sede da Liga das Nações. Conseguem terreno em área nobre de Bruxelas e desenvolvem a "Universal Bibliographic Repertory" mas o "Palais Mondial" foi pontualmente fechado em 1922, devido à falta de apoio do governo e do primeiro-ministro.

Contudo o "Palais Mondial" foi, pouco tempo após, reaberto. Otlet não parou de imaginar e de trabalhar. Lembrou-se de renomear o "Palais Mondial" com a designação de "Mundaneum", em 1924.

Mundaneum é assim como um mundo globalizado de documentação e informação, um protótipo ideal da Web (rede mundial), mas sem as redes informáticas, de tecnologias digitais que ainda teriam de ser inventadas.

Otlet e La Fontaine criam um sistema de fichas, tipo cartolina com as quais desenvolvem a "Universal Bibliographic Repertory”. Estas fichas assentam na indexação de assuntos baseados na Classificação Decimal Universal que servia para livros, arquivos, cartas, relatórios, artigos e outros géneros documentais, independentemente dos suportes da informação. Assim o Mundaneum chegou a conter mais de 100.000 unidades informativas de livros, e peças tipo arquivístico e museológico.
Mas em 1934, o governo belga volta a cortar o apoio a este projeto, levando ao fecho do Mundaneum. Otlet procurou por várias formas reativar o projeto, sem que o tivesse conseguido, com a devida eficácia.
As coleções ficaram sem a proteção diária, praticamente abandonadas e sujeitas aos perigos dos micro-organismos. A falta de arejamento e devida observação de conservação preventiva, continuaram; até que em 1940 a Alemanha invade a Bélgica. Ali se instalaram tropas, alegando em primeira instância «expor uma mostra de arte do Terceiro Reich alemão». Mas o que conseguem é destruir peças e coleções. Otlet e os colaboradores que ainda permaneciam foram obrigados a abandonar o local.
Ainda foram para um mísero edifício no Parque Leopold, onde reinstalaram parte do Mundaneum. Ali permaneceu até que foi novamente transferido, em 1972, já muito após a morte de Otlet que ocorreu em 1944.

Outros contributos: A “World City" ou "Cité Mondiale" .

Esta ideia da cidade de informação mundial foi, ao que tudo indica, uma visão de Paul Otlet e de La Fontaine. Uma cidade que seria como um repositório abrangente de informação e uma Exposição Universal, as quais reuniriam todas as principais instituições do mundo. A "World City" transmitiria conhecimentos para o resto do mundo e iria propor a cooperação universal.
Como se depreende a ONU foi, de certo modo, decalcada dos projetos destes visionários, desenvolvendo uma cidade internacional, também inspirada na publicação do escultor norueguês-americano Hendrik Christian Andersen e ainda no arquiteto francês Ernest Hébrard que tinham uma série de planos baseados nas belas-artes para um Centro de Comunicação Mundial (World Centre of Communication) iniciados na segunda década do século XX, por volta de 1913.

Outra figura colaborativa para o design do Mundaneum e a World City foi Le Corbusier. Que nos finais da segunda década, cerca de 1929, trabalha para a reinstalação destas Organizações, já não na Bélgica, mas em Genebra, na Suíça.

Os desenhos continham, então, a possibilidade de instalar um Museu e uma Universidade Mundiais, bem como uma grande Biblioteca e documentação de interesse para a humanidade.

No mesmo projeto Le Corbusier incluía gabinetes, escritórios, embaixadas, associações, um centro olímpico, áreas residenciais para os técnicos e investigadores e um parque de lazer.

Outros projetos: No início dos anos 1900, Otlet também trabalha com o físico e engenheiro belga Robert Goldschmidt.

O projeto assentava na realização de microfilmes de dados bibliográficos. Então, este trabalho era conhecido como "micro-fotografia", um processo que mais tarde vem a ser retomado por várias bibliotecas e arquivos de vários países, incluindo em Portugal, como é o caso da Biblioteca Nacional que antes e até depois da digitalização apostava nestes suportes de memória e de preservação de documentos.

«Estas experiências continuaram nos anos 1920 [… a fim de criarem] uma enciclopédia inteiramente em película, conhecida como a encyclopedia Microphotica Mundaneum»

Entre 1920 e 1930, Otlet ainda escreveu sobre os novos media - rádio e televisão como outras formas de transmitir informação. Em 1934 escreveu o "Traité de documentation" Neste livro previu que os media «transmitiriam sensações, sabores e cheiros».

Otlet e seus colaboradores acreditavam piamente na cooperação internacional, como forma de promover a difusão do conhecimento, que levaria à paz entre as nações.

Tudo parece indicar que a "Union of International Associations" (União das Associações Internacionais), que Otlet fundou em 1907 com o seu amigo Henri La Fontaine, levou ao desenvolvimento da Liga das Nações e do Instituto Internacional de Cooperação Intelectual, organizações mais tarde incorporadas na UNESCO.

Consta ainda que o desenvolvimento da «gigantesca e natural World City», teve como objetivo empregar mão-de-obra resultante da Grande Depressão de 1929 e anos seguintes.

No rescaldo da II Guerra Mundial, muitas contribuições para o campo da ciência e informação foram perdidas. Mas eis que surge uma:

“Redescoberta” na década de 1980, e especialmente após o advento da World Wide Web.
No início de 1990 surgem novos desenvolvimentos, com a utilização das tecnologias da informação e da globalização, anteriormente preconizadas por Otlet no chamado Mundaneum.
É assim que o livro "Traité de documentation" de 1934 é reimpresso em 1989.
 
«Em 1985, o académico belga André Canonne levantou a possibilidade de recriar o Mundaneum como um arquivo e museu dedicado à Otlet […] Finalmente conseguiu abrir [como uma certa réplica, ainda que mais contida do] Mundaneum, em Mons, na Bélgica, no ano de 1998.»

Não são alheios aos ideais dos proponentes e colaboradores do Mundaneum, o pensamento filosófico do positivismo, bem como uma época de inspiração e de vontades proporcionadas pela Belle Époque, período de Pré Grande Guerra.

Assim, «os manuscritos de Otlet têm sido reconhecidos como os precursores da atual World Wide Web».
Diga-se, de passagem que a ONU foi inspirada pelas Organizações mundiais precedentes: de Telecomunicações e de Correios (UIT e UPU), bem como teve a influência do projeto designado por Mundaneum determinado este pela biblioteconomia e museologia.- e inspirado pelos valores da cultura e da paz.


Outras Referências
  1. «THE UNIVERSE OF INFORMATION_livro rayward.pdf». Consultado em 24 de agosto de 2016 
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