sexta-feira, 3 de junho de 2016

75. UM VELHO NOVO MUSEU DOS HIPOMÓVEIS. UMA JOIA DE PORTUGAL


O Museu dos Coches em Belém data de 1905. Na altura designado Museu dos Coches Reaes por acção da rainha D. Amélia d`Orleães e Bragança, mulher do rei D. Carlos. Instalado no ex picadeiro real, junto à actual Presidência da República, para preservar e expor a maior colecção de hipomóveis.
 
(001 Antigo Museu Nacional dos Coches)
Com a implantação da República Portuguesa, o museu acolhe outros patrimónios: reais, senhoriais e da igreja, de modo a tornar-se no maior e, segundo a crítica, no melhor património do género à escala mundial. A relevância da colecção faz com que o museu ganhe a classificação de nacional.
 
(002 Novo Museu Nacional dos Coches, em construção)
A falta de espaço deste importante equipamento, dos mais solicitados, vem desde a origem. Em 2016 solucionou-se o problema, permitindo uma melhor preservação e exposição do espólio, com vista a servir os visitantes, especialmente os turistas, que sabem encontrar neste equipamento uma referência de excelência.
 
(003 Novo Museu Nacional dos Coches, em construção)
A colecção é constituída por coches (1); pequenas viaturas para transporte de bebés e crianças; viaturas de aparato para influenciar pessoas e instituições; viaturas de transporte processional; berlindas (2), acessórios; fardamentos da época, geralmente relacionados com a cavalaria e; objectos artísticos de pinacoteca, entre outras peças.
 
(004 Novo Museu Nacional dos Coches, em construção)
Dada a procura do museu e a crónica falta de espaço; em 1994 surge a oportunidade da Secretaria de Estado da Cultura adquirir as extintas Oficinas Gerais de Exército quase em frente do tradicional museu. Actualmente o Museu dos Coches passa a contar com as novas instalações, acrescendo uma área bruta de construção de aproximadamente 12.000 metros quadrados e 7.500 de área de estacionamento.
 
(005, 006 Novo Museu Nacional dos Coches, em construção)



Destaco aqui apenas algumas peças, entre elas, a mais antiga, referente ao coche do rei Filipe II, datada do século XVI; o “coche de mesa”, também conhecido por “coche da troca das princesas”; a “carruagem da coroa”; o “landau do regicídio”, ainda com marcas referentes ao atentado e; no final do percurso expositivo, encontram-se as malas-postas, destacando-se a carruagem “CORREIO / nº 7”, propriedade do Património Museológico Postal dos CTT, a cargo da Fundação Portuguesa das Comunicações.
 

(007 Coche de transporte e aparato)
 &
Dada a minha relação pessoal com o mundo dos patrimónios de comunicações e transportes, destaco, neste artigo, as carruagens malas-postas hipomóveis, presumo que temporariamente expostas no novo Museus Nacional dos Coches, junto ao Jardim Afonso de Albuquerque e Presidência da República, no eixo Ajuda-Belém.
O primeiro transporte público de carreira em Portugal começa em 1798. Criado a partir de um Alvará intitulado “Instrução para o Estabelecimento das Diligências entre Lisboa e Coimbra” e mais tarde, a partir de meados do século XIX é alargado o sistema até ao Porto e outras localidades. Estas carreiras chamam-se malas-postas, sendo que “mala” se relaciona com caixa, saco ou outros receptáculos transportadores de objectos e o termo “posta” vem de postal, actividade de recolha, processamento, transporte e entrega de correio e encomendas. Por extensão o termo mala-posta passa a designar as diligências de correio e passageiros.
 

(008 Carreira Lisboa-Porto 1859-1864 Ed. postais Museu dos CTT)
O percurso das carruagens de mala-posta fazia-se três vezes por semana entre Lisboa e Coimbra, estendendo-se numa fase posterior até ao Porto e outras localidades. O horário estabelecido era cumprido com rigor.
Como o serviço era de utilidade pública e gozava da protecção real e dos governos, foi decidido alargar este transporte a passageiros, estudantes e homens de negócios que precisavam de se deslocar nos percursos coincidentes com a mala-posta. Porém, mesmo aliando o transporte de correio ao de passageiros, a actividade pública, hipomóvel de mala-posta, mostrou-se muito dispendiosa e veio a ser cancelada ao fim de meia dúzia de anos; retomada já em época da regeneração, em 1859 e encerrada em 1864 devido à nova revolução dos caminhos-de-ferro com tracção a máquinas de vapor.
 

(009 Fases do Percurso: Jornada, Ceia, Muda, Pernoita. Lisboa-Coimbra-Porto, 1798-1864. Pintura a óleo de José Pedro Roque. Ed. Postais Museu dos CTT)
A carreira hipomóvel, entre o Carregado(3) e Alto da Bandeira(4), com várias estações intermédias, implicava oito cavalos em trânsito (quatro em cada diligência) e vários outros em descanso para substituir os equídeos cansados.




(010 Estação-de-Muda, carruagem e marco. “Pintura a óleo executada para a [grande] Exposição de Obras Públicas, Lisboa, 1948”. Ed. Postais Museu dos CTT)

Nesta actividade da mala-posta e outros hipomóveis transportadores de correio e passageiros, revê-se todo um mundo pitoresco, carregado de histórias, entre elas, as histórias dos salteadores “amigos do alheio” ou mesmo por questões políticas. São os assaltos com um certo romantismo. Histórias estas que se cruzam com as vidas dos célebres José do Telhado, o Remexido e outros salteadores da época da implantação do regime liberal.
 
(011  Mala-Posta: Estação-de-Muda de Casal dos Carreiros, 1856. Miniatura de Raul de Campos, 1954. Ed. Postais Museu dos CTT)
A segunda fase da introdução da mala-posta em Portugal parecia adaptada para se prolongar no tempo, com a evolução da organização, vias de comunicação e carruagens mais resistentes e adaptadas ao tráfego postal e de passageiros, porém isso não aconteceu devido à introdução quase simultânea do caminho de ferro.
(012 Cenário in Pavilhão da Mala-Posta. Fundação Portuguesa das Comunicações / Museu. FT AA, 2016)
A princípio, até os escritores gozavam com os comboios, não acreditando neles, porque eram ainda muito lentos e porque não tinham a "alma" e o sangue dos cavalos. Aquela tecnologia de ferro, carvão, fogo e vapor parecia uma coisa diabólica e pouco eficaz.
Passados os primeiros meses, o comboio passa paulatinamente a ganhar a credibilidade dos públicos e a ser encarado a sério. Em 1864 com a chegada do comboio à cidade Invicta, a mala-posta é substituida pelo comboio na linha Lisboa-Porto. Ainda ficou activa a mala-posta entre Porto-Braga-Guimarães até inícios dos anos 70 (séx. XIX) e diligências hipomóveis, propriedade de particulares, em várias outras localidades do país até serem gradualmente substituídas pelos transportes motorizados de passageiros, encomendas e correio.
As mala-postas englobavam edifícios, carruagens e um corpo de oficiais, assistentes e colaboradores locais, tais como: Um Conselheiro, um Superintendente Geral do Correio e Postas, os Postilhões, os Cocheiros, os Sotas, e outros colaboradores.
 
(013 Mala-Posta: “Paragem na estrada, séc. XIX, aguarela de Mário Costa, cerca de 1945”. Ed. Postais Museu dos CTT)
Para lá do interesse da mala-posta, inserida no Museu dos Coches, a mesma mala-posta deverá despertar a atenção histórica dos transportes públicos, especialmente os de carreira.
O percurso das malas-postas fazia-se três vezes por semana entre Lisboa e Coimbra, estendendo-se numa fase posterior até ao Porto e outras localidades. Tinham horário estabelecido e era cumprido com rigor. Como o serviço era de utilidade pública e gozava da protecção real e dos governos foi decidido, tendo em vista a economia de meios, alargar este transporte a passageiros, estudantes ou homens de negócios.
(014 Marco da Mala Posta no percurso de Lisboa-Coimbra-Porto, encimado com relógio de sol e inscrição das distâncias em léguas. Exemplar preservado na Fundação Portuguesa das Comunicações / Museu)
A substituição dos cavalos fazia-se em edifícios, chamados estações-de-muda construídas à beira das novas ou renovadas estradas. Os edifícios das estações-de-muda obedeciam ao conceito de arquitectura funcional das antigas estações da mala-posta do Império Romano. Além da muda, isto é, troca dos cavalos as estações-de-muda serviam para o intercâmbio de malas de correio. As mais centrais serviam refeições aos passageiros e nelas pernoitavam para na manhã seguinte prossegurem a viagem.
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Notas:
(1)Carruagens de tração animal para transporte de pessoas e carga, entre ela o correio.
(2)Pequenos coches, de cabina, suspensa entre varais.
(3)De Lisboa ao Carregado, o percurso era feito em barco, pelo Tejo.
(4)Do Alto da Bandeira-Gaia ao Porto, o percurso era feito por barco, pelo Douro.
 
Tags: Museu dos Coches, Transportes, Carruagens-hipomóveis, Mala-Posta
 
Fontes:
-ANCIÃES, Alfredo Ramos - Museu CTT das Comunicações. Subsídios para Uma Abordagem Sistémica. Lisboa: Museu CTT das Comunicações; Instituto Superior de Matemáticas e Gestão, 1993, policopiado ; - O Museu dos CTT. Lisboa: Museu dos CTT; Univ. Nova de Lisboa, 1989, policopiado; - Para-Guião Exposição Permanente Vencer a Distância. Cinco Séculos de Comunicações em Portugal. Lisboa: FPC - Património Museológico de Telecomunicações, 2005.
-BARROS, Guilhermino Augusto de; Direcção Geral dos Correios – Relatório Postal do Anno economico de 1877-1878 precedido de uma memoria historica relativa aos correios portuguezes desde o tempo de D. Manuel até aos nossos dias. Lisboa: Lallemant Frères, Typ. Fornecedores da Casa de Bragança, 1879 ; Memória Histórica Acerca da Telegrafia Eléctrica em Portugal, 2ª ed., ampliada com notas, gravuras e retratos coligidos por Godofredo Ferreira, Lisboa, 1944 ; - Relatório do Ano Económico de 1877-1878, Procedido de uma Memória Relativa aos Correios Portugueses desde o Tempo de D. Manuel até aos Nossos Dias, Lisboa, AH  FPC. ;  - Relatório do Director Geral dos Correios, Telegraphos, Pharoes e Semaphoros relativo ao anno de 1889 precedido pela continuação da História dos Correios até ao fim de 1888 e de uma memoria historica acerca da telegrafia visual, electrica, terrestre, maritima, telephonica e semaphorica, desde o seu estabelecimento em Portugal. Lisboa: Imprensa Nacional, 1891.- reeditado, composto e impresso por: G7 – Artes Gráficas, Ldª. Lisboa, 1992.
-CTT - O Museu dos CTT Português. Lisboa: Ed. dos Serviços Culturais dos CTT, 1973
-FERREIRA, Godofredo  A Mala Posta em Portugal, 2ª ed., Estudos Gráfico, Ldª, 1959 ; Coisas e Loisas do Correio, AH FPC, Lisboa, 1955; - Coisas e Loisas do Correio. Ligeiros Apontamentos Coligidos por Godofredo Ferreira. Lisboa: CTT, 1955
-SOUSA, Raphael Augusto de - A vida de José do Telhado. - 2ª ed. - Porto : [s.n.], 1874 (disponível na Biblioteca Nacional
Em linha:
-ANCIÃES, Alfredo Ramos. - O Primeiro Transporte Público e a Mala-Posta em Portugal. Lisboa: Sol, 18 June 08 10:31 PM. Obs.: Por indisponibilidade dos blogs SOL em 2016 …, este post encontra-se parcialmente reproduzido em http://portugalmemoria.blogspot.pt/2015/09/o-primeiro-transporte-publico-e-mala.html?q=O+Primeiro+Transporte+Público+e+a+Mala-Posta+em+Portugal
- GARROCHIMBO, António – Zé do Telhado e Remexido – Robins dos Bosques à Portuguesa !? - http://desenvolturasedesacatos.blogspot.pt/2014/05/ze-do-telhado-e-remexido-robins-dos.html
-Museu Nacional dos Coches; AMARAL, Hugo; COELHO, Sara Otto et al. - http://observador.pt/especiais/longa-viagem-dos-coches-ate-ao-novo-museu/ ;
Wiki, et. al. – José do Telhado - https://pt.wikipedia.org/wiki/Z%C3%A9_do_Telhado
Wiki, Museu Nacional dos Coches et. al. - https://pt.wikipedia.org/wiki/Museu_Nacional_dos_Coches
Imagens:
-Arq. Fundação Portuguesa Comunicações: Fts. 008 a 011 e 013
 
-Arq. Pess. AA: 001 a 007; 012 e 014


1 comentário:

  1. Os meus sinceros parabéns ao Sr. Alfredo Anciaes pelo magnífico artigo publicado acerca do Museu Nacional dos Coches e em particular sobre as carruagens da Mala-posta.José Cardoso Brito.

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