quinta-feira, 30 de junho de 2016

68. SANTOS-O-VELHO

Nos séculos III/IV d. C., Lisboa era habitada por uma comunidade romana, tendo aqui deixado as suas marcas. Trato aqui de Santos-o-Velho e dosirmãos Máxima, Júlia e Veríssimo, ao tempo de Diocleciano (284-305 Imperador) e de marcas associadas que se sucederam.
Porém, convém fazer um intermezo acerca de Diocleciano e do contexto de perseguição aos cristãos, sem o que, a denominação e história local de Santos, incluindo a igreja e o palácio (hoje embaixada de França), não existiriam como tal.
Diocleciano nasceu numa família de poucos recursos na Dalmácia, província romana. Ascendeu a Imperador por ter mostrado valentia como guerreiro. Foi um estratega e soube partilhar o poder com Maximiliano, Galério e Constâncio, tendo dado origem a uma tetrarquia (dois augustos e dois césares) contribuindo para a futura divisão do Império do Oriente e do Ocidente.
Formou-se assim um comando com territórios próprios atribuídos a cada césar e a cada augusto. Contudo o sucesso de manutenção do Império foi-se esbatendo. Com a falta de dinheiro, o Imperador aplica mais impostos aos agricultores e proibiu-os de abandonar as terras, o que constituiu uma amarração às terras, fazendo dos proprietários, arrendatários e agricultores gente parecida a servos da gleba. A cidadania e liberdade que ainda existiam começavam a ser cerceadas.
Diocleciano perseguiu os maniqueístas do próximo e medio oriente e também os cristãos. Mas a resistência e resiliência de muitos mártires do cristianismo não tardariam a dar frutos. Em 313 o Imperador Constantino publica o Edito de Milão, pelo qual tolera o cristianismo e o reconhece como religião do Império. “Decretamos, portanto, que, não obstante a existência de anteriores instruções relativas aos cristãos, os que optarem pela religião de Cristo sejam autorizados a abraçá-la sem estorvo ou empecilho, e que ninguém absolutamente os impeça ou moleste [...]” (Édito de Milão, 313). (cf. Imperador Romano …, ob cit.)
(Imagem dos três santos mártires)

Voltando aos irmãos Máxima, Júlia e Veríssimo, estes terão sido martirizados e os seus corpos encontrados na praia local. Trazidos para terra foram sepultados na zona envolvente. Passada a época de perseguição, já no tempo das comunidades visigóticas, convertidas ao cristianismo, foi-lhes dedicada uma capela para o culto dos santos mártires. Da capela primitiva não se conhece nada; contudo, os restos mortais foram sucessivamente venerados.

Consta que esses restos mortais estão na capela da Igreja de Santos-o-Velho construída em memória dos mesmos mártires. As habitantes do convento de Santos, guardaram as relíquias. Por seu turno, a zona ganhou o nome de Santos, acrescentando-se-lhe «-o-Velho» com a saída das religiosas, chamadas Comendadeiras, para a zona oriental de Lisboa. A partir destas deslocações os conventos, embora em locais distintos, passam a chamar-se – Santos-o-Velho e Santos Santos-o-Novo.

No que concerne à igreja, antes da atual, existiu um outro templo, que seria tardo-romano do século IV dedicado aos santos mártires. Passado o tempo das comunidades visigóticas e dos mouros o templo estaria destruído, decadente ou desadequado. É, pois, com a reconquista que se faz edificar um novo templo, em 1147, com a chegada de D. Afonso Henriques e as suas tropas.

Chegados ao século XVII, novamente a igreja fica obsoleta e é intervencionada obedecendo ao plano do arq. João Antunes que lhe desenha as torres sineiras, a fachada principal e o púlpito. O terramoto de 1755 provocou-lhe novos danos e foi preciso intervir, possibilitando-lhe a imagem atual. No frontispício figuram as imagens escultóricas dos três santos.

(Igreja do ex-convento de Santos, ou Santos-o-Velho. Na facha sob o portão estão esculpidas as três imagens dos santos mártires (em baixo a foto de pormenor)

Passada a porta principal, entramos na galilé e é aqui, no lado direito, que se encontra uma capela, dedicada aos santos.  

Avançando no corpo da igreja, antes da capela-mor, lado direito, encontramos a sepultura de D. Ioseph Luis de Lancastro (1), conde de Figueiró e a condessa D. Phippa de Vilhena, sua esposa. Estes foram proprietários na zona, inclusivamente do palácio de Santos, atual embaixada de França de onde se podem abordar importantes capítulos da História de Portugal, o que ficará para próximo post.
    
Brasão e legenda onde está sepultado D. Joseph Luis de Lancastro, conde de Figueiró e sua esposa

«EN ESTA CAPELLA SE MANDA/RAÕ ENTERRAR D. IOSEPH/LUIS DE LANCASTRO CONDE DE/FIGUEYRO E A CONDEÇA D. PHI/LIPPA SUA MOLHER/PELA SINGULAR DEVOÇAÕ QUE/SEMPRE TIVERAÕ A ESTA SAN/CTA IMAGEM DA VIRGEM N. S.» 

Nota:
(1) Para podermos avaliar a forma como no século XVIII (mais concretamente a partir de 1759) esta família se colapsou, veja-se o processo dos Távoras/Duques de Aveiro ou Lancastres no link infra, entrada com o título: Duque de Aveiro.

Tags: romanidade, reconquista, independência, hagiografia; nobreza/realeza, clero/religiosos, arte, urbanismo.

Fontes:
--Anciães, Alfredo Ramos - Visita a Santos-o-Velho e envolvência (Imagens e texto, post 1º) 
Em linha –
--Câmara Municipal de Lisboa, et al. – Igreja de Santos-o-Velho in http://www.cm-lisboa.pt/equipamentos/equipamento/info/igreja-de-santos-o-velho
--Evangelho Quotidiano, et al. - Santos Mártires de Lisboa inhttp://evangelhoquotidiano.org/main.php?language=PT&module=saintfeast&id=11618&fd=0
--Moisão, Cristina - Santos-o-Velho - Período Romano: Histórias e lendas inhttp://lisboaantiga.blogspot.pt/2012/11/santos-o-velho-periodo-romano-historias.html
--Wiki et al. - Imperador Romano Diocleciano - https://pt.wikipedia.org/wiki/Diocleciano; Édito de Milão - https://pt.wikipedia.org/wiki/%C3%89dito_de_Mil%C3%A3o
--Wiki et al. - Duque de Aveiro in  https://pt.wikipedia.org/wiki/Duque_de_Aveiro  
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