quinta-feira, 30 de junho de 2016

65. ALÃO QUER: UMA VILA UM RIO UM PATRIMÓNIO


         O autocarro estaciona na baixa, junto ao Rio que tem o mesmo nome e que inicia o seu curso na Serra Alta desaguando no Tejo, cerca de Vila Nova da Rainha.
       A referência ao Rio Alenquer não será despicienda, trata-se de um recurso importante para a localidade, onde os franciscanos cedo se instalam possibilitando o desenvolvimento populacional, religioso, assistencial e económico.
       Antes da construção das variantes e da autoestrada, paralelas à Nacional 1, passava frequentemente por Alenquer. Contudo as rotinas e as correrias da vida, não me proporcionaram as benfeitorias desta Terra; incluindo o agradável passeio junto ao Rio, e colina acima, até à Câmara Municipal, Judiaria, Casa da Sãozinha, ex. Convento de São Francisco e a Igreja de São Pedro, onde repousam os restos mortais do humanista Damião de Góis. 
Rio e Vila Presépio
 
       Consta que a fundação da Albergaria foi patrocinada por D. Sancha (1180, Coimbra + Mosteiro de Celas - Coimbra, 1229) filha do rei D. Sancho I e senhora de Alenquer. Deste modo a atribuição da fundação à Rainha Santa Isabel de Aragão, esposa de D. Dinis, cerca do ano 1320, parece não ser original. Contudo, sabe-se que a Rainha Santa protegeu e patrocinou a Albergaria, a Igreja, os Franciscanos e a religiosidade ligada ao Espírito Santo, tão do agrado popular. Esta religiosidade expandiu-se, numa primeira fase, para o território continental português; depois para as ilhas adjacentes, Brasil e várias partes do mundo através da diáspora lusa.
       Antes do Concílio de Trento, as festas do Espírito Santo constituíam ummodus vivendi social relacionado com a assistência a quem precisava. Foram célebres os Bodos e as Folias, as coroações reais de crianças, porque acreditavam que os seres mais puros e inocentes podiam ser eleitos reis num reino onde não existiria miséria nem discriminação.
       Tudo parece indicar que Santa Isabel acreditava nesta possibilidade. Recebeu e apoiou os franciscanos adeptos das teorias do frei Joaquim de Fioricom vista à instauração dum reino da terceira idade, já não só do Pai, nem do Filho.
       A Idade do Espírito Santo seria especialmente difundida pelo mundo lusófono, mormente o açoriano de que se destaca Natália Correia; António Vieira, luso-brasileiro; Bandarra e Agostinho da Silva.
       As confrarias do Espirito Santo no Brasil chegam ao ponto de desafiarem e desfilarem em folias, em direção às prisões, pagando e exigindo a liberdade dos prisioneiros. Esta interpretação de um mundo solidário, quiçá igualitário, levado à letra, teve um dos seus primeiros focos de acolhimento e difusão em Alenquer. Contudo, os poderes: real, senhorial e do clero acharam que a expressão de tal religiosidade poderia tornar-se perigosa para a ordem pública com ações que levariam a um desmoronamento das tradicionais Instituições. O culto do Espírito Santo foi, pois, refreado e, em certos casos, interdito.
 
 Albergaria e Igreja do Espírito Santo

altar-mor desprovido de imagens como conviria à exaltação da espiritualidade; originalmente não teria as imagens laterais, nem mesmo a da rainha santa Isabel que se encontra à esquerda 
pomba representativa do Espírito Santo
 
       A Torre da Couraça ou torre de menagem para vigia e comunicação é uma construção/baluarte atribuída aos mouros; além de baluarte terá servido para assegurar o abastecimento de água ao castelo e à população através duma nascente e cisterna no interior. Não foi inexpugnável. Acabou por ser conquistada, bem como o castelo adjacente, pelas tropas comandadas por D. Afonso Henriques em 1148. 
Torre da Couraça
 
Castelo
 
       A vila de Alenquer situada relativamente perto de Lisboa pode considerar-se uma extensão da zona saloia; desde cedo ligada à exploração agrícola e vinícola onde a religiosidade e a fé se manifestam em igrejas, no convento e na casa da Sãozinha, uma alenquerense com o processo de beatificação a decorrer em Roma.
Sãozinha (Maria da Conceição Ferrão Pimentel) está sepultada no cemitério da vila, em destacada capela, junto ao ex. convento dos franciscanos. Também na freguesia da Abrigada, do mesmo concelho de Alenquer, conta com um Instituto de Beneficência reconhecido pelo Cardeal Patriarca de Lisboa.
 
retrato da Sãozinha na Casa da vila de Alenquer
 
       Interpretando uma das lendas de Alenquer.
       D. Afonso Henriques ao sentir dificuldade em conquistar a vila, resolve seguir a intuição. Observa o comportamento de um cão que, em vez de ladrar ao aproximarem-se as tropas, vem entregar-lhe as chaves do castelo. O rei terá interpretado: “alão” “quer” que o castelo e a vila sejam conquistados para os cristãos. Daí, investe com garra, força e fé. A localidade, após conquistada, passa a ser designada por Alão Quer e, com o tempo, evolui para Alenquer.   
sepultura do Humanista Damião de Góis
 
medalhão do navegador Pero de Alenquer na C.M.A.
 
       Outra lenda do nome de Alenquer foi divulgada pelo conterrâneo Damião de Góis. Este historiador e humanista do Renascimento português conta que o nome da vila vem do germânico e que deriva de Alan-Kerk ou Alano-Kerk e que significará terra ou castelo dos Alanos, povo bárbaro que viveu nestas paragens. Porém, se esta versão parece mais consequente com a realidade, o facto é que a heráldica: brasão e  bandeira contêm em destaque no escudo, o castelo e o cão “alão”.
o brasão, o cão alão e as rosas em alcatifa na C.M.A.
 
       Uma outra versão da lenda das rosas, também está representada no brasão de Alenquer. Trata-se do conjunto de 14 rosas que envolvem o castelo e o cão alão. Consta que a Rainha Santa Isabel ao visitar as obras da Igreja do Espirito Santo ofereceu uma rosa a cada trabalhador. Estes guardaram a recordação real até ao fim da jornada; após o que, tomaram os presentes e verificaram que os mesmos se haviam transformado em ouro.
 
Luiz Vaz de Camões no Museu João Mário da vila
 
       Estas marcas imateriais e as tangíveis, incluindo os Museus locais, nomeadamente do Vinho e João Mário; as imagens e as referências a Luís Vaz de Camões, Pero de Alenquer e Damião de Góis, como naturais de Alenquer, enriquecem sobremaneira a vila presépio. É, pois, uma oportunidade para visitar e conhecer in loco as passagens reais e lendárias desta localidade e da História de Portugal.
miradouro e colina presépio
provas, junto ao Museu do Vinho
 
Tags: Alenquer, Damião de Góis, Espírito Santo, História de Portugal, História local, Luís Vaz de Camões, Museologia Social, Pero de Alenquer
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Fontes:
Anciães, Alfredo Ramos – Alma e Luz de Carnide. “O Culto de Nossa Senhora da Luz. … e a Relação com o Espírito Santo”. Lisboa: Apenas Livros, 2013 ;
Em linha, acedidos em 29.2.2016 -
-Versão do milagre das rosas de Santa Isabel em Alenquer -  http://www.cm-alenquer.pt/CustomPages/ShowPage.aspx?pageid=5ea1827b-d0bc-4c35-a97e-2e3ae2027237

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