sábado, 3 de setembro de 2016

92. MUSEU EM ACÇÃO

O Novo Museu é um Museu Integral

Nota prévia:

Apresenta-se neste pequeno esboço o que é um Novo Museu com uma concepção democrática, participada e integral. Esta Organização teve início à volta dos anos 70 do século XX. Antes desses tempos já havia museus novos. Como hoje há museus com arquitectura e “bilhete de identidade” novos; contudo não são Novos Museus. Atente-se que o adjectivo Novo, no caso do museu democrático e participado pelas populações aparece antes do susbstantivo Museu; ao passo que: o museu novo pode ser tradicional ou mesmo velho; ou porque é restrito nos acessos, nas participações e fruições, ou porque tem um problema comunicacional.


Definições e acções do novo museu

O Novo Museu é uma organização duradoura com um conjunto de recursos e patrimónios de interesse comunitário; que actua num território e numa comunidade envolvente e participativa. É uma instituição que inspira e vela pelo Bem Comum para que todos sejam mais: fruidores, conhecedores, actores e cogestores. Guarda, propõe a salvaguarda legislativa, preserva, valoriza e prossegue ideais de “fratrimónios” (o bem do “aqui e agora” (a). Organiza, projecta, produz e expõe. Tem em conta que os processos são: uma forma sublime de produção e de economia social; de documentação e comunicação, virados para a fruição da população, públicos e memórias futuras.

………………..

(a)Curta definição de fratrimónio: «uma herança que se constrói e se partilha aqui e agora». Chagas, in “tomada de posse de novos corpos sociais do MINOM. Rio de Janeiro, 10.8.2016”


De notar que repeti o termo comunicação e sublinhei os termos população participativa porque sem estes recursos não há Novo Museu. Este Novo Museu pode até ter poucas peças em sede (no sentido de ajuntamento ou colecção tradicional) ou não ter mesmo estas peças (embora seja preferível contar com um bom acervo e em bom estado e que esse acervo não seja um encargo demasiado para a comunidade). Mesmo com poucas peças podemos estar perante um Novo Museu que cumpre os requisitos de defesa das populações, dos patrimónios e fratrimónios; que comunica, formal e informalmente, com permanência ou com muita regularidade, os processos, as mensagens e, também, a comunicação dos afetos fratrimoniais (b).

…………….

(b)Com este semi neologismo - afetos fratrimoniais – expressão baseada na raiz de frater/irmão, destaco a afinidade/proximidade de laços entre a população e/ou participantes do Novo Museu.


Este Novo Museu tem ou pode ter públicos, além da comunidade participante?


Pode e é desejável que os tenha. Mais uma vez destaco o valor da comunicação: formal e informal, consubstanciada nos planos e estratégias do marketing social e das relações públicas para chamar e acender a chama entre os participantes e os públicos.


7(sete) pontos para o desenvolvimento do Novo Museu

Postos estes requisitos, apresento um conjunto de sete pontos que o Novo Museu prosseguirá com maior ou menor relevância, conforme a vocação específica das populações e dos patrimónios que tem à sua guarda:


1-Na vertente da História ou do património imaterial, também dito não-tangível ou intangível. Pode, por exemplo, processar e preservar informação e documentação de feitos relevantes realizados no território da comunidade ou no exterior. Processa e preserva referências, relativas ao folclor, bandas, grupos, língua(s), pronúncia(s). dialecto(s); o que remete, para os patrimónios tangíveis: peças etnográficas, peças soltas ou móveis, edifícios, vias de comunicação, estruturas económicas, que poderão constituir um património e colecções materiais.


2-Na vertente da estória: Oral ou escrita, um mero conto, uma imaginação e uma criação descritiva que tenha a ver com uma ou mais pessoas. No entanto há alguns autores que recomendam apenas o uso do termo História e não estória. É o caso de Maria Celeste Ramilo do ISCTE-IUL que apresenta: O Aurélio - Novo Dicionário da Língua Portuguesa: «[…] Recomenda-se apenas a grafia história, tanto no sentido de ciência histórica, quanto no de narrativa de ficção, conto popular, e demais acepções». Também o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa, só indica o termo História; Contudo no Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, já aparece a palavra estória como uma «narrativa de cunho popular e tradicional» remetendo a percepção para o «inglês "story"» com o significado de «narrativa em prosa ou verso, fictícia ou não, com o propósito de divertir e/ou instruir o ouvinte ou o leitor […] Talvez por decalque do inglês […] a palavra estória seja utilizada como sinónimo de narração curta, pequena historieta de entretenimento». A estória pode, também ganhar o valor de fratrimónio e este, por sua vez, pode projectar-se/tornar-se em património. Na descrição estórica, também estamos no domínio do património imaterial, o qual pode remeter-nos para patrimónios materiais. A estória pode interessar ao museu como processo de animação, informação, educação, entretenimento, educação e comunicação entre a comunidade e públicos.


3-Na vertente da população (a nossa gente, porque se presume irmanada no valor fratrimonial)


A população faz parte do novo museu, inclusivamente para uma gestão participada. Longe dos tempos em que as próprias pessoas eram expostas como objectos. Exemplo: no século XIX e na primeira metade do século XX chegaram-se a expor pessoas, a par com peças da vida material e etnográfica (exemplo: a “Exposição do Mundo Português”, 1940). Hoje, nem no modelo tradicional, nem no novo museu, faz sentido falar em exposição de pessoas. Contudo apresentam-se as pessoas e grupos e expõem-se os testemunhos materiais. Um rancho folclórico apresenta-se geralmente com os testemunhos materiais nos trajes, adornos, peças de trabalho e produtos do seu labor. A dança é um património imaterial, bem como os discursos comunicacionais ao apresentarem ou representarem ao vivo os seus testemunhos.


4-Marcas/vestígios identitários e representativos de uma população/território(c) com os seus eventos e organizações: grupos, bandas, teatro, escolas, empresas, igrejas; elementos de arte e arquitectura(d); marcos rodoviários, sinaléticas e topónimos antigos; logótipos/brasões; território/freguesia; avenidas, ruas, pracetas, bairros; Unidade de Saúde Familiar Mactamã, seu logótipo e respectiva relação com a freguesia; claraboias, mães d` água; linhas d` água/ribeiras; marcos com ou sem legendas (desde que testemunhem informação relevante; estações: ferro e rodoviárias; estações e objectos arqueológicos; fontes, chafarizes, minas, bicas, poços com história e/ou de interesse comunitário, edifícios comunitários e outros com memória; monumentos, parques, jardins, estufa, horto, hortas, ruas, calçadas, signos/sinais nos espaços públicos e nas fachadas de edifícios, árvores, aves, animais; jardins e sítios relevantes (onde nos divertimos, inspiramos, refrescamos, comunicamos), equipamentos desportivos...

………………………….

(c)Neste caso aplico aqui o ponto 4 a um território concreto, o da União das Freguesias de Massamá e Monte Abraão, e sua envolvência, com quem teve e/ou tem relações de proximidade.

(d)Arte e arquitectura foram como que “dois gémeos siameses”, contudo diferenciados. Cf. http://portalarquitetonico.com.br/arquitetura-e-arte-da-historia-a-problematica-contemporanea/ [acedido em 01.09.2016].


5-Peças: de vestuário, de adereço, de utilidades várias, de colecção, ou únicas, desde que testemunhem vivências, formas didáticas e culturais.


6-Ideias relevantes, estudos e monografias de interesse para a comunidade sob o ponto de vista económico, conforto, conhecimento e cultura.


7-Processos da concepção à realização - exemplo: como se faz um objecto, como se produz, cria, ensaia um grupo folclórico, canto coral, banda de música, grupo teatral, museu e outros; como se criam e desenvolvem formas de vida: fauna e flora, incluindo espécies migratórias, espécies urbanas e campestres, sendo que os processos são, de hoje em dia, cada vez mais valorizados, muselizados e comunicados, especialmente nos novos museus.


Posta a definição e acção sumária do Novo Museu, deixo ainda a interessante e sintética definição do ICOM – International Council of Museums, «O museu é uma instituição permanente sem fins lucrativos, ao serviço da sociedade e do seu desenvolvimento, aberta ao público, que adquire, conserva, investiga, comunica e expõe o património material e imaterial da humanidade e do seu meio envolvente com fins de educação, estudo e deleite


Em conclusão, o Novo Museu adquire e processa patrimónios e fratrimónios (materiais e imateriais), preserva, conserva, expõe e comunica com permanência. Prossegue ideais de vocação integral. Não exclui, ajuda nas oportunidades; respeita opções pessoais de cultura e de fé, raízes e tradições; mexe com a comunidade, incentiva, activa memórias. Ajuda a fruir e fluir a vida.

2 comentários:

  1. Caro amigo Alfredo Anciães
    Apreciei ler, até porque o conceito, não será novo para mim, porém a definição é. O que considero importante do ponto de vista memorial. Nesse sentido, fico a saber que no meu saudoso blog "mitalia" fiz muitas recolhas, que tive a felicidade de passar, para o "MUNDO E VIDA", este do Blogspot. Uma dessa recolhas "ENCONTRO COM O CRIME, será numa Antologia, cujo título é "É DA BAHIA AO BOMBARRAL, será lançada com grande pompa no Bombarral (16/10( e na Baiha. A Antologia é do Brasil e pelo menos, virão 8 brasileiros/as. O crime é do principio do século XX, contado ainda por quem o observou, durante uma caminhada de Peniche ao Bombarral.
    Tenho material de recolha, que elevar a livro. No fundo os meus dois primeiros livros, são recolhas, vividas, já que não têm o mínimo de fição.
    Como disse apreciei a boa lição museológica.
    Abraço

    ResponderEliminar
  2. Obrigado Caro Amigo Daniel. Parabéns pelas recolhas. O mundo do crime não é bem a minha praia, contudo, vindo do Daniel e porque não é propriamente ficção; terei curiosidade em ler. O brigado ainda, pelas palavras que me dedica de "boa lição museológica". Como sei que o Daniel tem uma vasta experiência de vida nas organizações de comunicações e museológicas, é com prazer que recebo o incentivo.

    ResponderEliminar