sábado, 15 de abril de 2017

144 É PORTUGAL - DO AUGE AO QUASE REQUIEN E RESSURGIMENTO


001 Porto Pin e Baía da Horta



HORTA-FAIAL-AÇORES DOS CABOS SUBMARINOS

PATRIMÓNIOS D`OUTRORA – ATIVOS ECONÓMICOS E CULTURAIS D`AGORA

002 Baleeiras


Palavras-chave: Açores, cabografia, clippers, hidroaviões, Horta, Pedro Laureano de Mendonça da Silveira, revolução dos transportes e comunicações, sociomuseologia

Pedro Laureano de Mendonça da Silveira, natural da Fajã Grande, Ilha das Flores, 1922. Passa a maior parte da sua vida na grande Lisboa, onde a sua alma se liberta aos 91 anos da Era de 2003. Poeta, investigador, tradutor, crítico literário, vendedor de produtos médicos e farmacêuticos; colaborador da imprensa jornalística, bibliotecário e gestor de serviços na Biblioteca Nacional. Politicamente anarco-sindicalista e vigiado pela Pide. Em 1951 já se encontra na Grande Lisboa.

003 Rua do Peter


No dizer do seu conterrâneo açoriano Luís Fagundes Duarte (1), Pedro Laureano era «[…] um cidadão sem pátria fixa, porque filho de todas as pátrias […]. Todos aqueles que conheceram Pedro da Silveira e com ele privaram recordá-lo-ão como “um tanto duro, como Pedro é pedra; picante agudo assomo [indício, sinal] de silva dos silvedos […]». Como conterrâneo, Fagundes sente de modo particular, o perfil psicológico de Pedro da Silveira: «É-me difícil escrever sobre este homem que militou no anarco-sindicalismo, foi apoiante ativo das candidaturas de Norton de Matos [2] e Arlindo Vicente [3] colaborador da “Seara Nova” […] mas no fundo desenganado da política ativa ainda que nem por isso dela desligado … (sic). É-me difícil escrever sobre este homem que conheci em permanente estado de vigília […]. É-me, enfim, difícil escrever sobre este poeta que […] no dia 13 de Abril de 2003 partiu de Lisboa – para a sua derradeira viagem em demanda do “livre Espaço” … (sic)».


004 Legenda de "O Telégrafo" numa das principais ruas da Horta
 Pedro Laureano integra o conselho de redação da Seara Nova (4) e colabora no Mundo Literário. Em 1953 publica a Ilha e o Mundo, coopera com o jornal A Ilha, faz crítica literária e, passo a citar: “Foi uma voz incómoda, em geral mal amada pelos poderes instituídos” (5). Produz temas de história e etnografia das ilhas, contribui de forma ativa na Encliclopédia Açoriana. Consta que a sua obra começa com o título a Ilha e o Mundo em 1953. Cito, porém, um extrato de edição Fui ao Mar Buscar Laranjas, também conhecida pelo subtítulo de Primeira Voz; poema este que terá sido escrito entre 1942 e 1946 quando o autor tem entre os 20 e os 24 anos.

005 Placa toponímica da "Rua de Telegrapho", ainda com a antiga grafia
Já então tece uma análise saudosista do Faial, um corpo “quase requiem”, mas com esperança de o ver “renascer”, com a universalidade de outrora, quando a cabografia fazia da Horta -Açores um centro cosmopolita, a nível mundial, antes da concorrência das telecomunicações radioelétricas e da capacidade dos cabos submarinos para transmitirem diretamente as mensagens entre a Europa, as Américas, a África e outras geografias (6).

006 Disfile etnográfico com os técnicos da Trinity House
Os versos do poema Fui ao Mar Buscar Laranjas, referentes ao porto da Horta são, em meu entender, um monumento à Horta – Faial, à centralidade de Portugal como uma charneira entre a Eurásia, a África e a América. Pedro Laureano resume a grandiosidade e a universalidade da Baía e do Porto, enquanto as crises do Faial provocadas pelas alterações tecnológicas se vão instalando.

007 Cabografistas em operação na Trinity House

O mundo está em transformação através dos transportes aéreos diretos, de continente a continente, e das telecomunicações ponto a ponto e o poeta pressente que o Mundo se abrevia, tornando-se global; sendo que o acréscimo de globalização traz algo de contraditório ao mudar os paradigmas comunicacionais, nomeadamente: os transportes aéreos rápidos e diretos; a telegrafia tipo telex, funcionando de escritório a escritório; a telefonia automática, sem intermediação das meninas dos telefones; e a televisão analógica, com prejuízo para as comunicações-face-a-face.

008 Desfile etnográfico de técnico radioamador.

O excesso de globalização traz a instabilidade das permanências, porque ao podermos estar em todo o mundo de forma virtual, não estamos de forma consistente em lado algum.

Manuel Urbano Betencourt Machado refere-se a Pedro Laureano da Silveira nos seguintes termos: «Em Pedro da Silveira, a fidelidade à ilha, a resposta poética ao seu apelo insistente, deu-nos a conhecer o pequeno mundo insular (…) os seus acontecimentos à escala reduzida, nem por isso menos importantes do ponto de vista da afectividade e da relação humana. Mas isso não anulou o sentido de viagem, a abertura a novos espaços e escritas, numa salutar dinâmica entre o interior e o exterior, sinal de um espírito naturalmente inquieto e ávido de saber, sempre pronto a agarrar o mais pequeno acaso que lhe permitisse entrar em contacto com o outro lado […]» (fim de citação) (7).

009 Vitrais de iconografia alemã no bairro residencial da comunidade cabográfica

Uma das razões que me leva a trazer aqui Pedro Laureano é a série de poemas intitulados Fui ao Mar Buscar Laranjas. Selecionei uma parte onde Pedro Laureano consegue por meio da sua poesia uma síntese bonita, fantástica, informativa, fazendo jus à sua especialidade profissional, no mundo da documentação e comunicação, tecendo uma descrição clara e concisa, para lá de eminentemente poética.

Antes da leitura da poesia de Pedro Laureano, deixo aqui uma descrição em prosa, procurando também, nós próprios e, em síntese refletir o movimento da Baía habitualmente conhecida como a mais bonita do Mundo, onde se desenvolvem atividades históricas, tais como:

010 Um dos edifícios do bairro alemão da DAT - Deutsche Atlantische Telegraphen 


a)Abastecimento aos navios que circulavam entre a Europa e as Américas, antes da força dos combustíveis petrolíferos;

b)Atividades de transformação, aquisição e encaminhamento dos produtos baleeiros, trocados por outros ou por divisas. Do Porto da Horta exportava-se energia para iluminação dos Estados Unidos, extraída da gordura dos cetáceos;

c)Porto de amaragem dos hidroaviões – os célebres clippers da altura heroica da aviação internacional e intercontinental. Na Horta chegaram a ser editados números de jornais, apenas com artigos escritos pelos passageiros que, para manutenção ou arranjo das aeronaves permaneciam alguns dias na Horta.

011 Pormenor de edifício da DAT

d)Na Horta amarravam cabos telegráficos submarinos nacionais e intercontinentais. Aqui faziam comutação, reforçavam os sinais e a retransmissão para várias partes do mundo. A Estação Cabográfica, junto à baía funcionou entre (1893 e 1969), quando as tecnologias modernas já não deixavam qualquer margem para competir.

 e)Na Horta viveram comunidades, especialmente da Alemanha, Inglaterra e América, mas também franceses, italianos, cabo-verdianos, e outros países e localidades. Na Horta construíram e deixaram bairros. Desenvolvem arte, economia, a cultura desportiva e associativa. Na Horta surgem amizades, namoros e casamentos entre técnicos de várias partes do mundo e população local.

012 Iconografia dos CTT anos 40/50 num largo da Horta. Destaca-se um feixe elétrico de telecomunicações junto ao escudo com as cinco quinas
 

f)Na Horta criou-se e desenvolveu-se o Café Internacional e o Peter`s Café Sport que funcionam como entrepostos de correio, animação e comunicação. Os aventureiros do mar (incluindo os solitários vinham (e alguns ainda vêm) atracar ao Porto da Horta, talvez com base na tradição e no bem receber deste quinhão geográfico, social e estratégico da lusofonia, historicamente habituado a lidar com todos os povos. Alguns viajantes e visitantes do mundo perguntam no Peter`s Café (nome de batismo José Azevedo) se têm cartas ou recados para eles, como se a Casa do Peter José Azevedo fosse uma central de comunicação à escala global. 

013 Desfile etnográfico com um operador junto a uma central de comutação e uma bobina de cabo de telecomunicações


g) Na Horta labora uma das melhores Estações Radionavais instalada no Monte das Moças, sobranceiro à Cidade. Funcionou desde 1928 a 2013 (85 anos) servindo a população local, inclusivé com cuidados de enfermaria às comunidades naval e locais.

Ainda na envolvência do Monte das Moças foi instalado o Observatório Príncipe Alberto do Mónaco que muito contribuiu para a observação das condições meteorológicas e da astronomia.

014 Desfile etnográfico com uma maqueta de hidroavião


h)De tempos recentes e atuais são as aventuras do picoense/faialense Genuíno (sic) Madruga que continua a surpreender-nos e a deliciar-nos com viagens e investigações à volta do Mundo. Muitos são os que se dirigem ao restaurante/museu de Genuíno Madruga, na baixa da Horta, à procura de saberes, de inspiração e aconchego para o corpo e a alma. À Horta chegam novamente navegadores, onde deixam as suas marcas e lembranças. Muitos aventureiros e turistas deixam as suas impressões em enquadramentos de pinturas nos murais que circundam a Baía.

015 Antiga Estação Radionaval da Marinha na Horta. Aguarda, possivelmente, pela musealização in situ.
 

i)O interesse na observação dos cetáceos substitui alguma animação de outrora. Esta atividade lúdica e turística faz uso frequente das comunicações, desde os vigias em postos de observação que utilizam: os telescópios, os sinais de bandeiras, os foguetes, o equipamento radioelétrico e outros terminais mais modernos. O folclore das Festas da Semana do Mar retrata o povo da Ilha, as atividades dos tempos áureos e as comunidades de outras nações, fazendo, em especial, destaque à Horta Cabográfica.

016 Farol dos Capelinhos. Encontra-se musealizado e com um novo espaço interpretativo onde se apresenta, sobretudo, o fenómeno do vulcanismo
 

j)A célebre Trinity House ou a Casa de reforço, trânsito e operações telegráficas da Alemanha, Estados Unidos da América e Inglaterra está a ser transformada em Museu das actividades de transmissão por cabos que atravessavam picos, planaltos e vales submarinos para levarem as comunicações e informações até aos confins do mundo.

Receber e comunicar era e é uma tradição que está na alma e no sopro do espírito faialense.

017 Estão móvel de Rádio "Voz dos Açores"


As atividades e importância do Porto da Horta, não podem ser melhor, nem mais sinteticamente caraterizadas em nenhum outro estilo literário do que através da poesia de Pedro Laureano da Silveira.

Dado que as condições de movimentação e turismo se alteraram para melhor, nos últimos anos, eu próprio tomei a ousadia de adaptar o título do poema de Pedro Laureano para ir (espero) ao encontro dos desejos do autor, aliás, expressos no final dos seus versos. A adaptação que eu lhe introduzi, como peça de citação, está indicada com os devidos parêntesis retos.

Vejamos então um extrato do poema de Pedro Laureano, em que mui resumidamente dá conta de toda a azáfama do porto/baía da Horta, refletindo a saudade ao tempo das escalas dos navios que atravessam o Atlântico; escalas da aviação (os hidroaviões clippers) comutação / escala da telegrafia morse via submarina, transmitida e retransmitida de e para várias partes do mundo.

 

O poema de Pedro da Silveira é um Hino à Horta e à Baía.



Decidi colher um extrato para enquadramento, o que não dispensa a leitura do poema por inteiro para quem deseje aprofundar o conhecimento da Horta / Açores e seus autores.

 

Título do poema:

 

«[DA] HORTA QUASE RÉQUIEM [ATÉ À FÉNIX RENASCIDA]

Como isto foi grande, dinâmico, mercantil, aventureiro!

Homens de todas as raças no porto da Horta, 

todas as línguas, bandeiras […], 

e navios à carga, vozes, gritos,

o gemer dos guindastes […].

Era a mais alegre, a maior cidade pequena do Mundo!

Era riqueza de Londres

e de Nova York!

Era o requinte de Paris, o luxo

de Sanpetersburgo!

Todos mercavam, vendiam.

Embarcavam.

Tornavam.

[Desejada Horta]

[…] O passado que esperas

em futuro renasça […].»

 

Notas:

(1)Luiz Fagundes Duarte - Memória de Pedro da Silveira, ob cit.

 (2)Norton de Matos (Ponte de Lima, 1867 +1955). Figura destacada da administração pública. Esteve na India Portuguesa organizando e chefiando serviços de Agrimensura. Em Macau e na China exerceu missões diplomáticas. No Exército foi chefe de estado-maior e general. Alto comissário da República em Angola. No seguimento da I Guerra Mundial foi delegado português à Conferência de Paz. Na maçonaria chegou a Príncipe Rosa Cruz, o último grau do rito francês. Embaixador de Portugal em Londres, cargo de que viria a ser afastado pelo Governo da Ditadura Militar. Não é bem aceite pelo Presidente do Conselho António de Oliveira Salazar e é forçado a deixar de exercer funções públicas interferindo também com a vida das associações secretas. Nas eleições de 1949 reivindica liberdades e fiscalização da eleição, o que não é aceite pelo regime do Estado Novo. Norton de Matos também discordava da política do Estado Novo em relação às Colónias. Escreve um livro África Nossa em que propõe “[…] povoar essas terras, intensa e rapidamente, com famílias brancas portuguesas e continuar a assimilar os habitantes de cor que lá encontramos. Assimilação completa, material e espiritual”. Não foi essa a política seguida e só muito mais tarde a História vem demonstrar quão erradas foram as opções do Regime.

 (3)Arlindo Augusto Pires Vicente (1906 Troviscal – Oliveira do Bairro; +1977 Lisboa). Advogado e pintor modernista, militante opositor do Regime do Estado Novo, interessado pela cultura e pela cidadania. Participa em listas da Oposição para os concursos à Assembleia Nacional, de modo especial apoia a o General Humberto Delgado para a Presidência da República. Foi preso político e cumpriu pena.

 (4)Duarte, Luís Fagundes, op. cit. 9.12.2013

 (5)Seara Nova. Revista portuguesa. Data desde o ano 1921, tendo como fins “pedagógicos e políticos” através da ação “doutrinária e crítica”, especialmente ao tempo da Ditadura Nacional e do Estado Novo, mormente do salazarismo.

(6)Wiki … et al. - Pedro Laureano de Mendonça da Silveira https://pt.wikipedia.org/wiki/Pedro_Laureano_Mendon%C3%A7a_da_Silveira

(7)Esta indução/reforço dos sinais também se costuma resumir por pupinização, conceito que vem de Michael Idvorski Pupin (1858-1935). Pupin trabalhou para o reforço dos sinais telegráficos e telefónicos através de indutores, espécies de bobinas de incitação.

(8)Machado, Manuel Urbano Bettencourt; Wiki et al. - Pedro Laureano de Mendonça da Silveira https://pt.wikipedia.org/wiki/Pedro_Laureano_Mendon%C3%A7a_da_Silveira

Outras fontes:

--Anciães, Alfredo Ramos – Patrimónios de Comunicações de Portugal: Em destaque a Horta Faial Açores. Turiscon Editora, 2016 (contacto do editor: www.liduinoborba.com geral@liduinoborba.com; facebook https://www.facebook.com/liduino.borba, tel. 295 642 344 )

--ASSOCIAÇÃO dos Antigos Alunos do Liceu da Horta; Museu da Horta, et al – O Porto da Horta na História do Atlântico: O Tempo dos Cabos Submarinos. Horta: Gráfica O Telegrapho, s.d.

Em linha:

-ANCIÃES, Alfredo Ramos - “Inspirações dos e nos Açores” http://cumpriraterra.blogspot.pt/2016/06/72inspiracoes-dos-acores.html


---------------- “Patrimónios de Comunicações de Portugal Transmissões Telegráficas Submarinas e a Relação com o Desporto Cultura e Recreio em Carcavelos e Horta-Faial, Triplov, pp 31-33 https://www.google.pt/?gws_rd=ssl#q=07.TRANSMISS%C3%95ES+TELEGR%C3%81FICAS+SUBMARINAS+E+A+RELA%C3%87%C3%83O+COM+O+DESPORTO+CULTURA+E+RECREIO+EM+CARCAVELOS+E+HORTA-FAIAL


-DUARTE, Luiz Fagundes – “Memória de Pedro da Silveira” http://www.acorianooriental.pt/artigo/memoria-de-pedro-da-silveira, 9.12.2013

-MACHADO, Manuel Urbano Bettencourt ; Centro de Investigação em Estudos Regionais e Locais – Universidade da Madeira http://www4.uma.pt/cierl/?page_id=1110

-OLIVEIRA, Álamo – “Pedro da Silveira (1922-2003) – Um Breve Perfil” Boletim do Núcleo Cultural da Horta, 13: 75-80; também disponível http://triplov.com/boletimnch/boletimnch_2004/alamo_oliveira.htm

-SILVEIRA, Pedro da - Sobre Autores Açorianos Cujas Obras Devem Merecer Edição, As Inéditas, ou Serem Reeditadas Condignamente - Boletim do Núcleo Cultural da Horta, 15: 13-20; também disponívelin http://triplov.com/boletimnch/boletimnch_2004/alamo_oliveira.htm

.........................................................................
--»»RT 72

Sem comentários:

Enviar um comentário