Em relação ao fenómeno de Fátima, a museologia trabalha nos campos
da arquitetura, urbanismo; arte nos seus vários suportes; literatura,
geografia, herança cultural, psicologia, sociologia, religião, conservação,
divulgação e educação. Todas estas vertentes se relacionam com o museu,
exposição, escola, cidadania, Portugal.
Abordagem sobre a instituição museu:
«A instituição distante, aristocrática,
olimpiana (a), apropria-se dos
objectos para fins taxonómicos (b). [… Contudo, tem.. .]
dado lugar a uma entidade aberta sobre o meio […].»
……………………
(a)Olimpiana:
Relativo ao Olimpo (monte sagrado onde vivem os deuses), o lugar onde começa
por fixar-se o museu.
(b)Taxonomia = ramo da biologia e da botânica que descreve,
identifica e classifica: animais e vegetais; ou a gramática que trata da
classificação das palavras.
………………….
O museion podia não
ser o único templo do Olimpo divino da Clássica Grécia mas era um local de
inspiração do saber e da proteção a que recorriam guerreiros, funcionários,
filósofos, proprietários e aristocratas. O museu ao estacionar nos Olimpos
deixou, praticamente, de estar disponível para o povo comum que não tinha meios
nem tempo para se deslocar a estes lugares.
A situação vai mudar com a Revolução Francesa, a partir da qual
os museus são paulatinamente nacionalizados. E logicamente, considerados
serviço público. As mudanças não se operam de um momento para o outro. Depois
da Revolução, passa a haver outras interpretações da sociedade, outras formas
de vida, de propriedade e de acesso à cultura.
«A revolução museológica do nosso tempo - que se manifesta pela
aparição de museus comunitários, museus 'sans
murs', ecomuseus, museus itinerantes
(c)
ou museus que exploram as possibilidades aparentemente infinitas da comunicação
moderna - tem as suas raízes nesta nova tomada de consciência […].»
…………………
(c) Veja dois exemplos de museologia itinerante em SCHWENCK, Beatriz --»
http://ridi.ibict.br/bitstream/123456789/742/1/schwenck2011.pdf e XAVIER,
Denise Walter --» http://www.museologia-portugal.net/files/upload/mestrados/denise_walter_xavier.pdf
).
………………..
O alargamento da noção de património
ou de bem cultural como: “conjunto de testemunhos materiais e imateriais do homem e do seu
meio” (cf. ICOM) leva-nos aos objetos
materiais: de arquitetura, escultura, pintura, desenho, artefactos,
espaços, instrumentos, monumentos, peças manufaturadas, fabricadas ; e peças
naturais; sítios, territórios, tesouros, bem como aos itens
imateriais e virtuais de: ciência, história,
estória, mitos, lendas, conhecimentos; expressões verbais, gestuais e
artísticas; folclore, identidades, memórias, mensagens, músicas,
representações, saberes; saberes-fazeres …
Nestes pontos de vista, o fenómeno de Fátima e os bens culturais
associados também são objeto da Nova Museologia.
Em relação à mensagem de Fátima,
esta tem evoluído desde o conceito de “aparição”, nem sempre e nem por todos
aceite, a começar pela incredulidade de certa sociedade civil e até religiosa,
sobretudo da primeira década (1916-1926 - aparição do Anjo, primeiro, e de
Nossa Senhora, depois), sendo que as perseguições das autoridades da I
República, estão suficientemente documentadas.
Moisés do Espírito Santo e Fábio
Bernardino vão ao Islamismo buscar as raízes do fenómeno de Fátima:
«[…] O Segredo procedia do Profeta que o transmitiu a Fátima e
esta ao marido (Ali) |Ali vem de Al ou
Alá significado de sublime, senhor,
excelso| ou, então, veio do Profeta que o passou a Khadija [prematura], sua
primeira esposa e confidente e ela passou-o a Fátima (…).
Fátima passou o Segredo a Ali que disse: “Eu sou Ali, o sinal do
todo-poderoso. Eu sou o primeiro e o último. Eu sou o manifestado e o
encoberto. Eu sou a face de Deus. Eu sou a mão de Deus. Eu sou o lado de Deus.
Eu sou aquele que no Evangelho se chama Elias. Eu sou o que detém do Segredo do
Enviado de Deus». (Cf. Bernardino, ob. cit. p.12).
O autor define assim o fatimismo como um movimento
espiritual islâmico que privilegia o visionarismo, as revelações particulares e
outras capacidades sobrenaturais nos crentes:
«O fatimismo (ismaelismo,
chiismo) medieval é o universo do delírio visionário. Teofanias (aparição de
entes divinos), ubiquidade e telepatia são o pão quotidiano dos
iniciados». (Bernardino, ob. cit. p.7)
Para Moisés e Bernardino, «o segredo
da Cova da Iria tem relação profunda com este tipo de mensagens secretas,
originárias da referida facção islâmica. Para além da coincidência do nome da
filha de Maomé com o da freguesia portuguesa do Concelho de Ourém, o próprio
lugar “Cova da Iria” é assim denominado devido a anteriores visões que terão
ocorrido ali. Aliás, a palavra Iria derivaria de riya, termo que
significa ver-se num espelho». (cf. Bernardino, ob. cit.p.8)
Porém, hoje em dia, o fenómeno
da “aparição” tem vido também a ser analisado sob o ponto de vista da “visão”:
o Investigador da Ciência das religiões Paulo Mendes Pinto e o Jornalista Rui
Duarte Silva da Revista Visão apresentam-nos em primeiro lugar a: «[…]
redefinição de Fátima como objeto de teologia[…]» e recorrem ao contributo de
Ratzingger / Papa Bento XVI afirmando que Ratzingger
«Ao definir Fátima como uma
“visão”, subalterniza teologicamente o que possa ter acontecido, tornando-o
“particular”, mas abre ao infinito todas as possibilidades de interpretação,
dando guarida às formas mais pessoais de viver a fé [… Deste modo] As aparições de
Fátima enquadram-se no que genericamente se pode definir como uma «revelação
privada».
E assim tira autoridade aos
críticos positivos e negativos sobre a interpretação de Fátima. Sendo
considerada uma questão de fé. Acredita quem quer e quem tem o benefício de ser
dotado deste recurso religioso, místico e/ou psicológico.
Fátima pode, pois, ser tratada
na imprensa, na escola, na museologia e na sociedade sem que qualquer um se
possa considerar ofendido, desde que democraticamente expresse os seus pontos
de vista.
A este respeito concluo com duas
posições diferentes, mesmo dentro da própria hierarquia da Igreja:
- «Ultimamente tem havido alguma
discussão sobre o que aconteceu em Fátima, se foram aparições, se foram visões.
O bispo D. Carlos Azevedo, D. Januário Torgal ou o padre Anselmo Borges fizeram
essa distinção, apontando para experiências, de certa forma, mais subjetivas.
Para a Igreja, o que é que aconteceu afinal em Fátima?
- O que aconteceu em Fátima é
muito simples. Nossa Senhora apareceu aos três pastorinhos. Foi isto que
aconteceu. Vem dizer-se que foi uma invenção deles… não, não tinham como
inventar uma coisa assim. Os pastorinhos viram Nossa Senhora, não a inventaram.
Viram, ouviram Nossa Senhora, ficaram com as suas palavras, viveram-nas em
profundidade e foram santos. […]».
A pergunta e resposta supra,
fazem parte de uma grande entrevista de Marta F. Reis ao “Cardeal português há
mais tempo no Vaticano” D. José Saraiva Martins, publicada no jornal “i”, do dia 11 de maio 2017, pp. 24 a
29. Contudo, a posição deste ilustre Cardeal, profundo investigador, professor
universitário e representante da “Congregação para a Causa dos Santos” durante
mais de dez anos no Vaticano, não representa toda a posição da Igreja Católica
Romana no mundo, nem em Portugal.
Daí a abertura da própria
Universidade Católica Portuguesa, Faculdade de Teologia, estar aberta a teses
que apresentam uma visão diferente, até mesmo de influência cultural muçulmana,
que terá marcado a sociedade e os próprios pastorinhos.
Palavras-chave: aparição, cultura, Fátima, fé, fenómeno social, museologia,
turismo, religião, visão
Fontes:
--BERNARDINO,
Fábio Manuel Carvalho – O Segredo de
Fátima: Ensaio de hermenêutica teológica. Lisboa: Universidade Católica
Portuguesa. Faculdade de Teologia. Mestrado integrado em teologia (1º grau
canónico), 2013
--CATARINO,
Manuel – Os anos do século de Fátima: 100 anos da História de Portugal. S.L.:
Cofina Media Books, 2017
--FERREIRA,
Ir. Gertrudes – “Centenário das
aparições: Dimensão missionária da mensagem de Fátima”. Lisboa: Além-Mar,
maio 2017, pp. 16-21
--GOMES,
Maria de Fátima Figueiredo Faria - O
Museu como vetor de inclusão cultural. Orientador: Prof. Doutor Marcelo
Nascimento Bernardo da Cunha. Lisboa: ULHT Universidade Lusófona de Humanidades
e Tecnologias. Departamento de Museologia da Faculdade de Ciências Sociais e
Humanas, 2010
--ICOM/
UNESCO et al – “Declaração de Santiago”, 1972
--ICOM/
UNESCO et al - “XV Conferência Geral do ICOM/UNESCO”, 1989
--REIS, Marta
F; MARTINS, D. José Saraiva; jornal “i”, 11 maio 2017, pp. 24-29.
Em linha,
acedidos em 11.05.2017 -
--ANCIÃES, Alfredo Ramos – “Fátima Aparições e/ou Visões nas Páginas
da Nova Museologia” https://cumpriraterra.blogspot.com/2017/05/075-154-fatima-aparicoes-eou-visoes-nas.html
--MAYOR, Frederic; MOUTINHO, Mário. Lisboa: ULHT - Cadernos de
Museologia, 1993. Também disponível em: http://www.museologia-portugal.net/files/upload/mestrados/maria_fatima_farias.pdf acedido em 10.5.2017 ).
--PINTO, Paulo Mendes; SILVA, Rui Duarte – “De `aparição` a
`visão`: Ratzingger e a redefinição de Fátima como objecto de teologia” http://visao.sapo.pt/opiniao/bolsa-de-especialistas/2017-05-09-De-aparicao-a-visao-Ratzingger-e-a-redefinicao-de-Fatima-como-objecto-de-teologia
--SANTO, Moisés do Espírito - Os Mouros Fatimidas e as
Aparições de Fátima. Lisboa: (Universidade Nova de Lisboa: Instituto de
Sociologia e Etnologia das Religiões, 1995. Também disponível em:
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