sexta-feira, 22 de maio de 2015

43. AQUILINO RIBEIRO: FORMAS DE AMOR DE LUTA CÍVICA E DE COMUNICAÇÃO


1-Nota biográfica.

2-O Amor pela Natureza e a generosidade altruística.

3-O Amor pela luta cívica em “Quando os Lobos Uivam”.

4-O Amor pela sustentabilidade/biodiversidade: A luta contra o liberalismo e o regime vigente.

5-O amor solidariedade e o amor que perdoa.

Palavras-chave - Missão e Ética: Quase toda a vida de Aquilino foi dedicada à Missão que ele próprio resumiu nos finais dos seus dias - “mais não pude”. A base de mudança para a missão e ética em Aquilino assenta na promoção dos valores de: liberdade e melhoria das condições de vida através da luta cívica e do trabalho "alcança quem não cansa", cultura, preservação da Natureza e conduta sem hipocrisias. 

1-NOTA BIOGRÁFICA

Aquilino nasce em 1885, no Carregal, Sernancelhe e morre na capital, em 1963. Em 1933, recebe o Prémio da Academia das Ciências de Lisboa e, em 1935 é eleito sócio correspondente da mesma Academia. Em 2007, a Assembleia da República aprova uma homenagem, incluindo a transferência do corpo com honras de Estado para o Panteão Nacional de Santa Engrácia.

Originário e profundamente beirão, aos 10 anos, faz exame da Escola Primária no Colégio de Nossa Sra. da Lapa e, aos 15, encontra-se no “Colégio Roseira”, de Lamego. Após um curto intervalo de tempo, quando estuda Filosofia em Viseu, transfere-se para o “Seminário de Beja”. A falta de vocação leva-o a abandonar o Seminário e vir para Lisboa, aos 18. Um ano depois regressa a Soutosa mas aos 21 anos está novamente em Lisboa, desenvolvendo uma ação de cariz ideológico-republicano e colaborando com o jornal “A Vanguarda”.

Em 1907, inicia a publicação de livros, onde denota uma intervenção na esfera política, com o conto “A Filha do Jardineiro” em parceria com José Silva.  Esta obra de ficção tem como objetivo a caricatura do regime monárquico vigente, através da análise de figuras públicas. Ainda em 1907, adere à Maçonaria. Pouco tempo após é preso e acusado de anarquista. Consegue evadir-se da prisão e prossegue contactos com a Maçonaria, incluindo a vertente carbonária. Em 1910, encontra-se a estudar Letras na Sorbonne, vindo a Portugal após a Revolução do 5 de Outubro. O relacionamento com Grete Tiedemann leva-o à Alemanha, onde reside durante alguns meses (1912/1913) e casa.

Em 1914, nasce o filho Aníbal Aquilino Fritz, que veio a ser presidente da Câmara Municipal de Lisboa. Entre 1915 e 1918, exerce funções de professor no Liceu Camões. Segue-se outro período intenso, na Biblioteca Nacional, como na produção literária de “Terras do Demo”, direção da revista “Seara Nova”, publicação “O Malhadinhas”; "Andam Faunos pelos Bosques" e “Estrada de Santiago”, até que entra na revolta de 1927, em Lisboa. Participa no movimento militar republicano contra a Ditadura Militar e na revolta de Pinhel em 1928.

Consequentemente, procura Paris para se exilar. Em 1929, casa em segundas núpcias, com a filha do Presidente da República, Bernardino Machado. Continua a atividade de escrita regular de livros, destacando-se, nos anos 30, "O Homem que Matou o Diabo" e "Batalha Sem Fim”. Fundador e presidente da Sociedade Portuguesa de Escritores nos anos cinquenta. Prossegue a produção de várias obras, entre as quais “A Casa Grande de Romarigães” (1957) e “Quando os Lobos Uivam” (1958). Neste ano de 1958 é nomeado sócio efetivo da Academia e torna-se militante da candidatura do General Humberto Delgado à Presidência da República.

Proposto para Prémio Nobel da Literatura em 1960

Entre um leque extenso de proponentes encontram-se nomes tais como: José Cardoso Pires; David Mourão-Ferreira, Urbano Tavares Rodrigues, Mário Soares, Vitorino Nemésio, Alves Redol e Virgílio Ferreira. Com uma obra literária composta, grosso-modo, por contos, romances, novelas e artigos em periódicos, desenvolve uma linguagem vernácula e antiga em desuso e difunde termos pouco conhecidos, enriquecendo, sobremaneira, o vocabulário e a literatura de expressão portuguesa. Concluindo, na sua obra literária perpassam contextos e costumes, com relevância para modos de fazer tradicionais.

A propósito do Nobel da Literatura em 1998, José Saramago disse: “Se Aquilino Ribeiro fosse vivo quem o recebia era ele”.

Alcança quem não cansa era o ex-libris ou a visão/esperança de Aquilino.

Em relação ao ex-libris, se hoje Aquilino viesse à Terra possivelmente ficaria espantado por ter conseguido muito mais do que o esperado, tendo em conta um “Centro de Estudos Aquilino Ribeiro” (na Universidade Católica / Viseu); destaques no “Instituto Camões, da Cooperação e da Língua Portuguesa” (Lisboa), em Instituições de Ensino Secundário e Superior; representação na estatuária e na toponímia e um lugar no memorial do Panteão Nacional de Santa Engrácia, aprovado pela Assembleia da República, para lá de tantas homenagens que continuam a fazer-lhe, nomeadamente em visitas: à Fundação com o seu nome, em Soutosa; em geral às “Terras do Demo”: Sernancelhe, Penedono, Vila Nova de Paiva, Moimenta da Beira, Aguiar da Beira, no Distrito de Viseu; e à “Casa Grande de Romarigães” no concelho de Paredes de Coura.

"Mais não pude": Foi o epitáfio sugerido pelo próprio Aquilino em antevisão da sua morte. Atendendo às circunstâncias do tempo e dos regimes, podemos hoje dizer que fazer mais era difícil ou mesmo impossível, conforme sugere Aquilino. Resta-nos o respeito e a gratidão pelo seu contributo imortal no edifício da cidadania e da dignidade humana.

 Aquilino e a sua relação com o Convento da Tabosa

 “Na aldeia de Tabosa, vizinha do Carregal, os populares contaram à Lusa outra versão da história do nascimento de Aquilino. "As pessoas antigas diziam que Aquilino Ribeiro era filho de uma freira e de um padre [não da criada de servir Mariana do Rosário conforme consta na sua biografia e tendo nascido no convento]. Depois é que foi levado para o Carregal, porque naquela altura era um escândalo ser filho de um padre e de uma freira", afirmou Hermínio Pereira […]. Outro conterrâneo, João Granja "avança até a forma como Aquilino Ribeiro terá saído, em segredo, do convento” […]. `Para não dar mau falar à freira, nasceu e fizeram-no sair pela roda onde davam de comer aos pobres. Depois levaram-no pelas matas do Torgal, para que ninguém o visse, até ao Carregal, onde uma mulher o criou à mama`". […] (cf. FERREIRA, Ana, ob. cit.; Agência Lusa / Expresso).

2-AMOR PELA NATUREZA E GENEROSIDADE ALTRUÍSTICA

”Em Aquilino Gomes Ribeiro, o sentimento estético e o sentimento ético não se confundem, mas comungam da mesma malga: o amor pela natureza. Diz Urbano Tavares Rodrigues em `O Génio de Aquilino` que “O Mestre é livre-pensador e anticlerical […] mas uma irreprimível atracção o faz abeirar-se dos franciscanos”.

Será que Aquilino era mesmo um anticlerical extremista?

Por mais consideração que mereçam os estudos, incluindo os referentes à figura de Urbano Tavares Rodrigues, não concordo que Aquilino fosse um anticlerical puro e duro. Aquilino apenas era anticlerical na medida em que criticava a hierarquia católica e os clérigos, nomeadamente os que viviam em hipocrisia, que pregavam uma coisa e faziam outra diferente.

Encontrei em Aquilino referências ao Espírito Santo e aos franciscanos; um episódio referente ao “Bom Abade de Pera e Peva em “Aldeia: Terra Gente e Bichos” e uma recorrência à terminologia da Igreja e dos clérigos, que nem sempre me parece formulada de forma crítica. Aquilino era anticlerical somente na medida em que pretendia chamar a atenção para os desvios da mensagem e comunicação cristã original. Em meu entender, Aquilino foi um dos precursores que levaram à renovação do espírito franciscano, tal como está a acontecer na atualidade com o Papa Francisco. Na tumba da Panteão Nacional e, quiçá, em dimensões exteriores, Aquilino encontra um Arauto de nível mundial na figura de Bergoglio.

3-O AMOR PELA LUTA CÍVICA em “Quando os Lobos Uivam”,

O que motivou Aquilino em “Quando os Lobos Uivam” (romance de 1958) foi o fim dos baldios na Serra dos Milhafres. Em finais dos anos 40, o Estado Novo resolve, sem auscultar as populações, apropriar-se das terras que, desde tempos imemoriais, eram explorados pelas comunidades beirãs, onde recolhiam lenha e apascentavam o gado. A população viu-se sem aquele recurso, complicando-se o “modus vivendi”.

Aquilino denunciou, como pode, a situação. Fê-lo por cidadania, altruísmo e solidariedade que são formas de amor para com os seus próximos conterrâneos. 

Uma das principais personagens da obra - Manuel Louvadeus – ex-emigrante no Brasil chega à sua terra natal e vê as populações atingidas com as mudanças e expropriações. Louvadeus volta ao Brasil com a ideia de retornar em auxílio dos conterrâneos, para recuperarem o amor-próprio e desenvolverem a Terra. Nesta perspetiva Louvadeus abre-se com o pai, nestes termos: 

– “Nesta aldeia miserável [...] mais pobre, mais fanática, mais desoladora, hei-de criar uma escola de Artes e Ofícios. Uma escola para lavrantes de pedra. [...]

– Hei-de oferecer lactário... hospital [...]  cantina, onde se dê comer às crianças [...], pôr telefone, luz eléctrica [...]”.

4-O AMOR PELA SUSTENTABILIDADE E BIODIVERSIDADE DA TERRA: A LUTA CONTRA O LIBERALISMO E O REGIME VIGENTE

É notável encontrar na obra de Aquilino a insistência à temática ambiental, como em “Via Sinuosa (1918)” e no “Jardim das Tormentas” (1913), bem como, “O Romance da Raposa” (1923), “Arca de Noé”; “III Classe” (1935) e no “Livro da Marianinha” (1963).

Aquilino é um dos mais arrojados elementos de luta contra os impactos negativos da exploração da natureza. A ideia de um desenvolvimento sustentável está presente em várias obras de Aquilino, com destaque para “Volfrâmio” (1944) e “Quando os Lobos Uivam” (1958). (1) (cf. QUEIRÓS, doc. cit.)

Na obra infantil de 1924 - O Romance da Raposa”:

“[…] Aquilino traça um vasto e pormenorizado fresco da biodiversidade das florestas endógenas do nosso país […]. A sua preocupação com as espécies ameaçadas leva-o a aproveitar o ensejo para denunciar a ameaça de extinção que pesa sobre o lince, sessenta anos antes da campanha nacional para o salvar, no último reduto da Malcata ! […]”. Aquilino emita os sons dos grilos, rãs, rolas, mochos e refere-se às espécies e às formas geológicas, como afirma Urbano Tavares Rodrigues: “Não há talvez em toda a literatura portuguesa quem, como Aquilino Ribeiro, sinta e exprima o campo em todas as suas dimensões [...].

Esta visão da Natureza é uma das formas de expressar o seu amor pela Existência.

Não obstante, Aquilino estar inserido nas lides políticas e maçónicas ele recorre constantemente aos termos da mentalidade católica-cristã. A terminologia frequente de: Deus, Cristo, Diabo, Demo, Barzebu, inferno, santos, campanário, sinos, devoção, rezas, divina graça, pragas e maldições, benta, benzedura, anjinho do senhor, rezas, corte celeste, escândalo, vergonha, rosário, infidelidades, cobras, tentações, contas a Deus, marranito (de marrano, judeu ou mouro que professa a fé cristã mais por conveniência do que por convicção), padre, missa, santarrão, alma cristã, etc., são produto da vasta cultura, não servindo apenas para a crítica, a denúncia mas também como meio de expressão, dando espaço à comunicação dos valores locais, não de um mundo regionalista, à parte, mas como parte integrante num mosaico de terras, povos e culturas; permitindo também a recuperação de termos ancestrais, de raiz clássica e bíblica, em perigo de desuso. A introdução de termos regionalistas de que é acusado, não corresponde à verdade total, pois esse vocabulário aparece em expressões existentes no Mundo Antigo, que entraram em desuso, devido à pouca valorização que se fazia das raízes culturais. Aquilino retoma essa vertente linguística ancestral, resgatando-a do esquecimento, elevando, assim, o nível cultural das populações e a riqueza da língua portuguesa.

As circunstâncias de miséria levam Aquilino a introduzir os episódios do “surripianço de comida” e dos “pilha-galinhas” (cf. RIBEIRO: 1974, pp. 41-42), dando vazão ao instinto da sobrevivência ou, se quisermos, ao vitalismo, de uma forma genérica. Há toda uma animação e vontade gregária/vitalista das gentes nos serões com namoricos e o gozo, como que a justificarem a falta de liberdades e as poucas notícias de outras terras e de outras culturas. (cf. RIBEIRO: 1974, pp. 46-49).

5-O AMOR SOLIDARIEDADE E O AMOR QUE PERDOA

Embora no estilo de romance, Aquilino em “Terras do Demo” faz uma análise das pessoas e da natureza envolvente. Deixa-nos um documento com valor etnográfico, incluindo os defeitos “O homem é o lobo do homem”.  Mas este mesmo homem não é só lobo, ele é também capaz de perdoar e de se desprender dos seus próprios bens. É o caso do “brasileiro” Alonso que ao chegar subitamente à sua aldeia lhe é revelada a infidelidade/traição da mulher. Aí ele desfaz-se de todas as suas prendas que traz do Brasil para a mulher e distribui tudo pelas pessoas da Terra, como num ágape (refeição / amor que se doa/distribui/comunga). Ao chegar junto da esposa com intenções de a matar, ela mesma se antecipa, expondo-se e clamando ao marido que a mate porque é o que merece. A esposa - Zefa do Alonso entrega a vida pelo amor e é ainda o Amor que a vai resgatar da morte por ter cedido ao vitalismo da carne. Perante o clamor da esposa “mata-me, mata-me”, o Alonso fica desarmado de fúria; não consegue fazer mal algum e, pelo contrário, protege a mulher cobrindo-lhe as partes sensuais com que ficara involuntariamente exposta.

Aquilino escreve sobre o Homem da Nave/Terras do Demo para comunicar a sua Terra, fazendo denúncia das condições miseráveis. É pelo amor solidariedade, pelo semelhante e pela natureza que escreve e luta. As personagens são cópia das pessoas reais. Através delas vemos a miséria que grassa pelas terras frias, difíceis de trabalhar, onde o pão é escasso. O discurso está mesclado com valores ético-religiosos. É como no Amor bíblico, traduzido em: “amarás o próximo como a ti mesmo. Não há outro mandamento maior do que este" (Marcos 12,30-31).

 
Fontes:

-FIDALGO, Anabela (Prof.) – Resumos de Aulas de Literatura da Professora. USMMA, 2014/2015

-RIBEIRO, Aquilino – Terras do Demo. Lisboa: Círculo de Leitores, 1974

-RODRIGUES, Urbano Tavares - A Horas e Desoras- Lisboa: Edições Colibri, 1993

        Em linha:



---------------- Aquilino Ribeiro – da Lapa à Sorbonne passando pelo M.U.D. e pela Sociedade Portuguesa de Escritores in http://comunidade.sol.pt/blogs/alfredoramosanciaes/archive/2013/06/24/AQUILINO-RIBEIRO-_9600_-DA-LAPA-_C000_-SORBONNE-PASSANDO-PELO-M.U.D.-E-PELA-SOCIEDADE-PORTUGUESA-DE-ESCRITORES-.aspx



-FERREIRA, Ana Maria – Fernanda Almeida partilha berço com o escritor Aquilino Ribeiro in http://expresso.sapo.pt/aquilino-ribeiro-fernanda-almeida-partilha-berco-com-o-escritor-cfotos=f117118 / Agência Lusa, 15.9.2007

-LIMA, Conceição – As Reconfigurações do Amor em Aquilino Ribeiro: Incursão em Obras Representativas.- Dissertação de mestrado in https://estudogeral.sib.uc.pt/bitstream/10316/15188/1/Disserta%C3%A7%C3%A3o%20mestrado_Concei%C3%A7%C3%A3oLima.pdf, s. l., s.d.

-QUEIRÓS, António dos Santos - Aquilino Ribeiro e a Filosofia da Natureza e do Ambiente in http://philoetichal.blogspot.pt/p/projecto-de-investigacao-filosofia-e.html?showComment=1365462770347, acedido em 15.4.2015


------------------ “O militante nº 260” in http://www.pcp.pt/publica/militant/260/p18.html).

Tags.: Aquilino Ribeiro; Terras do Demo, luta cívica, Panteão Nacional, literatura, património imaterial, património edificado, património paisagístico, património natural

2 comentários:

  1. Quis Deus ainda ter conhecido Aquilino pouco tempo antes dele morrer, era eu um jovem de 15 anos e não esquço a lição que ele me deu e aos outros finalistas do curso comercial.
    Com virtudes e defeitos, aqueles muito maiores que estes, foi sem dúvida um Homem e um grande escritor.
    Obrigado por no-lo ter recordado.
    Um abraço amigo.

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  2. Obrigado caro Jorge pelo seu importante testemunho.

    Abraço.

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