Exposição do Património de Telecomunicações no
Piso 3
Telegrafia elétrica e telefonia
Visa-se, com este artigo, divulgar os
patrimónios e as formas de apresentação dos mesmos, especialmente os de
telecomunicações, nos anos 80. Deve ter-se em conta que a formação dos conservadores/museólogos, arquitetos e designers e os meios e materiais aplicados às exposições desses anos não eram os mesmos que os atuais. De lá para cá, há um intermédio de mais de 30 anos de investigações, de desenvolvimento da documentação, técnicas e materiais. Logo, a descrição que pode, eventualmente, parecer de crítica negativa, deve ser entendida com a intenção positiva de divulgar o que existia e foi feito com as condições da época.
Telegrafia elétrica Bréguet,
a primeira a ser introduzida em Portugal no ano de 1855 quando o jovem rei D.
Pedro V iniciava o seu reinado. Esta secção abria a exposição do 3º piso.
Seguia-se a: Telegrafia
em código morse nomeadamente com peças dos
portugueses Cristiano Augusto Bramão e Maximiliano Augusto Herrmann. Cristiano
fora inovador na telegrafia e na telefonia, ajudando a elevar a Direcção
Geral dos Telegrafos portugueses à categoria dos galardoados na Exposição
Universal de Paris, de 1878, tal como descrito pelos responsáveis de uma das
maiores exposições de sempre. A referência a Portugal, nomeadamente no que
concerne às telecomunicações carateriza-se na seguinte comunicação:
“Exposition
Universelle de 1878. Distribuition des Recompenses aux Exposants et Procédes de
la Télégraphie: Grands prix. Diplomes d` honneur equivalent a une grand
medaille. Direction
Générale des Télégraphes Portugal” (1).
Cristiano Augusto recebera da Direcção
dos Telegrafos a quantia de 700.000 reis para o registo da patente do seu
telégrafo em vários países, antes de ter sido apresentado em Paris na
Exposição Universal. Em 1872 o Director dos Telegrafos portugueses
Valentim do Rego referiu-se a Cristiano nos seguintes termos: “O empregado mais apto que tenho para
dirigir o ensino […] é o telegrafista de 1ª classe Cristiano Bramão […]. Em 20
de Julho de 1872 foi-me presente uma memória pelo telegrafista Bramão, sendo o
novo aparelho telegráfico de sua invenção, com o qual esperava […] produzir 33%
de serviço a mais com o mesmo trabalho […]. Estudando a questão […] mandei
construir um aparelho conforme as indicações do inventor […]. Este aparelho
começou a ensaiar-se em Dezembro de 1872 entre Lisboa e Carcavelos e em
consequência dos bons resultados obtidos achavam-se em Agosto de 1874, 10
destes aparelhos a funcionar regularmente”
(2).
Também em relação ao patronímico
Herrmann, apenas ligeiramente indicado em legendas: telefónicas e telegráficas,
o visitante não se apercebia do valor deste autor para as telecomunicações.
Alguns visitantes pensavam que se tratava de um autor estrangeiro, no tempo em
que o quase homónimo Herman José ainda não estava consagrado na galeria
dos artistas. O
patronímico Herrmann (ainda com dois rr e dois nn) parecia
indicar-nos que se tratava de alguém distante. Não era o caso. Maximiliano
Augusto Herrmann, era natural de Lisboa, industrial, inventor e
inovador. Morou na Calçada do Lavra, nº 6 – Lisboa, onde possuiu uma das
maiores oficinas portuguesas de construção e assistência a diversos
equipamentos. Herrmannn
também foi notável nos caminhos de ferro; deu início à introdução da iluminação
elétrica e manufaturou diverso equipamento mecânico e eletromecânico. A título
de exemplo: Foi o próprio Maximiliano Herrmann quem construiu o
telégrafo e telefone inovadores de Cristiano Augusto Bramão; inventou e
construiu o seu próprio modelo (Herrmann) batizado de “Telefone
Privilegiado”.
Telegrafia Hughes,
também conhecida como telegrafia modelo piano por apresentar um teclado de
caracteres alfa numéricos servindo de transmissor. Este telégrafo fora objeto
de inovação portuguesa. Contudo na exposição não se notava esse importante
contributo português;
Telegrafia Baudot
(3) de transmissão de uma até quatro mensagens pela mesma linha e ao mesmo
tempo. Também conhecido por sistema multiplex – revelava a inovação de Jean
Maurice Émile Baudot no último quartel do século XIX. Este engenheiro dos
correios e telégrafos franceses contou, já no século XX, com uma aplicação portuguesa
de suma importância. Tratou-se de um regulador de velocidade e estabilização
que permitiu viabilizar e divulgar a telegrafia multiplex em vários países. As
frequentes alterações da força motriz da corrente elétrica criavam quebras e
picos prejudiciais para a transmissão. Impunha-se uma inovação. Inicialmente
projetada por António dos Santos, ex-aluno da Casa Pia de Lisboa na primeira
década do século XX. Esta inovação foi posteriormente desenvolvida por
Francisco Mendonça e Cassiano de Oliveira, empregados dos Correios
Telégrafos e Telefones de Portugal.
Novas telegrafias com
teleimpressores, vulgo telex: A segunda metade do século XX
assiste à introdução do telex em estações públicas dos CTT nas empresas e
agências subscritoras do serviço. A nova telegrafia permite a transmissão e a
receção de telegramas sem necessidade de aprendizagem de códigos. Os
teleimpressores, também conhecidos por telex eram aparelhos modernos, parecidos
com máquinas de escrever elétricas. Renovaram as agências de notícias,
viagens, serviços meteorológicos e empresas. Contudo faltava alguma informação
complementar: sobre as redes, tráfego e contexto que chamasse a atenção
para este novo tipo de telegrafia iniciada em Portugal nos anos 40; só
“destronada” pelo corfax/telecópia na década de 90.
Aparelhos terminais telefónicos:
Na sala de telefones expunha-se um acervo significativo, constituído por
modelos precursores (4), alguns da autoria de inventores e inovadores
portugueses. Telefones
e centrais de comutação manuais através da intervenção de
telefonistas. A exposição de telefones e comutadores apresentados sem
imagens de telefonistas ou manequins que indicassem o ambiente de trabalho
nas Estações e Postos tornava-se pobre de informação e emoção.
Sala de Telefones automáticos:
Entre todas as salas do 3º piso esta era a que mais despertava a atenção.
Podia mesmo dispensar documentação. O conteúdo era ainda recente. Expunham-se
telefones com marcadores rotativos, muito comuns na época (anos oitenta).
A central de comutação com busca e seleção dos números através do processo
“sobe e roda”, segundo a gíria dos técnicos CTT e TLP era uma peça chave.
Despertava-se a atenção dos
visitantes ao poderem ligar de um telefone para outro, ao verem e ouvirem in
loco o processo automático de seleção de linhas. Tratava-se duma sala de
conhecimento prático, de contacto vivo e de animação. Poderia, contudo, ali ser
apresentada alguma informação sobre tráfego telefónico; imagens de manutenção
nas Estações e diagramas relativos a redes de comunicações. Porém, Este espaço
era apreciado e ali se acumulavam pessoas, sobretudo quando havia visitas de
grupo.
Equipamentos
de comunicação radioelétrica
A sala era pequena para integrar
peças e informação que pudessem dar uma ideia do que eram e como funcionavam os
serviços, mormente em relação com as Ilhas. Apresentavam-se diversos
equipamentos, o que era natural porque as comunicações radioelétricas insulares
foram muito utilizadas. Na década de 70 (finais) pensou-se na descentralização
do Museu dos CTT, tendo sido enviados espécimes para integrar um polo de museu
em Ponta Delgada, o que parece ainda não se ter concretizado até
ao presente.
Quanto à representação telefónica e
telegráfica por via radioelétrica no território continental, seria de bom-tom
apresentar algo sobre os serviços de gestão e fiscalização do espectro de
rádio. Sendo
a Direção dos Serviços Radioelétricos como um virtual agente sinaleiro do
espaço no continente e ilhas (5), convinha que o visitante saísse da
exposição com uma ideia sobre estas transmissões, estudo das
condições de propagação, licenciamento, regulação e redes. O visitante gostaria
de saber qual o papel das organizações e utilizadores das frequências
radioeléctricas, sendo um bem escasso a gerir.
Os anos 80 coincidiram com as
fortes cheias do Ribatejo e com o devastador terramoto dos Açores, onde as
comunicações via rádio, incluindo: redes privativas, radioamadores,
utilizadores da banda do cidadão e Direção dos Serviços Radioelétricos
tiveram um papel relevante, prestando um verdadeiro serviço público e de
cidadania. A secção radioeléctrica do Museu não abordava esse papel social,
humanitário e de gestão destas comunicações: públicas, privativas e
particulares. Havia nesta sala escassez de informação sobre o serviço
público e organização das frequências no espaço português: entre
Portugal continental, o espaço marítimo, a Madeira e os Açores.
Outros comentários à exposição:
Não obstante a informação que se poderia obter na sala de telefones,
provocava-se alguma sensação de “enfartamento”, dada a quantidade de objetos
mas pobre em cenário e elementos interpretativos. Os vários tipos de
telefones não estavam apresentados por um fio condutor facilmente percetível ao
visitante comum. Contudo, cineastas, artistas de teatro, de televisão,
escritores e todos os que procurassem interesse funcional e estético poderiam
ter ali matéria de inspiração. Releve-se que a decoração interior do
Museu atenuava a componente técnica, embora alguns museólogos
tivessem a impressão contrária, isto é, para estes especialistas a decoração do
interior do edifício dispersava as atenções em relação à exposição.
Um dos primeiros exemplos de
legendas: “Telefone Bramão, 1879 / Construtor Herrmann, Lisboa / Modelo com
chamada por manipulador Morse” não era muito atrativo (v. infra outras
legendas). Os nomes de Bramão e Herrmann em algumas legendas, como a
acima indicada, não despertavam muita motivação e informação. Quanto
a Cristiano Augusto Bramão conviria que o visitante ficasse com uma ideia do
contributo deste técnico e autor para as comunicações. Num relatório de 1865, o Conselheiro
José Vitorino Damásio, Director-Geral dos Telégrafos escreveu o seguinte em
relação ao telégrafo de Cristiano Bramão e construído por Maximiliano
Herrmann: “Um
aparelho deste sistema [telegráfico] tem funcionado na Estação Central de
Paris, e ali mereceu a aprovação das pessoas entendidas […]”
(6). Porém, esta citação, ou outras referências equivalentes não faziam parte da exposição; apenas contávamos com legendas consideradas demasiado técnicas, como as abaixo indicadas:
“Telefone de parede de bateria
central / tipo ATM 332”;
“Telefone de parede / com
microtelefone fixo / sistema de bateria central / usado pela APT”;
Telefone de parede / com
microtelefone e chamada por corrente contínua”;
“Telefone de mesa de bateria
central / cor de marfim / tipo: 7A”;
“Telefone de mesa, / com
microtelefone e chamada por magneto”.
Nota de contexto museológico:
A ideia que o cidadão comum fazia dos museus como instituições do passado
(não só referente ao Museu dos CTT) resultara das crises por que passaram,
depois da II Guerra Mundial, em parte devido à concorrência de outros meios de
informação (rádio e televisão); falta de condições económicas para renovar
cenários de exposições; saída de públicos ou potenciais públicos para a
emigração e para o serviço militar obrigatório no continente e ultramar.
Chegado o 25 de Abril de 1974 as
atenções voltaram-se para outras sensibilidades e olhares, tais como o usufruto
de liberdades, constituição de associações e reorganização económica.
Os museus continuaram à espera
de novas formas de apresentação dos patrimónios com novas museografias.
Nos anos 80 a APOM – Associação Portuguesa de Museologia vinha-se
esforçando com a presença e apoio a eventos e formação; mas foi o MINOM –
Movimento Internacional para uma Nova Museologia quem
primeiro lançou debates inovadores ("a pedrada no
charco", no dizer de Mário Moutinho) sobre os processos museológicos
e museográficos com a atenção mais voltada para as pessoas, as
localidades, os novos patrimónios, naturais e imateriais, do que para as peças
tradicionais de arte, arqueologia e etnografia. Com a viragem do século as
duas Associações começaram a convergir em termos de abordagem conceptual.
Contudo o Museu dos CTT, e
temporariamente dos TLP, promoveu nesses anos algumas formas
mediadoras dignas de destaque na divulgação do património e programas
de comunicações, sobretudo no seio das comunidades escolares. Em
próximos artigos faremos referência ao contributo do Museu dos
CTT e TLP.
Notas:
(1)FERREIRA,
Godofredo. Anotações in BARROS, Guilhermino Augusto de – Memória Histórica
Acerca da Telegrafia Eléctrica em Portugal. Separata do Guia Oficial dos CTT,
2ª ed. ampliada com notas, gravuras e retratos coligidos por Godofredo
Ferreira, Lisboa, 1943, p XCVIII.
(2)Id.,
pp. LXXV-LXXXIV
(3)BAUDOT, Jean-Maurice-Émile (1845 - 1903), francês, Inventor da
telegrafia simultânea (até 4 mensagens).
(4)Precursores,
isto é, iniciais, que estão entre os primeiros modelos concebidos e ainda se
consideram na fase experimental.
(5)Atividade
hoje a cargo da ANACOM – Autoridade Nacional de Comunicações.
(6)FERREIRA,
ob. cit. pp. LXXV-LXXXIV
Fontes:
-ANCIÃES, Alfredo Ramos – Ensaio de Investigação
e Organização da Telegrafia do Museu dos CTT. Lisboa: Edição pessoal
realizada no âmbito de Seminário de Biblioteconomia e Arquivologia. Lisboa: UAL
“Luís de Camões”, 1987/1988, 85 pp.
---------------- O Museu dos CTT.
Lisboa: Arquivo UNL, 1988/1989. Disponível também em Arquivo do Grupo dos
Amigos do Museu das Comunicações
-APOM – Panorama
Museológico Português: Carências e Potencialidades. Actas do Colóquio APOM / 76. Porto, 1 a 5 de
dez, 1976
-MOUTINHO,
Mário -
"Museus
e Sociedade".
In Textos de Museologia. Jornadas sobre a Função Social do Museu. Cadernos do
MINOM Nº 1, 1991
-NASCIMENTO,
Rosana -
A
Historicidade do Objecto Museológico, Cadernos de Sociomuseologia Centro
de Estudos de Sociomuseologia, 3-1994, Lisboa: ULHT
-SANTOS,
Rogério –
Do
telefone à central digital: contributos para a história das telecomunicações em
Portugal.
Lisboa: TLP, 1989
-TLP
–
1882-1992,
110 anos a telecomunicar. Lisboa: TLP, 1992
-VIANA,
Mário Gonçalves –
Arte
de organizar colecções exposições e museus. Porto: Ed. Domingos Barreira, 1972
Em
linha, acedidas em 5.5.2015:
ANCIÃES,
Alfredo Ramos –
Minhas
memórias
-
Exposição 2º Piso Museu dos CTT in http://museologiaporto.ning.com/profiles/blogs/37-minhas-mem-rias-exposi-o-2-piso-museu-dos-ctt
------------------
Minhas memórias do Museu dos CTT Rés-do-Chão da Rua de D. Estefânia entre Abril
de 1983 e Maio de 1985 in http://museologiaporto.ning.com/profiles/blogs/34-minhas-mem-rias
------------------
Museologia entre o Estado Novo e a Democracia: O caso do ex-Museu dos CTT e TLP
in http://museologiaporto.ning.com/profiles/blogs/21-museologia-entre-o-estado-novo-e-a-democracia-o-caso-do-ex
------------------
Notas da TSF / Rádio Pública no antes de 25 de Abril 1974 in http://cumpriraterra.blogspot.pt/2014/05/09-notas-da-tsf-radio-publica-no-antes.html
----------------- Proto-Museu Postal e Biblioteca in http://museologiaporto.ning.com/profiles/blogs/25-proto-museu-postal-e-biblioteca
-------------------- Um Bispo Museólogo Arquivista Bibliotecário Investigador Divulgador in http://museologiaporto.ning.com/profiles/blogs/29-um-bispo-muse-logo-arquivista-bibliotec-rio-investigador
-BAUDOT, Jean-Émile-Maurice in https://pt.wikipedia.org/wiki/%C3%89mile_Baudot
-SILVA,
Luis Marques da – Rua de Dª Estefânia, Antigo Museu dos CTT in http://luismarquesdasilvaarquitectura.blogspot.pt/2009/07/rua-de-dona-estefania-antigo-museu-dos.HTML
Parabens amigo e obrigado por mais um excelente post.
ResponderEliminarUm abraço.
Obrigado Jorge pela sua presença e observação.
ResponderEliminarAbraço.