À TERRA DOS SULTÕES
“Comendo alegremente, perguntavam,
Pela Arábica língua, donde vinham,
Quem eram, de que terra, que buscavam,
Ou que partes do mar corrido tinham?
Os fortes Lusitanos lhes tornavam
As discretas respostas que convinham:
«Os Portugueses somos do Ocidente,
Imos buscando as terras do Oriente” (1)
O Estado da Turquia tem cerca de nove vezes a
superfície de Portugal e a sua população ultrapassa os 75 milhões de vidas
humanas. Herdeiro dos restos do Império Otomano, o território apresenta-se,
grosso-modo, numa grande península entre os Mares do Norte, Mediterrâneo e
Egeu, pertencendo a maior parte ao continente asiático e uma pequena parte ao
europeu. Não obstante esta situação geográfica e a distância que separa a
Turquia de Portugal, a sua população é fisionómica e culturalmente parecida com a nossa.
Devo dizer que nesta minha viagem, entre
Istambul e a costa do Egeu, nomeadamente na cidade arqueológica grego-romana de
Éfeso (2), Bodrum (3) e em algumas zonas rurais adjacentes, a população com
quem entro em contacto diz-me que o povo turco é parecido com o português.
Depois de uma pequena conversa com as pessoas
confesso que fico com pena de não falar abertamente sobre as antigas
relações dos portugueses com o povo turco mas o bom senso diz-me que devo ter
alguma contenção na linguagem. Com efeito, desde a I viagem de Vasco da Gama à
Índia e durante muitos anos tivemos que combater o poderio turco no Oriente. O
estereótipo que muitas vezes fazemos deste povo como sendo de pele escura, com
bigode e no que consta à indumentária muito diferente da nossa, não corresponde
à realidade. Não vejo muita diferença.
Em Istambul questionei um Guia e um Gerente
de Hotel sobre o modo de vestir ligado ao Islamismo e eles me confirmaram que
são poucos os homens que se apresentam com os trajes típicos associados aos muçulmanos.
Os que se encontram com traje a rigor, regra geral não são Turcos,
embora possa haver um ou outro caso de cidadãos nacionais. Assim, foram caindo
alguns clichês que eu trazia e inclusivamente quanto à segurança. Neste aspeto
a ideia inicial era de alguma perigosidade por ser estrangeiro e por ser
cristão mas, de facto, além de ser confundido com os turcos, encontrei simpatia
e tolerância.
Ainda a respeito da religião pergunto ao Guia
local se está obrigado a orar a horas certas quando é feita a chamada pelos
minaretes das mesquitas. Ele responde-me que tem uma obrigação apenas moral;
que ora por convicção e se não puder fazê-lo, às horas certas, compensa
posteriormente. Entre os sítios e monumentos mais emblemáticos que visito
destaco um passeio pelo Bósforo, entre o Mares de Mármara e o Negro, onde vejo uma
miríade de embarcações e pescadores nas margens dos canais do Bósforo e do Corno de Ouro. Nestas mesmas
margens os palácios, mesquitas e minaretes sucedem-se e ainda se veem casas
típicas otomanas em madeira.
A Hagia Sofia corresponde à antiga Igreja/Basílica
de Santa Sofia. Os Lusíadas e a biblioteca que consulto dizem-me que a 29 de
Maio de 1453 – dia da queda de Constantinopla, o conquistador Maomé II estipula
que este património cristão passa à função de Mesquita. Dizem-me também que Maomé II
foi tolerante para com os vencidos que ficaram nesta velha Roma do Oriente e que foi nomeado um
Patriarca para os Cristãos.
Hoje em dia Haghia Sophia está dotada para
cumprir a função museológica, pela monumentalidade da construção e
pelas sepulturas dos Sultões e familiares. Junto a estes túmulos dos Sultões
da época de Camões lembro a História bélica entre portugueses e turcos.
Alguns destes turcos aqui sepultados apoiaram as guerras e escaramuças ao
tempo da expansão de Portugal. Visto hoje, à distância, lembro que ambos os
povos fizeram História relacionada com a expansão e os negócios das especiarias. Aqui
recordo também que turcos e, especialmente, portugueses foram precursores no
processo de globalização, na difusão de culturas e de patrimónios.
Volto ainda a Haghia Sophia, sob vários
aspetos, monumento digno de ser visitado. Com quase 1.500 anos de existência
ajuda a compreender o mundo e as pessoas. Data do tempo do Imperador cristão
Justiniano, isto é, do ano 537. Os seus alicerces são ainda mais antigos,
alguns datados do tempo do Imperador Constantino (272-337) o primeiro dos Imperadores
a converter-se ao Cristianismo. Aqui mandou construir uma Igreja
entretanto destruída mas onde posso ainda ver os alicerces arqueológicos. Deste
modo temos neste local um conjunto edificado dos mais
antigos do cristianismo acrescentado com elementos do
islamismo.
Quase em frente e não menos monumental
encontra-se a Mesquita Azul. Esta data de 1616. A grande Praça de Sultanahmet
onde se situam a Haghia Sophia e a Mesquita Azul coincide, se não no todo, pelo
menos em parte com o antigo Hipódromo Romano, construído no ano 200. Neste
espaço posso ainda ver, entre outros monumentos, o obelisco egípcio que data de
1500 a. C. construído previamente na cidade de Luxor e transferido pelo
Imperador Constantino para Constantinopla. De 479 a. C. é a coluna serpentina,
que foi transferida de Delfos (antiga cidade grega).
Quanto à Turquia independente e moderna, esta
data de 1923, na sequência da I Guerra Mundial, bem como da criação da
Sociedade das Nações e da queda do Império Turco Otomano. O principal arauto e
realizador desta Turquia moderna foi o Presidente Atatürk que inteligentemente juntou
os restos do Império Otomano, construindo um grande país, cioso da preservação
das suas origens, memórias e patrimónios, simultaneamente virado para os
negócios e o turismo.
Após as suas reformas, a República Islâmica
da Turquia baseia-se em princípios democráticos, constitucionais e seculares.
Com esta secularização parece que nem todos os Turcos entram diariamente nas
Mesquitas, nem são obrigados a orar 5 vezes por dia, todavia consta que o
Estado Turco tem um organismo de “assuntos religiosos que visa orientar a moral
das famílias” e salvaguardar os princípios do Islão” (4).
Em termos de respeito e defesa pela natureza
ambiental e animal posso constatar que vi pouquíssima zona ardida, em
comparação com os países mediterrânicos. Isso parece indicar que não há pirómanos
na Turquia e também que as matas são mais limpas do que entre nós, em Portugal.
Quanto à natureza animal, em Istambul, por exemplo, cidade com cerca de 13
milhões de habitantes vi imensos felinos pelas ruas mas, de maneira geral, bem
tratados. À porta das casas, das lojas e bazares, os proprietários alimentam os
seus gatos e os que andam pelas ruas.
Os felinos passeiam-se e dormitam
tranquilamente sobre as mercadorias à venda, por exemplo nos tapetes e almofadas turcas. Ninguém lhes faz
mal. Até sobre as campas dos cemitérios os vejo andar e aqui, nestes lugares de
memória e devoção, também os alimentam. Aliás, os cemitérios são locais onde as
pessoas passeiam e há miradouros, teleféricos, lojas e até restauração dentro destes
espaços, o que demonstra apego aos antepassados, sem medo, repulsa, preconceito.
Em termos religiosos constato a existência de
algumas Igrejas de culto cristão. Vejo signos de cruzes em Haghia Sophia
(Istambul), em Éfeso (5), Meryiemana
(6) e em Selçuk (7) demonstrando respeito e
tolerância pelos mesmos sinais.
Notas:
(1) Os Lusíadas / Luís de Camões, canto I, estrofe 50.
(2) Éfeso – Cidade do mundo antigo onde São Paulo proclamou as suas
epistolas aos Efésios. A cerca de 6 km da antiga Éfeso, hoje território Turco
situa-se Meryiemana. Trata-se do local onde alegadamente se encontra a ex-Casa
da Virgem Maria. Consta que aqui veio a falecer (ou entrou em “dormição”). Na
realidade após a morte de Cristo não teria condições de permanecer em Jerusalém
e, segundo as palavras de Cristo, quando estava desfalecendo na cruz pediu a
João Evangelista que tomasse conta da Mãe. Nesta deslocação da sua morada para
a envolvência de Éfeso terá João escrito o seu Evangelho, ao lado da casa de
Maria. Em memória foi aqui (actual localidade de Selçuk) construída uma grande
Igreja no tempo do Imperador Justiniano (527-565). A mesma ainda perdura,
embora muito incompleta mas com relevante valor arqueológico.
(3) Bodrum – hoje uma cidade essencialmente virada para o turismo,
sobretudo no Verão, pelas suas águas tépidas, calmas e cristalinas entre os
mares Egeu e Mediterrâneo. Corresponde à antiga cidade grega Halicarnasso de
onde era natural Heródoto – conhecido como o pai da História e onde se
encontrava localizada uma das sete maravilhas do mundo antigo, isto é, o grande
Mausoléu do rei Mausolo, daí a origem do termo.
(4) Turquia Guia American Express, p. 17
(5) Éfeso, local onde S. Paulo escreveu e/ou leu a célebre
carta aos Efésios.
(6) Meryiemana, local de
veneração cristã e muçulmana, onde consta ter vivido a Mãe de Jesus Cristo,
após a crucificação.
(7) Selçuk, local onde consta ter vivido S. João Evangelista.
Referências bibliográficas:
-CAMÕES, Luis de - Os Lusíadas. [Lisboa]: Ed. Expresso com o
apoio Grupo Totta, vol. I, dir., coord., concep., exec. José António Saraiva,
Mónica B. Penaguião et al. , 2003
-NACI, Keskin; KAZIM, Inanc - Éfeso.
Ankara: Leskin Color A. S., 2008.
-NICK, Inman; VASCONCELOS, Eduardo et al - Istambul Guia American Express. Londres: Dorling
Kindersley Limited, 1998 ©. Porto:
Civilização Editores, Ldª, 1998
-NICK, Inman; SILVA, Joana Ferreira et al. - Turquia Guia American Express. Londres: Dorling
Kindersley Limited, 2003 ©. Porto: Civilização Editores, Ldª Porto, 2003
Referências em linha acedidas em 30.12.2014:
-Haghia Sophia in
-Queda de
Constantinopla in
Bela descrição amigo Alfredo.
ResponderEliminarSem dúvida que fiquei melhor elucidado- Obrigado.
Feliz 2015 para si e todos os seus e um abraço.
Obrigado caro Amigo Jorge,
ResponderEliminartambém para si, família e próximos um Ano muito Feliz.
Abraço
Caro Alfredo Ramos Anciões
ResponderEliminarTomando boa nota do que está descrito e bem, se acrescenta bastante a cultura de cada um. Depois de ler bem tudo, nada custa a crer que em determinada época, o entrelaçar desta cultura com a portuguesa, algo as tenha influenciado.
Desejo Bom e Feliz Ano de 2015.
Abraços
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarCaro Daniel
ResponderEliminarObrigado pela visita. Acontece que esses pontos de contacto com a cultura turca, alguns provêm, em meu entender, de antes do encontro - Descobrimentos. Os contactos anteriores aos Descobrimentos eram feitos via terrestre. As invasões bárbaras de Leste para Oeste também terão tido influência na mistura de povos. Portugal está no fim da linha terrestre do continente euroasiático. Aqui vieram parar pessoas que deambularam à procura de alimentação, minerais e/ou empurrados por outros povos.
Abraço e Bom Ano de 2015.
"Boa noite Alfredo!
ResponderEliminarGostei muito da sua apreciação histórico-cultural da viagem que fez à Turquia.
Acrescento que já no Império Romano circulavam comerciantes por todas as províncias desse Império e a actual Turquia fez parte do Império Romano.
Quando estive no Egipto, também me disseram que tinha aspecto de turca.
A Turquia tem um passado histórico-cultural riquíssimo, é um país que também quero um dia visitar.
Informo que não consegui comentar isto directamente no seu Blogue".
P. S. Comentário enviado por e-mail, dia 27.1.2015 pela professora de História Fernanda Henriques.
Obrigado caríssima professora pela sua participação.
EliminarCumprimentos
AA
P. S. Esta Carta (aberta) aqui publicada foi resumida por duas vezes para a não tornar muito maçuda. A primeira versão incluía mais de uma dezena de fotos e texto mais longo. A Professora Fernanda Henriques (da USMMA) enviará também em anexo a 2ª versão com 6 fotos e o texto que mais interessa sublinhado a amarelo.
ResponderEliminarCumprimentos.
Alfredo Anciães