quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

Instituto de S. João de Deus – Casa de Saúde do Telhal (ISJD / CST)


 

Palavras-chave: Casa de Saúde do Telhal - Sintra, Museologia, Proximidade; Psicologia, Psiquiatria, São João de Deus
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A funcionar desde 1893 no espaço rural de uma antiga quinta.

O Papa Pio IX nos anos sessenta do século XIX encarrega Bento Menni (beatificado e canonizado por João Paulo II, respetivamente em 1985 e 1999) de restaurar a Ordem Hospitaleira de São João de Deus em Espanha e só depois Bento Menni passa para Portugal, já nos finais do século XIX, seguindo-se o México, países onde as Revoluções Liberais haviam deixado marcas de extinção ou de quase apagamento.

Chegado ao Telhal Bento Menni, funda a Casa com diversas dificuldades político-religiosas. Com a implantação da República perdera-se a formação de Noviciado e a possibilidade de fazer votos institucionais. Contudo, passado o desvario persecutório às Instituições Religiosas, a Casa acaba por ser inteiramente restaurada, em 1921, ainda no tempo da I República. Um tal Frei Elias com muita diplomacia e bondade acaba por docilizar os ímpetos dos mais ardentes republicados de 1910.

Estão actualmente internados no Telhal cerca de duas centenas de doentes do sexo masculino. No que toca à medicina, não é mais uma obra do género de Rilhafoles ou do antigo Júlio de Matos. No Telhal os doentes entram em difíceis situações e com a continuação dos tratamentos (um tanto na tradição do fundador) são muitas vezes confundidos com pessoas consideradas não doentes. É nesta óptica que poderemos apreciar a actual exposição temporária do Museu São João de Deus de Psiquiatria e História (MSJD-PH)  e em que a museologia apresenta séries de retratos de pessoas, doentes e familiares onde por vezes é difícil ou mesmo impossível detetar quem é quem - se doente, se são. Acrescente-se que este Museu preserva cerca de 10.000 peças da sua relação histórica e se encontra bem organizado, depois de ter sido fundado nos anos 20 do século XX, com a designação de Museu da Loucura, nome não abonatório se pensarmos na loucura propriamente dita. Outras designações mais apropriadas virão.

Talvez o nome quisesse também sugerir o pensamento de São João de Deus, em que, para ele, louco é entregar-se ao sentimento da misericórdia e entrega aos pobres, como uma entrega a Cristo.

Numa segunda fase o museu é designado por Museu Ergoterápico (sendo que ergo vem do grego e significa trabalho manual), logo com o significado de museu de terapia manual ou pessoal. A terceira e actual designação Museu São João de Deus de Psiquiatria e História (MSJD-PH) acaba por estar conforme aos tempos modernos. Respeita o valor histórico da Instituição, sendo também uma mais-valia para a História Local e Geral.

Neste Museu podemos apreciar 7 (sete) coleções, a saber: 1 Arte Sacra; 2 Arte Psicoterápica; 3 Medicina; 4 Enfermagem, 5 Farmácia, 6 Etnografia e 7 Fotografia.

A Capela (também há quem lhe chame Igreja) da Instituição situa-se ao lado do Museu e tem igualmente um grande interesse. Deveria, em nossa opinião, estar integrada e ser coorganizada com o Museu. Trata-se de uma unidade de assistência aos devotos. Concentra importante valor informativo, documental, artístico e de assistência aos doentes. A sua ligação orgânica ao Museu não será despicienda.

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Na coleção artística o Museu integra peças da antiga Escola Secundária Apostólica que esteve aberta ao público em boa parte do século XX. Destaque-se que na pintura o Museu apresenta obras executadas pelos próprios doentes e colaboradores da Casa.

A título de exemplo, poderemos apreciar os seguintes artistas que foram doentes na Casa de Saúde do Telhal

Abel Salazar (nasceu em Guimarães, 1889 – morreu em Lisboa, 1946) notável médico, professor, investigador inclusivamente no homónimo Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar. Também foi pintor onde a temática do social é evidente. Podemos conotá-lo como precursor da corrente neorrealista. Abel Salazar acaba por sofrer um esgotamento e recorre aos tratamentos na Casa de Saúde de São João de Deus do Telhal. A obra polivalente encontra-se sobretudo na sua Casa-Museu Abel Salazar, em Matosinhos.

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Outro artista de relevo, doente no Telhal (ISJD / CST) foi: Mário Eloy de Jesus Pereira. Nasce em Algés, 1900 e morre em 1951. Importante pintor da corrente modernista. Passa pela Escola de Belas-Artes de Lisboa, em 1913, mas com o seu temperamento de boémio acaba por abandonar a instituição. Parte para Madrid e Sevilha, visita e estuda os museus, sobretudo o Museu do Prado. Em Portugal é motivado, durante algum tempo, pela estética penumbrista de Columbano Bordalo Pinheiro.

Nos anos 20, a corrente modernista cativa-o. El Grego, Césanne, Van Gogh, Picasso e Matisse são objecto do seu estudo.

As correntes do impressionismo ao expressionismo e ao cubismo com as temáticas sociais são uma inspiração. Nos anos 30 colabora com Almada Negreiros na revista Sudoeste. Recebe o prémio Amadeo de Sousa Cardoso. Nos anos 40 realiza quadros com temas do suicídio, morte e sofrimento. É internado com gravidade no Telhal em 1945. Tem mais 6 anos de vida mas a obra denota sobretudo momentos dramáticos nas representações. O Museu de Arte Moderna no Chiado guarda alguns trabalhos. Em 1996 a Coordenadora Raquel Henriques da Silva dirige uma exposição documentada com um precioso e extenso catálogo.

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Stuart de Carvalhais, nosso vizinho, cuja memória permanece inclusivamente na denominação da Escola Secundária de Massamá, foi outro utente internado no Telhal. Stuart nasce em Vila Real, em 1887 e morre em Lisboa, 1961. É um artista multifacetado em várias áreas, nomeadamente na pintura, no desenho, na ilustração, na caricatura e na banda desenhada, entre outras expressões. Trabalha com Jorge Colaço ainda na primeira década do século XX e no jornal O Século.

Na segunda década abraça as revistas humorísticas, nomeadamente a Sátira. Realiza exposições. Vai até Paris, onde expõem em parcerias. Com a mudança do regime monárquico para o republicano, reaproxima-se de Portugal. Casa-se com uma varina – Fausta Moreira. Na banda desenhada realiza o Quim e Manecas durante mais de 30 anos, até início dos anos cinquenta. Outras publicações periódicas por onde passa contam-se: A Revista Ilustração, A Corja, O Espectro, A Choldra, Diário de Lisboa, Diário de Notícias, e outras. Trabalha conteúdos para postais ilustrados. Recebe o prémio de pintura Domingos Sequeira e expõe no SNI Secretariado Nacional de Informação, Cultura Popular e Turismo no Palácio Foz, em Lisboa. Porém, começa a ser vencido pelo alcoolismo e pelas carências económicas. É então que recorre a materiais menos indicados em termos de durabilidade e de qualidade. Chega a pintar sobre papel vulgar, tábuas de caixotes, com pigmentos em que utiliza até o café e o vinho.

Residiu em Queluz na Rua Conde de Almeida Araújo, tendo a sua casa tradicional sido objecto de concurso público em 2009, sem que as entidades públicas tivessem exercido o direito de preferência. Mais uma casa datada e de referências de autor prolixo se perde com a consequente demolição. A Casa de Saúde do Telhal preserva alguns trabalhos ali elaborados que são datados de uma altura quando o autor já se encontra em fase crítica.

A Casa de Saúde do Telhal representa para Stuart de Carvalhais e tantos outros utentes uma Mãe apiedada que se entrega quando a esperança se abate nos círculos familiares e de vizinhança.

Fontes:

-ÁLVARES, Valentim A. Riesco, fr. ; WALD, Emerich Steiger, fr. – Imágenes de San Juan de Dios. Roma: Ed. Curia Generalizia Ordine Ospedaliero di San Giovani di Dio, 1995

 

ANCIÃES, Alfredo Ramos – São João de Deus: Um Santo Português e Ibérico. Uma Obra e Um Contexto Museológico in https://cumpriraterra.blogspot.com/2019/02/sao-joao-de-deus-um-santo-portugues-e_11.html

 

-FILIPE, Nuno Ferreira, O.H. – São João de Deus: Um Homem Que Soube Amar. Lisboa: Edições Paulistas, 3ª ed., 1990

 

-RTP1 et al - Portugal em Direto – Casa de Saúde do Telhal. 125 Anos ao Serviço do Apoio a Doentes com Problemas de Saúde Mental in https://www.facebook.com/cst.telhal/videos/348665852390525/

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