A igreja com a
sua torre alta e robusta serviu como meio de comunicação sineira. Em meu
entender, também serviu como estrutura para o telégrafo visual, tal como a
Torre de Belém serviu de atalaia e comunicação, antes e após a
institucionalização da telegrafia na segunda década do século XIX.
Adarve (caminho sobre as
muralhas) servindo como ronda, vigia e pequenas torres de comunicação
“Caía a noite e,
pelo recolhido, confiante nos olhos de atentos vigias. Em
espetos enormes rodavam, pingavam a assar, as peças de caça, veados e porcos,
sobre o brasido intenso de cem fogueiras que tingiam a névoa de sangue. Convoca
el-rei os chefes ao pavilhão real […]. Os senhores da Galiza, de Leão,
concordavam. Soeiro Mendes sugeria avançassem as hostes por vias dispersas ao
encontro dos Mouros e os surpreendessem […]. Estivessem atalaiados, em
cilada, pelos cerros das penhas [... ]” (1)
Gravura da Torre de Belém
vendo-se o telégrafo visual português de Francisco Ciera no topo
Consta que o termo
atalaia vem do árabe attalia ou at-talai`a. Porém, investigando
as fontes com atenção vemos que esta designação já é muito citada no Antigo e
Novo Testamento, inclusivamente no século VI a. C. por Ezequiel, 33 onde
fala em “sentinela, vigia, aviso e trombeta”.
Seja como for a
precedência e a proveniência; o conceito de atalaia passou a designar os pontos
altos de observação/vigia para fins de defesa e comunicação. Os árabes,
vizinhos dos hebreus, replicaram o uso do termo e conceito de atalaia.
«Era sexta-feira,
das Calendas de outubro […]. No coração da campina, no lugar de Zalaca, Mouros
e Cristãos, defrontam-se. – São multidão, senhor – disse a Alfonso o alferes. –
Três exércitos – anunciavam batedores, atalaias […]»
(2)
Verifica-se, pois,
que os vigias nas atalaias proporcionaram importantes serviços de defesa e
comunicação. Com a força do hábito as atalaias acabaram por dar o nome a
vária toponímia, nomeadamente a ruas, caminhos, estradas e povoações, incluindo
a Atalaia de Vila Nova da Barquinha, ela própria (a Atalaia) vila e sede de
concelho durante a interessante capicua de 626 anos (1213-1839).
Primeiramente, a
atalaia com a função de vigia e comunicação parece ter funcionado no sítio do
Picoto da povoação da Atalaia/Barquinha. Esta função de atalaia acabou por
ser transferida para a vila, nomeadamente para a igreja local. Neste
interessante templo encontra-se o túmulo do segundo Cardeal Patriarca de
Lisboa, D. José Manoel da Câmara executado pelo Arquiteto Mateus Vicente de
Oliveira natural da freguesia de Barcarena / Oeiras.
Retrato de D. José Manoel da Câmara,
segundo Cardeal Patriarca de Lisboa
Túmulo do Cardeal Patriarca D. José
Manoel da Câmara
Base do mesmo túmulo
O parentesco de D.
José Manoel com a família dos Távoras implicou reforçados cuidados
para que não fosse obrigado a regressar à capital. D. José Manoel gozava aqui
de bons ares e proteção, incluindo o fator segurança a partir da “sua” igreja
atalaiada. Entretanto faleceu e com a viradeira (morte do Rei D. José e
destituição de Pombal) o Cardeal acabou por ficar na Atalaia.
A igreja desta
localidade tem torre sineira mais arrojada do que é comum nas igrejas
de pequenas terras, quer em altura, quer em espessura e perímetro. Logo, tudo
parece indicar que esta torre foi pensada, não só para a função sineira
(3) mas também para a função de vigia e transmissão de telegrafia visual,
nomeadamente na linha de «Lisboa [castelo], Santa Iria, Póvoa, Alverca,
Alhandra, Vila Franca, Povos, Castanheira, Vila Nova, Azambuja, Casa Branca,
Valada, Porto de Mugem, Santarém, Azinhaga […] Atalaia[/Barquinha], Tancos […],
Punhete [atual Constância …], Abrantes».
Torre da igreja da Atalaia
Esta linha de
telegrafia visual tinha os seus postos intermédios distanciados numa média de
13 km que poderia ser superior ou inferior, dependendo da orografia e das
condições habituais de visibilidade. O equipamento era instalado no topo de
edifícios, em torres ou penhascos.
A povoação da
Atalaia, com a sua ruralidade e relativa tranquilidade face a Lisboa, permitiu
ao segundo Cardeal Patriarca um exílio ou esconderijo, onde acabou por falecer.
Mateus Vicente de Oliveira que trabalhava essencialmente para o patriarcado,
traçou o risco do túmulo do Cardeal e terá mesmo acompanhado as obras.
Na ornamentação da
fachada entram duas figuras. Uma, dum homem novo «que simbolizará a juventude e
a vontade de ousar»; outra, dum um homem velho que «significará a experiência e
o bom senso» (4). Ambas as figuras constituem um equilíbrio renascentista para
o conhecimento do mundo com base na razão do saber prático, adquirido nas
viagens dos Descobrimentos e na preparação para as mesmas. Contudo esta igreja
teve vários acrescentos posteriores à Renascença.
A Atalaia é, por
assim dizer, um ponto de interesse e reflexão, inserida num percurso local de
Vila Nova da Barquinha, Almourol, Tancos e Santa Margarida. Prevê-se que
brevemente a zona possa abrir a possibilidade a visitas guiadas aos espólios da
aviação e paraquedismo.
No Castelo de
Almourol, Picoto e Igreja da Atalaia poderão reinstalar modelos históricos de
telegrafia semafórica e sonora, visíveis no local, num centro de interpretação
e/ou em museus da região. Os municípios com o Tejo por perto poderão vir a
fruir dum leito fluvial melhorado, completamente navegável, proporcionando
crescentes atrativos turísticos.
A relação da
Atalaia com Lisboa pode ser desenvolvida, tendo em conta que os Condes da
Atalaia estiveram fixados na capital, onde residiram em dois palácios. Um na
Costa do Castelo. Note-se que os condes da Atalaia foram também marqueses de
Tancos e deram origem à denominação da Calçada Marquês de Tancos. Outro sítio
onde residiram foi na Rua da Atalaia, junto ao Calhariz/Bairro Alto.
Se no primeiro caso
o palácio deu origem à toponímia: Calçada do Marquês de Tancos; já no caso da
Rua da Atalaia, as fontes apontam para outra via. Uma atalaia já ali existia,
antes da urbanização, e esta deu o nome à Rua. Os Condes da Atalaia terão
achado graça à coincidência do nome da sua terra e do seu título nobiliárquico
com uma rua homónima em Lisboa e ali se instaram. Gomes de Brito (olisipógrafo)
cita uma antiga atalaia no local:
«Assento pois como
certo que ali, no sítio mais elevado […] que é hoje o Bairro de S. Roque e com
vista para a cidade, para o lado de Santos, e para o Tejo, se erguia uma
atalaia […] e que daí se trocavam sinais e avisos […]» (5).
Palavras-chave
relacionadas com a segurança e comunicação: adarve, atalaia, aviso, sinal,
telégrafo visual, torre, torre sineira, torre albarrã, torre de menagem, vigia.
Notas:
(1)Campos, F. - O
Cavaleiro da Águia, p.114-115. Trata-se dum extrato da pena de Fernando Campos.
Embora tratando-se dum romance, a interessante obra – O Cavaleiro da Águia -
dá-nos a conhecer muito da História da Península Ibérica, nomeadamente no tempo
dos reinos de taifas e da formação de Portugal. O extrato em referência
reproduz, o que tantas vezes terá sido dito em relação às vigias e comunicações
em atalaias.
(2)Campos, F. - O
Cavaleiro da Águia, ob. cit. p.130. Quanto à Batalha de Zalaca, esta foi
travada em outubro de 1086 nas proximidades de Badajoz. Estiveram em confronto
cristãos da Península, muçulmanos e Almorávidas da Mauritânia, tendo os reis
muçulmanos de Badajoz, Granada e Sevilha vencido esta batalha contra o rei
cristão Afonso VI de Leão e Castela. Veja também https://pt.wikipedia.org/wiki/Batalha_de_Zalaca
(3)Cf. Anciães,
Alfredo Ramos - 38.
Torres Comunicantes … - http://cumpriraterra.blogspot.pt/2015/03/38-torres-e-sinos-que-tanto-dais.html)
(4)Conceito
apresentado em visita guiada ao local pelo prof. Mestre Júlio Cortez Fernandes,
dezembro de 2015.
(5)Brito,
Gomes de in https://toponimialisboa.wordpress.com/2013/02/08/gomes-de-brito-o-olisipografo-criador-dos-estudos-toponimicos/
-Anciães, Alfredo Ramos - Para-Guião Exposição Permanente Secção Patrimonial de Telecomunicações. Lisboa: Fundação Portuguesa das Comunicações, 2001
-Bíblia Sagrada. Lisboa: Difusora Bíblica,
Missionários Capuchinhos, 1984
-Campos,
Fernando – O Cavaleiro da Águia. Miraflores – Algés: Difel 2005
Disponíveis em
linha. Consult. 24.1.2016 -
-Anciães, Alfredo Ramos - 22. Guerra Peninsular e Linhas de Torres: Uma
perspetiva baseada nas ideologias entre o mercantilismo e o liberalismo - http://cumpriraterra.blogspot.pt/2014/11/guerra-peninsular-e-linhas-de-torres.html
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- 38. Torres
Comunicantes: Portugal é memória é presente é mar e é futuro - http://cumpriraterra.blogspot.pt/2015/03/38-torres-e-sinos-que-tanto-dais.html
-Freire, Fernando, O Telégrafo de Ciera” – ano 1810 - Abrantes - Atalaia
(Barquinha) - http://atalaia-barquinha.blogspot.pt/2010/02/o-telegrafo-de-ciera-ano-1810-abrantes.html
-C. M. Lisboa D.P.C. Núcleo de toponímia - A misteriosa atalaia do Bairro Alto
- https://toponimialisboa.wordpress.com/2014/07/15/a-misteriosa-atalaia-do-bairro-alto/
-Comissão da
História das Transmissões, Liga dos Amigos do Arquivo
Histórico Militar - Bicentenário do Corpo Telegráfico 1810-2010
-Geneall.net/pt - D. Francisco Manoel de Ataíde, 1º conde de Atalaia, D. João Manuel de
Noronha, 1º marquês de Tancos, 6º conde da Atalaia - http://geneall.net/pt/titulo/149/condes-de-atalaia/
-Lisboa de
Antanho - http://lisboadeantigamente.blogspot.pt/2016/01/rua-da-atalaia.html
-Martigner, Giles – Sobrevuelo de la Telegrafía Óptica en Lusitania -
Revista Internacional de Historia de la Comunicación; Universidad Complutense
de Madrid – file:///C:/Users/Utilizador/AppData/Local/Microsoft/Windows/INetCache/IE/JY4GMNKL/M1-RiHC-Sobrevuelo-de-la-telegrafia-optica-en-lusitania.pdf
-Wiki. Batalha de Zalaca - https://pt.wikipedia.org/wiki/Batalha_de_Zalaca
- Imagens: 1-2, 4-7 Arq. AA Alfredo Anciães ; 3 gravura CDI/FPC
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