segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

62. AL-ANDALUS / PORTUGAL: ATALAIA ALMOUROL BARQUINHA ET AL

Este artigo visa divulgar patrimónios pouco conhecidos na ótica das comunicações históricas da Península Ibérica / al-Andalus. A localidade da Atalaia, atual freguesia de Vila Nova da Barquinha está relacionada, até pelo seu nome, com as comunicações visuais.

A igreja com a sua torre alta e robusta serviu como meio de comunicação sineira. Em meu entender, também serviu como estrutura para o telégrafo visual, tal como a Torre de Belém serviu de atalaia e comunicação, antes e após a institucionalização da telegrafia na segunda década do século XIX.

 Castelo de Almourol com torre central destacada para menagem e comunicação

 

Adarve (caminho sobre as muralhas) servindo como ronda, vigia e pequenas torres de comunicação
“Caía a noite e, pelo recolhido, confiante nos olhos de atentos vigias. Em espetos enormes rodavam, pingavam a assar, as peças de caça, veados e porcos, sobre o brasido intenso de cem fogueiras que tingiam a névoa de sangue. Convoca el-rei os chefes ao pavilhão real […]. Os senhores da Galiza, de Leão, concordavam. Soeiro Mendes sugeria avançassem as hostes por vias dispersas ao encontro dos Mouros e os surpreendessem […]. Estivessem atalaiados, em cilada, pelos cerros das penhas [... ]” (1)
 
Gravura da Torre de Belém vendo-se o telégrafo visual português de Francisco Ciera no topo

Consta que o termo atalaia vem do árabe attalia ou at-talai`a. Porém, investigando as fontes com atenção vemos que esta designação já é muito citada no Antigo e Novo Testamento, inclusivamente no século VI a. C. por Ezequiel, 33 onde fala em “sentinela, vigia, aviso e trombeta”.

Seja como for a precedência e a proveniência; o conceito de atalaia passou a designar os pontos altos de observação/vigia para fins de defesa e comunicação. Os árabes, vizinhos dos hebreus, replicaram o uso do termo e conceito de atalaia.

«Era sexta-feira, das Calendas de outubro […]. No coração da campina, no lugar de Zalaca, Mouros e Cristãos, defrontam-se. – São multidão, senhor – disse a Alfonso o alferes. – Três exércitos – anunciavam batedores, atalaias […]» (2)

Verifica-se, pois, que os vigias nas atalaias proporcionaram importantes serviços de defesa e comunicação. Com a força do hábito as atalaias acabaram por dar o nome a vária toponímia, nomeadamente a ruas, caminhos, estradas e povoações, incluindo a Atalaia de Vila Nova da Barquinha, ela própria (a Atalaia) vila e sede de concelho durante a interessante capicua de 626 anos (1213-1839).

Primeiramente, a atalaia com a função de vigia e comunicação parece ter funcionado no sítio do Picoto da povoação da Atalaia/Barquinha. Esta função de atalaia acabou por ser transferida para a vila, nomeadamente para a igreja local. Neste interessante templo encontra-se o túmulo do segundo Cardeal Patriarca de Lisboa, D. José Manoel da Câmara executado pelo Arquiteto Mateus Vicente de Oliveira natural da freguesia de Barcarena / Oeiras.

 

Retrato de D. José Manoel da Câmara, segundo Cardeal Patriarca de Lisboa

 

Túmulo do Cardeal Patriarca D. José Manoel da Câmara

 

Base do mesmo túmulo

 Interessante é o facto deste Cardeal ter sido aqui sepultado e não no lugar do panteão dos Cardeais no mosteiro de São Vicente de Fora, em Lisboa. O motivo de D. José Manoel ter vindo falecer à Atalaia, terá sido premeditado, devido à perseguição do Marquês de Pombal aos Jesuítas.

O parentesco de D. José Manoel com a família dos Távoras implicou reforçados cuidados para que não fosse obrigado a regressar à capital. D. José Manoel gozava aqui de bons ares e proteção, incluindo o fator segurança a partir da “sua” igreja atalaiada. Entretanto faleceu e com a viradeira (morte do Rei D. José e destituição de Pombal) o Cardeal acabou por ficar na Atalaia.

A igreja desta localidade tem torre sineira mais arrojada do que é comum nas igrejas de pequenas terras, quer em altura, quer em espessura e perímetro. Logo, tudo parece indicar que esta torre foi pensada, não só para a função sineira (3) mas também para a função de vigia e transmissão de telegrafia visual, nomeadamente na linha de «Lisboa [castelo], Santa Iria, Póvoa, Alverca, Alhandra, Vila Franca, Povos, Castanheira, Vila Nova, Azambuja, Casa Branca, Valada, Porto de Mugem, Santarém, Azinhaga […] Atalaia[/Barquinha], Tancos […], Punhete [atual Constância …], Abrantes».

 

Torre da igreja da Atalaia

Esta linha de telegrafia visual tinha os seus postos intermédios distanciados numa média de 13 km que poderia ser superior ou inferior, dependendo da orografia e das condições habituais de visibilidade. O equipamento era instalado no topo de edifícios, em torres ou penhascos.

A povoação da Atalaia, com a sua ruralidade e relativa tranquilidade face a Lisboa, permitiu ao segundo Cardeal Patriarca um exílio ou esconderijo, onde acabou por falecer. Mateus Vicente de Oliveira que trabalhava essencialmente para o patriarcado, traçou o risco do túmulo do Cardeal e terá mesmo acompanhado as obras.

Na ornamentação da fachada entram duas figuras. Uma, dum homem novo «que simbolizará a juventude e a vontade de ousar»; outra, dum um homem velho que «significará a experiência e o bom senso» (4). Ambas as figuras constituem um equilíbrio renascentista para o conhecimento do mundo com base na razão do saber prático, adquirido nas viagens dos Descobrimentos e na preparação para as mesmas. Contudo esta igreja teve vários acrescentos posteriores à Renascença.

A Atalaia é, por assim dizer, um ponto de interesse e reflexão, inserida num percurso local de Vila Nova da Barquinha, Almourol, Tancos e Santa Margarida. Prevê-se que brevemente a zona possa abrir a possibilidade a visitas guiadas aos espólios da aviação e paraquedismo.

No Castelo de Almourol, Picoto e Igreja da Atalaia poderão reinstalar modelos históricos de telegrafia semafórica e sonora, visíveis no local, num centro de interpretação e/ou em museus da região. Os municípios com o Tejo por perto poderão vir a fruir dum leito fluvial melhorado, completamente navegável, proporcionando crescentes atrativos turísticos.

A relação da Atalaia com Lisboa pode ser desenvolvida, tendo em conta que os Condes da Atalaia estiveram fixados na capital, onde residiram em dois palácios. Um na Costa do Castelo. Note-se que os condes da Atalaia foram também marqueses de Tancos e deram origem à denominação da Calçada Marquês de Tancos. Outro sítio onde residiram foi na Rua da Atalaia, junto ao Calhariz/Bairro Alto.

Se no primeiro caso o palácio deu origem à toponímia: Calçada do Marquês de Tancos; já no caso da Rua da Atalaia, as fontes apontam para outra via. Uma atalaia já ali existia, antes da urbanização, e esta deu o nome à Rua. Os Condes da Atalaia terão achado graça à coincidência do nome da sua terra e do seu título nobiliárquico com uma rua homónima em Lisboa e ali se instaram. Gomes de Brito (olisipógrafo) cita uma antiga atalaia no local:

«Assento pois como certo que ali, no sítio mais elevado […] que é hoje o Bairro de S. Roque e com vista para a cidade, para o lado de Santos, e para o Tejo, se erguia uma atalaia […] e que daí se trocavam sinais e avisos […]» (5).

Palavras-chave relacionadas com a segurança e comunicação: adarve, atalaia, aviso, sinal, telégrafo visual, torre, torre sineira, torre albarrã, torre de menagem, vigia.

Notas:

(1)Campos, F. - O Cavaleiro da Águia, p.114-115. Trata-se dum extrato da pena de Fernando Campos. Embora tratando-se dum romance, a interessante obra – O Cavaleiro da Águia - dá-nos a conhecer muito da História da Península Ibérica, nomeadamente no tempo dos reinos de taifas e da formação de Portugal. O extrato em referência reproduz, o que tantas vezes terá sido dito em relação às vigias e comunicações em atalaias.  

(2)Campos, F. - O Cavaleiro da Águia, ob. cit. p.130. Quanto à Batalha de Zalaca, esta foi travada em outubro de 1086 nas proximidades de Badajoz. Estiveram em confronto cristãos da Península, muçulmanos e Almorávidas da Mauritânia, tendo os reis muçulmanos de Badajoz, Granada e Sevilha vencido esta batalha contra o rei cristão Afonso VI de Leão e Castela. Veja também https://pt.wikipedia.org/wiki/Batalha_de_Zalaca

(3)Cf. Anciães, Alfredo Ramos - 38. Torres Comunicantes … - http://cumpriraterra.blogspot.pt/2015/03/38-torres-e-sinos-que-tanto-dais.html)

(4)Conceito apresentado em visita guiada ao local pelo prof. Mestre Júlio Cortez Fernandes, dezembro de 2015.


 Fontes:

-Anciães, Alfredo Ramos - Para-Guião Exposição Permanente Secção Patrimonial de Telecomunicações. Lisboa: Fundação Portuguesa das Comunicações, 2001

-Bíblia Sagrada. Lisboa: Difusora Bíblica, Missionários Capuchinhos, 1984

-Campos, Fernando – O Cavaleiro da Águia. Miraflores – Algés: Difel 2005

Disponíveis em linha. Consult. 24.1.2016 -

-Anciães, Alfredo Ramos - 22. Guerra Peninsular e Linhas de Torres: Uma perspetiva baseada nas ideologias entre o mercantilismo e o liberalismo - http://cumpriraterra.blogspot.pt/2014/11/guerra-peninsular-e-linhas-de-torres.html

---------------------  - 38. Torres Comunicantes: Portugal é memória é presente é mar e é futuro - http://cumpriraterra.blogspot.pt/2015/03/38-torres-e-sinos-que-tanto-dais.html

-Freire, Fernando, O Telégrafo de Ciera” – ano 1810 - Abrantes - Atalaia (Barquinha) - http://atalaia-barquinha.blogspot.pt/2010/02/o-telegrafo-de-ciera-ano-1810-abrantes.html

-C. M. Lisboa D.P.C. Núcleo de toponímia - A misteriosa atalaia do Bairro Alto -  https://toponimialisboa.wordpress.com/2014/07/15/a-misteriosa-atalaia-do-bairro-alto/

-Comissão da História das Transmissões, Liga dos Amigos do Arquivo Histórico Militar - Bicentenário do Corpo Telegráfico 1810-2010


-Geneall.net/pt - D. Francisco Manoel de Ataíde, 1º conde de Atalaia, D. João Manuel de Noronha, 1º marquês de Tancos, 6º conde da Atalaia  - http://geneall.net/pt/titulo/149/condes-de-atalaia/ 


-Martigner, Giles – Sobrevuelo de la Telegrafía Óptica en Lusitania - Revista Internacional de Historia de la Comunicación; Universidad Complutense de Madrid –  file:///C:/Users/Utilizador/AppData/Local/Microsoft/Windows/INetCache/IE/JY4GMNKL/M1-RiHC-Sobrevuelo-de-la-telegrafia-optica-en-lusitania.pdf


- Imagens: 1-2, 4-7 Arq. AA Alfredo Anciães ; 3 gravura CDI/FPC

 P. S. Devo a inspiração para este artigo à prof. drª Anabela Fidalgo, prof. Catarina Midões, prof. drª Fernanda Henriques e prof. mestre Júlio Cortez Fernandes por me terem incentivado nas disciplinas de literatura, história e património local, abordando o presente tema.  

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