quarta-feira, 26 de agosto de 2015

51.SEPTEM HEPTA SEBTA SEUTA CEUTA


         Ceuta e o Mediterrâneo podem mudar o ciclo de entendimentos: culturais, estratégicos e de desenvolvimento.
Septem, Hepta, Sebta, Seuta e Ceuta foram as designações por que passou o atual território de Ceuta com cerca de 15,5 km2 e atualmente com mais de 80.000 habitantes, segundo senso de 2011.
Aqueles nomes provêm da evolução linguística e dos vários povos que foram habitando o território. Por aqui passaram e viveram Fenícios, Cartagineses, Gregos, Mauritanos, Romanos, Vândalos, Bizantinos, Visigodos, Omíadas, Idríssidas, Malaguenses (de Málaga/Espanha, arabizados), Almorávidas, Almóadas, Murcianos (de Múrcia/Espanha, arabizados); Merínidas,  Háfsidas e Azafis (Berberes), Castelhanos, Nasridas (de Granada/Espanha, arabizados), Portugueses e Espanhóis.
A etimologia do nome significa sete, possivelmente por o território ser importante e possuir colinas, cuja quantidade (sete) é algo arbitrária e atribuída a localidades e cidades clássicas, tal como aconteceu com Roma, Constantinopla, Jerusalém, Lisboa e Ceuta (1), tendo por isso a designação de cidades das sete colinas.  
Em 22 de Agosto de 1415, faz agora seis séculos, o rei d. João, primeiro deste nome e também o primeiro de uma nova dinastia, aventurou-se por mar e terra com um exército, uma elite e os próprios filhos, em direção a Ceuta. O mundo vivia ainda numa época com a mentalidade de cavalaria e de barbarismos. Não há que fazer, hoje, uma análise descontextualizada do que se passou nesse dia.
Contudo, se não fossemos pacifistas, e desejosos de um mundo mais fraterno, festejaríamos esse dia. Estamos no século XXI e temos a noção de que muitos residentes e naturais da antiga Ceuta morreram, outros ficaram sem os seus bens e seus sustentos.
Quando o ser humano é capaz de exercer a alteridade de posições dá nisto, consegue ver as coisas como se fizesse parte do outro lado. Temos consciência que ninguém deveria ser atacado por estranhos na sua própria Terra. Por isso compreendemos que Ceuta, no domínio espanhol, é como uma pedrinha no sapato para alguns dos descendentes do Povo de Ceuta, pré 1415.
Também compreendemos que os tempos eram outros; que Ceuta era um entrave para o trânsito de mercadorias, pelo Mediterrâneo, e que os primeiros a atacar na Península Ibérica, e em outras partes da Europa, foram os Mouros e Árabes. Isso numa altura em que a Europa consolidava nacionalidades em torno de reis, condes, senhores e populações. Logo, o movimento de reconquista da Península, seguido de expansão, foi algo que se apresentou como natural para os olhos da época. Era afinal uma certa revanche passados alguns séculos.
Não obstante a conquista pelos Mouros, o grosso dos habitantes da Península habituou-se à presença Árabe e Moura, de modo que a herança Árabe/Moura foi e é muito respeitada. As populações não ficaram a odiar a presença dos novos ocupantes. Neste ponto de vista, no século XXI, dos direitos, liberdades e garantias, os alegados cristãos ocidentais não entendem os movimentos atuais de tanta fúria e a vontade de voltarem a baralhar e conquistar novamente tudo.
Sabemos que as populações de cultura Islâmica/Árabe estão descontentes com uma certa política americana, quase limitada no tempo e nos líderes, mas daí a quererem uma outra revanche e desconfiar de todos ou de quase todos os ocidentais, em especial por serem cristãos (muitos nem são nada disso) parece-me exagero e poderá ser prejudicial para toda a humanidade, incluindo Árabes e Islâmicos.
Quanto a Ceuta e Portugal no ano de 2015, o que poderia ser uma efeméride destacada de comemoração pelo número redondo de 600 anos, até porque representa o início de grandes alterações a nível mundial, acaba por se ficar apenas por uns eventos esporádicos e alguns estudos.
Os Ceutenses, os Ibéricos e o dito Mundo Ocidental percebem que não devem hostilizar quem-quer-que-seja que se ache ferido no seu orgulho, embora haja várias interpretações (depende dos pontos de vista e de quem analisa) o desenrolar dos factos históricos.    
Assim, o diretor adjunto do jornal Correio da Manhã afirma, em 14.8.2015, em breves linhas e em relação à conquista de Ceuta, que “os portugueses estão com falta de memória” e que o “silêncio” revela “um país que tem medo de ter orgulho da sua história”. Estas palavras podem apenas querer dizer que o Homem Ocidental, ou o alegado Cristão (que em grande parte não liga à religião) não deseja hostilizar ninguém mas também não gosta de ser hostilizado.   
Imagem “Bandeira e Escudo de Ceuta” in  https://pt.wikipedia.org/wiki/Bandeira_e_escudo_de_Ceuta. Obs. A nova Ceuta poderá, em nossa opinião, incluir outros elementos na bandeira para representar todos os cidadãos.
Sem mais comentários quanto à tomada de Ceuta, há 600 anos pelos Portugueses; e igualmente sem mais comentários quanto à tomada da Península Ibérica, pelos Árabes/Muçulmanos, numa altura em que se desenvolviam as nacionalidades locais, pós romanas.
Há quem pense que a Ceuta atual, neste século XXI, deveria ser o que as suas populações quisessem, obedecendo aos “direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor da pessoa humana, na igualdade de direitos dos homens e das mulheres, assim como das nações, grandes e pequenas” (2).
Considerando Ceuta uma Nação, pequena na dimensão (havendo, outras bem mais pequenas) é importante pela sua localização, gentes, comércio, intercâmbio de pessoas e culturas entre África e a Europa. Um jornalista da Lusa dizia, há pouco tempo, que Ceuta é uma das portas de entrada da África na Europa.
A corrente de pensamento pró-independência acha que, para não haver disputas de reivindicações territoriais, Ceuta poderia tornar-se em Estado democrático e social, independente, começando com o beneplácito e a amizade dos seus vizinhos: Marrocos, Espanha, OUA e ONU.
Que o século XXI seja de compreensão e de reconciliação.
Que nos recentes estudos e em curso pelo Instituto de Estudios Ceutíes;
Centro Asociado de la UNED de Ceuta;
Centro de História d`Aquém e d`Além-Mar da Universidade Nova de Lisboa;
Universidade dos Açores;
Centro Interdisciplinar de História, Culturas e Sociedades - CIDEHUS;
Laboratório de Paisagens, Património e Território – Lab 2 PT;
Campo Arqueológico de Mértola;
Campus Universitario de Ceuta;
Facultad de Educación, Economía y Tecnología de Ceuta;
Universidad de Granada e Universidad de Sevilla -  sejam analisadas novas perspetivas de convivência, de entendimento e de desenvolvimento, das populações de Ceuta, bem como de toda a região mediterrânica; essa sim, poderá funcionar como alega Fernand Braudel em “O Mediterrâneo e o Mundo Mediterrânico” como um bloco cultural e económico coeso, quase como se de uma nação, com identidades semelhantes, se tratasse.
Logo, fará sentido, que todas as posições se pronunciem nos fóruns, baseados nas investigações de gente que ama e que está ligada à cultura Moura/Árabe e Cristã, excluindo ideias de cruzadas porque nada há de mais anti cruzada do que os próprios preceitos cristãos.
A resolução das divergências em democracia será, certamente, mais produtiva, mais eficaz e mais eficiente do que a resolução pela violência, porque, hoje em dia, as memórias ficam registadas e quem mais brigar, com menos razão ou com meios mais violentos, acabará por perder a razão que tem. 
P.S. Este post foi inspirado na recente viagem a Marrocos. Cf. http://museologiaporto.ning.com/profiles/blogs/49-anota-es-de-uma-viagem


Notas:

 
(2)Preâmbulo da Carta das Nações Unidas, assinada em São Francisco, 25.6.1945

 Outras fontes: 

-BRODEL, Fernand – O Mediterrâneo e o Mundo Mediterrânico. Ed. D. Quixote, reimpressão 2007, ISBN: 9789722012133

Em linha, acedidas em 23.8.2015


-LUSA, Agência - Comemorações dos 600 anos da conquista de Ceuta geram críticas - http://observador.pt/2015/08/21/comemoracoes-dos-600-anos-da-conquista-de-ceuta-geram-criticas/  

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