Ceuta e o Mediterrâneo podem mudar o ciclo de entendimentos: culturais, estratégicos e de desenvolvimento.
Septem, Hepta, Sebta, Seuta e Ceuta foram as designações por que passou o atual
território de Ceuta com cerca de 15,5 km2 e atualmente com mais de 80.000
habitantes, segundo senso de 2011.
Aqueles nomes provêm da evolução linguística e dos
vários povos que foram habitando o território. Por aqui passaram e viveram
Fenícios, Cartagineses, Gregos, Mauritanos, Romanos, Vândalos, Bizantinos,
Visigodos, Omíadas, Idríssidas, Malaguenses (de Málaga/Espanha, arabizados),
Almorávidas, Almóadas, Murcianos (de Múrcia/Espanha, arabizados); Merínidas, Háfsidas
e Azafis (Berberes), Castelhanos, Nasridas (de Granada/Espanha, arabizados),
Portugueses e Espanhóis.
A etimologia do nome significa sete, possivelmente
por o território ser importante e possuir colinas, cuja quantidade (sete) é
algo arbitrária e atribuída a localidades e cidades clássicas, tal como
aconteceu com Roma, Constantinopla, Jerusalém, Lisboa e Ceuta (1), tendo
por isso a designação de cidades das sete colinas.
Em 22 de Agosto de 1415, faz agora seis séculos, o
rei d. João, primeiro deste nome e também o primeiro de uma nova dinastia,
aventurou-se por mar e terra com um exército, uma elite e os próprios filhos,
em direção a Ceuta. O mundo vivia ainda numa época com a mentalidade de
cavalaria e de barbarismos. Não há que fazer, hoje, uma análise
descontextualizada do que se passou nesse dia.
Contudo, se não fossemos pacifistas, e desejosos de
um mundo mais fraterno, festejaríamos esse dia. Estamos no século XXI e temos a
noção de que muitos residentes e naturais da antiga Ceuta morreram, outros
ficaram sem os seus bens e seus sustentos.
Quando o ser humano é capaz de exercer a alteridade
de posições dá nisto, consegue ver as coisas como se fizesse parte do outro
lado. Temos consciência que ninguém deveria ser atacado por estranhos na sua
própria Terra. Por isso compreendemos que Ceuta, no domínio espanhol, é como
uma pedrinha no sapato para alguns dos descendentes do Povo de Ceuta, pré 1415.
Também compreendemos que os tempos eram outros; que
Ceuta era um entrave para o trânsito de mercadorias, pelo Mediterrâneo, e que
os primeiros a atacar na Península Ibérica, e em outras partes da Europa, foram
os Mouros e Árabes. Isso numa altura em que a Europa consolidava nacionalidades
em torno de reis, condes, senhores e populações. Logo, o movimento de
reconquista da Península, seguido de expansão, foi algo que se apresentou como
natural para os olhos da época. Era afinal uma certa revanche passados
alguns séculos.
Não obstante a conquista pelos Mouros, o grosso dos
habitantes da Península habituou-se à presença Árabe e Moura, de modo que a
herança Árabe/Moura foi e é muito respeitada. As populações não ficaram a odiar
a presença dos novos ocupantes. Neste ponto de vista, no século XXI, dos
direitos, liberdades e garantias, os alegados cristãos ocidentais não
entendem os movimentos atuais de tanta fúria e a vontade de voltarem a baralhar
e conquistar novamente tudo.
Sabemos que as populações de cultura Islâmica/Árabe
estão descontentes com uma certa política americana, quase limitada no tempo e
nos líderes, mas daí a quererem uma outra revanche e desconfiar de todos
ou de quase todos os ocidentais, em especial por serem cristãos (muitos nem são
nada disso) parece-me exagero e poderá ser prejudicial para toda a humanidade,
incluindo Árabes e Islâmicos.
Quanto a Ceuta e Portugal no ano de 2015, o
que poderia ser uma efeméride destacada de comemoração pelo número redondo
de 600 anos, até porque representa o início de grandes alterações a nível
mundial, acaba por se ficar apenas por uns eventos esporádicos e alguns
estudos.
Os Ceutenses, os Ibéricos e o dito Mundo Ocidental
percebem que não devem hostilizar quem-quer-que-seja que se ache ferido no seu
orgulho, embora haja várias interpretações (depende dos pontos de vista e de
quem analisa) o desenrolar dos factos históricos.
Assim, o diretor adjunto do jornal Correio da Manhã
afirma, em 14.8.2015, em breves linhas e em relação à conquista de Ceuta, que
“os portugueses estão com falta de memória” e que o “silêncio” revela “um país
que tem medo de ter orgulho da sua história”. Estas palavras podem apenas
querer dizer que o Homem Ocidental, ou o alegado Cristão (que em grande parte
não liga à religião) não deseja hostilizar ninguém mas também não gosta de
ser hostilizado.
Imagem “Bandeira e Escudo de Ceuta” in https://pt.wikipedia.org/wiki/Bandeira_e_escudo_de_Ceuta.
Obs. A nova Ceuta poderá, em nossa opinião, incluir outros elementos na
bandeira para representar todos os cidadãos.
Sem mais comentários quanto à tomada de Ceuta, há
600 anos pelos Portugueses; e igualmente sem mais comentários quanto à tomada
da Península Ibérica, pelos Árabes/Muçulmanos, numa altura em que se
desenvolviam as nacionalidades locais, pós romanas.
Há quem pense que a Ceuta atual, neste século XXI,
deveria ser o que as suas populações quisessem, obedecendo aos “direitos
fundamentais do homem, na dignidade e no valor da pessoa humana, na igualdade
de direitos dos homens e das mulheres, assim como das nações, grandes e
pequenas” (2).
Considerando Ceuta uma Nação, pequena na dimensão
(havendo, outras bem mais pequenas) é importante pela sua localização,
gentes, comércio, intercâmbio de pessoas e culturas entre África e a Europa. Um
jornalista da Lusa dizia, há pouco tempo, que Ceuta é uma das portas de entrada
da África na Europa.
A corrente de pensamento pró-independência acha
que, para não haver disputas de reivindicações territoriais, Ceuta poderia
tornar-se em Estado democrático e social, independente, começando com o
beneplácito e a amizade dos seus vizinhos: Marrocos, Espanha, OUA e ONU.
Que o século XXI seja de compreensão e de
reconciliação.
Que nos recentes estudos e em curso pelo Instituto
de Estudios Ceutíes;
Centro Asociado de la UNED de Ceuta;
Centro de História d`Aquém e d`Além-Mar da
Universidade Nova de Lisboa;
Universidade dos Açores;
Centro Interdisciplinar de História, Culturas e
Sociedades - CIDEHUS;
Laboratório de Paisagens, Património e Território –
Lab 2 PT;
Campo Arqueológico de Mértola;
Campus Universitario de Ceuta;
Facultad de Educación, Economía y Tecnología de
Ceuta;
Universidad de Granada e Universidad de Sevilla -
sejam analisadas novas perspetivas de
convivência, de entendimento e de desenvolvimento, das populações de Ceuta, bem
como de toda a região mediterrânica; essa sim, poderá funcionar como alega
Fernand Braudel em “O Mediterrâneo e o Mundo Mediterrânico” como um bloco
cultural e económico coeso, quase como se de uma nação, com identidades
semelhantes, se tratasse.
Logo, fará sentido, que todas as posições se
pronunciem nos fóruns, baseados nas investigações de gente que ama e que está
ligada à cultura Moura/Árabe e Cristã, excluindo ideias de cruzadas porque
nada há de mais anti cruzada do que os próprios preceitos cristãos.
A resolução das divergências em democracia será,
certamente, mais produtiva, mais eficaz e mais eficiente do que a resolução
pela violência, porque, hoje em dia, as memórias ficam registadas e quem mais
brigar, com menos razão ou com meios mais violentos, acabará por perder a razão
que tem.
P.S. Este post foi inspirado na recente
viagem a Marrocos. Cf. http://museologiaporto.ning.com/profiles/blogs/49-anota-es-de-uma-viagem
Notas:
(1)Cf. ANCIÃES,
Alfredo - http://cumpriraterra.blogspot.pt/2014/10/21-comunica-patrimonios-da-graca.html
; http://comunidade.sol.pt/blogs/alfredoramosanciaes/archive/2011/02/18/JARDIM-AUGUSTO-GIL-NA-COLINA-DA-GRA_C700_A.aspx
(2)Preâmbulo da
Carta das Nações Unidas, assinada em São Francisco, 25.6.1945
Outras
fontes:
-BRODEL, Fernand –
O Mediterrâneo e o Mundo Mediterrânico. Ed. D. Quixote, reimpressão 2007, ISBN:
9789722012133
Em linha, acedidas
em 23.8.2015
-ANCIÃES, Alfredo -
http://museologiaporto.ning.com/profiles/blogs/49-anota-es-de-uma-viagem
-LUSA, Agência - Comemorações dos 600 anos da
conquista de Ceuta geram críticas - http://observador.pt/2015/08/21/comemoracoes-dos-600-anos-da-conquista-de-ceuta-geram-criticas/
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